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691
Campinas,
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A cena entre o ouvido e a voz

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Livro aborda aspectos sonoros, biológicos e linguísticos envolvidos em uma apresentação teatral

Para Rodrigo Castro, “o teatro é uma das formas artísticas que mais aglutina toda e qualquer novidade ou invenção técnica”
Para Rodrigo Castro, “o teatro é uma das formas artísticas que mais aglutina toda e qualquer novidade ou invenção técnica”

O livro Entre o ouvido e a voz, fruto de estudo realizado por Rodrigo Spina de Oliveira Castro, docente do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, promove uma incessante procura pela essência da comunicação dentro da encenação teatral. O autor investiga as palavras ditas e ouvidas e, consequentemente, os reais significados que vêm se perdendo no atual período histórico – marcado por um processo frenético e, às vezes, descontrolado de ressignificação.

Nesse contexto, segundo Castro, o ator contemporâneo estaria cercado por uma instabilidade dos sentidos e das palavras, que seria resultante da revolução digital das últimas décadas. Nesta entrevista, o docente do IA fala sobre os principais tópicos abordados em seu estudo e sobre o próprio processo de escrita da obra.

Jornal da Unicamp – Quais foram os maiores desafios durante o processo de escrita do livro?

Rodrigo Castro – Como pesquisador e docente na área de voz em teatro, sempre busquei compreender a criação vocal por sensibilizações variadas no intuito de integrar corpo, voz e imaginário. Muitas vezes, os artistas da cena possuem um trabalho muito técnico, individualizado, sobre sua poética vocal, encontrando, individualmente, maneiras de falar o texto, fixando-o antes do próprio jogo cênico, ou seja, a relação com o outro estaria um pouco mais ensurdecida, uma vez que a atenção do ator recairia sobre si mesmo e sobre sua locução.

Este livro busca compreender como a audição pode ser a maior aliada nesse aspecto criativo da voz, como a relação com os materiais da escuta – incluindo o silêncio, gerador de todos os sons – pode alargar as possibilidades de alteridade: as paisagens sonoras ouvidas poderão gerar outras formas de vocalização e integra- ção na cena como um todo.

maior desafio da escrita do  livro foi traduzir para o leitor comum, menos acostumado com o nosso linguajar, as práticas e os vocabulários tão frequentes ao fazer teatral, além de validar, por meio dessa prática experimental proposta aos atores, as intuições primeiras dos argumentos.

JU – Para você, a intersecção dos meios digitais nas produções teatrais contemporâneas pode ser entendida como algo benéfico ou como um problema a ser resolvido?

Rodrigo Castro – Sinto que o teatro é uma das formas artísticas que mais aglutina toda e qualquer novidade ou invenção técnica. O surgimento da eletricidade e da iluminação elétrica foi um marco divisor e revolucionador de novas estéticas – a iluminação cênica e toda sua investigação sobre suas possibilidades artísticas transformaram profundamente o fazer teatral da época. Assim, o surgimento de novas tecnologias sempre se coloca como aliado da criação teatral, pois cada meio digital poderá potencializar e alargar as pesquisas que um determinado realizador faz.

O teatro nunca deixou de existir mesmo com a incorporação de toda e qualquer tecnologia criada. No advento do cinema, por exemplo, especulava-se que a arte teatral deixaria de existir, mas, ao contrário, houve uma revolução estética no teatro: tanto na forma da atuação – ao cinema foi deixado o lugar da arte ilusionista, em termos gerais – como na incorporação de projeções de vídeos na cena, em diálogo com os atores.

Sei que a arte teatral nunca deixará de existir, pois é a arte que mais promove o encontro entre humanos, compartilhando instantes em comum de sua simples presença.

JU – Sendo uma obra acadêmica, o livro pode ser lido por qualquer público ou se restringe aos profissionais de artes cênicas?

Rodrigo Castro – O livro tem como tema maior as pesquisas vocais nas artes cênicas, mas a escrita teve que ser amparada por outros campos do saber, o que o torna mais plural e de alcance maior. Assuntos científicos e das humanidades integram também o escopo do livro, entre os quais fonoaudiologia, psicologia, antropologia, filosofia, além dos estudos mais teóricos das artes cênicas. Sinto que todo leitor que tenha interesse pelas percepções humanas, pela voz (em termos fisiológicos e poéticos), pelo teatro e pela cultura como um todo poderá se beneficiar com a leitura da obra.

JU – De que forma esse espaço do “entre” propiciou ao senhor novas perspectivas e perguntas sobre o ato da fala e da escuta nas artes cênicas?

Rodrigo Castro – O “entre” é um espaço de relação, só existe com dois polos. O “entre” inclui os polos e o que acontece com eles. O “entre” necessita de presença – aliada maior das artes cênicas. O “entre” é puro jogo.

Com o livro, sinto que consegui rever a relação mais estabelecida da comunicação, que está pautada em emissor, mensagem e receptor. Aqui, penso que o ato da fala pode – em criação cênica – depender até mesmo da maneira como o artista da cena escuta o silêncio de seu colega, por exemplo. Afirmo também a potência do silêncio como detentor de todos os sons em potência, ao contrário do que é normalmente entendido – o silêncio como oposição ao som.

Vislumbro quase uma relação “invertida” do que é esperado sobre as poéticas da voz: a vocalidade será parceira primeira da audição. Por fim, o que posso adiantar sobre a leitura do livro é que, entre o ouvido e a voz, há a cena, a presença dos intérpretes recheados de sons e silêncios, em parceria concreta, menos envaidecida, em conexão com os materiais mais profundos da criação.


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Título: Entre o ouvido e a voz

Autor: Rodrigo Spina de Oliveira Castro

Páginas: 224

Formato: 14 cm x 21 cm

Editora da Unicamp

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