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Um ‘café de açaí’ rico em inulina

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Pesquisa conduzida na FEA obtém extrato contendo fibra que age como prebiótico

Renata Magalhaes, autora do estudo, prepara o “café de açaí” em laboratório da FEA: annálise de compostos fenólicos
Renata Magalhães, autora do estudo, prepara o “café de açaí” em laboratório da FEA: análise de compostos fenólicos

Uma pesquisa de mestrado realizada na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp conseguiu obter um extrato de caroço torrado de açaí rico em inulina, uma fibra solúvel que age como prebiótico, facilitando a absorção de minerais no intestino e a prevenção da prisão de ventre, além de ter importante função na  redução de colesterol e no controle da glicemia. Conduzido pela engenheira de alimentos Renata Magalhães no Laboratório de Extração, Termodinâmica Aplicada e Equilíbrio (Extrae) da faculdade, o estudo constatou que o método de extração convencional – semelhante ao usado para a obtenção do café – mostrou-se eficaz na produção de um “café de açaí”, que poderá ser consumido como uma bebida funcional fácil de ser preparada.

Nós  buscamos  extrair  esse  café  de açaícomo se faz com o café comum, apenas variando os principais parâmetros do processo, a saber: temperatura e razão sólido/solvente. Então, meu trabalho envolveu avaliar cinco diferentes níveis dos parâmetros de processo”, explica a cientista, que verificou, em suas análises, que a bebida apresenta 16% de inulina, índice considerado alto para um extrato. A expectativa é que os resultados obtidos possam ser úteis no desenvolvimento de processos de produção em escala industrial, auxiliando a gerar um produto de maior valor agregado a partir de uma matéria-prima que geralmente é descartada e que causa diversos impactos ambientais.

Atualmente, poucas empresas no Brasil dedicam-se à criação de produtos a partir do caroço de açaí, que frequentemente é depositado em locais inadequados como aterros, rios e entorno de fábricas. Como apenas 15% dessa fruta é formada pelo endocarpo, sua parte comestível – os 85% restantes correspondem ao caroço e à casca –, toneladas de resíduos são geradas pela cadeia agroindustrial do açaí. Para se ter uma ideia, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente no ano de 2019 foram produzidas mais de 220 mil toneladas de produtos a partir do açaí no Brasil.

Por se tratar de um material sólido com grande quantidade de celulose e lignina, o caroço de açaí é um subproduto passível de transformação por meio de soluções biotecnológicas. “O resíduo sólido orgânico do caroço de açaí pode ser usado em processos de compostagem ou fazer parte da matriz energética mundial, que é formada basicamente por fontes não renováveis. Assim, o aproveitamento desse recurso tem um viés econômico, de bem-estar social e, sobretudo, de benefício sanitário”, comenta a professora Klícia Sampaio, que orientou a pesquisa de Magalhães.

Além da obtenção de inulina, a dissertação também analisou as características de compostos fenólicos presentes no “café de açaí” – um grupo de antioxidantes produzidos pelas plantas e que auxilia na defesa do corpo contra diversos tipos de câncer – e os parâmetros físico-químicos do pó do caroço torrado, como diâmetro das partículas e teor de proteínas, carboidratos e fibra bruta. A auferição visa auxiliar na extração do máximo de benefícios daquele material, tanto para produzir um composto mais rico quanto para melhorar o aproveitamento do recurso.

Como explica o professor Eduardo Batista, que coorientou a dissertação, mesmo com a criação de produtos de maior valor agregado, o uso do caroço torrado continua a gerar resíduos, como é o caso da borra que sobra depois de coado o café. “É importante a gente entender o que existe naquele material porque o pó de café é um problema ambiental sério. Se você utiliza um material por menos de dois minutos e gera um resíduo, isso é considerado um problema ambiental. E o café tradicional gera muito resíduo. A gente sabe que, com o café de açaí, a gente não vai extinguir a produção de resíduo, então estamos tentando extrair outros componentes de interesse para que possamos encontrar outras destinações para aquele material”, comenta.

Da esq. para a dir., a técnica de laboratório Patrícia Tonon, a engenheira de alimentos Renata Magalhaes, e os professores Klícia Sampaio e Eduardo Batista, respectivamente, orientadora e coorientador da pesquisa
Da esq. para a dir., a técnica de laboratório Patrícia Tonon, a engenheira de alimentos Renata Magalhães, e os professores Klícia Sampaio e Eduardo Batista, respectivamente, orientadora e coorientador da pesquisa

O estudo

A ideia de obter a inulina a partir do extrato de açaí surgiu em 2020, quando a empresa paraense Raízes do Açaí, que produz o café dessa fruta, entrou em contato com Sampaio disponibilizando o produto para estudo. Uma nutricionista havia viralizado na internet com um vídeo no qual afirmava que beber aquele café ajudaria diabéticos a controlarem a glicemia, o que fez os estoques da empresa – de pequeno porte – acabarem. Sem saber o que poderia estar por trás desse eventual efeito da bebida, a Raízes do Açaí propôs à Unicamp uma parceria.

Magalhães, imbuída da missão de esclarecer esse quadro, realizou inicialmente uma pesquisa bibliográfica, encontrando artigos nos quais se indicava a presença de inulina no material. Com esse dado em mãos, a pesquisadora direcionou seus esforços para a análise dessa substância. Para tanto, a aluna utilizou um cromatógrafo de íons – equipamento que identifica e quantifica compostos químicos presentes em materiais líquidos –, o que permitiu viabilizar as análises de maneira menos prejudicial ao meio ambiente. Em geral, as cromatografias tradicionais utilizam solventes tóxicos e muito perigosos para o analista. No entanto, com o cromatógrafo de íons, foi possível realizar o estudo utilizando apenas água, gerando menos resíduos, a um baixo custo e de maneira mais segura para os cientistas.

Segundo a técnica de laboratório Patrícia Tonon, química responsável pelo cromatógrafo de íons no Extrae e por treinar a aluna Magalhães, esse é um equipamento extremamente sensível, que apresentou resultados tão bons quanto aqueles das técnicas mais convencionais usadas em análises do tipo. Sua sensibilidade é tão alta que foi preciso diluir o extrato do caroço de açaí em 20 partes de água para adequar a resposta do detector à curva analítica. “E era também um extrato muito rico, mesmo diluído. No final, o método mostrou-se bastante robusto, preciso, reprodutível e deu uma excelente resposta. Para um mestrado, que tem um tempo curto de duração, de dois anos, foi um grande trabalho fazer o desenvolvimento da metodologia por cromatografia de íons e  a avaliação do processo de extração dos compostos bioativos”, avalia a cientista.

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