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Ferramenta prevê risco de problemas no sistema imune de crianças

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Pesquisa resulta em parceria que vai desenvolver aplicativo para uso em consultórios médicos

O pesquisador Driede Carmo: achado será apresentado em congresso da Sociedade Torácica Americana, nos Estados Unidos
Saguão de entrada do Ambulatório de Pediatria do Hospital de Clínicas da Unicamp: dados de 128 pacientes

Modelos de aprendizado de máquina são ferramentas promissoras para auxiliar no rastreio de erros inatos da imunidade (EII) — conjunto de doenças causadas por disfunção ou problemas no desenvolvimento do sistema imune — em crianças. Essa foi a principal conclusão de uma tese de doutorado que acaba de ser defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. O estudo, conduzido pela alergologista e imunologista pediátrica Marina Takao, comparou o desempenho de quatro modelos de predição de risco no diagnóstico de pacientes com suspeita de terem EII e resultou em uma parceria que está desenvolvendo um aplicativo para ser utilizado em consultórios médicos.

O aprendizado de máquina é um ramo da inteligência artificial (IA) que desenvolve algoritmos capazes de aprenderem com os padrões existentes nos dados coletados e de predizerem uma determinada condição a partir do processamento de grandes volumes de informação. Nos últimos anos, ele tem se mostrado um recurso eficaz para rastrear várias doenças, o que é especialmente relevante para condições como os EII, que sofrem com o problema do subdiagnóstico. Para se ter uma ideia, estimativas apontam que mais de 70% das pessoas com essa condição são diagnosticadas tardiamente mesmo em países bem equipados, o que resulta em uma maior morbimortalidade e em mais gastos para o sistema de saúde.

De acordo com a professora Adriana Riccetto, que orientou a pesquisa, o sistema imune se diferencia de outros sistemas, como o nervoso ou digestivo, porque não está localizado em apenas alguns órgãos, mas em todo o corpo humano, o que dificulta e encarece o processo de detecção de uma doença que o atinja. Além disso, existem atualmente 485 mutações genéticas responsáveis por erros no sistema imunológico, e muitos  médicos  não  recebem  treinamento para interpretar os seus sinais como indicativos de problemas mais complexos, tendendo a tratar apenas as suas manifestações isoladamente: infecções graves ou recorrentes, autoimunidade — quando o próprio corpo combate seus tecidos e células —, alergias graves e câncer.

O resultado disso é que a maioria dos pacientes precisa fazer uma peregrinação entre profissionais até conseguir um diagnóstico, processo que pode demorar entre três e cinco anos. "Conseguimos fazer esse  diagnóstico precocemente porque são seis anos de medicina, três de pediatria, dois de imunologia e muitos de prática. Então, quando o paciente chega ao consultório, o cérebro do especialista consegue reunir os dados e dizer que muito provavelmente se trata de um erro inato da imunidade. Entretanto, um médico recém-formado, um clínico ou um pediatra geral têm dificuldade para realizar essa leitura”, esclarece a professora.

Por esse motivo, o principal objetivo dos pesquisadores é utilizar os resultados da tese para criar um sistema baseado em aprendizado de máquina que irá auxiliar esses profissionais a organizarem as informações médicas dos pacientes e indicar se eles devem ser encaminhados a um imunologista, o que é algo inédito até agora. “Não existem aplicativos para previsão de erros inatos da imunidade. Até existe um software de uma fundação chamada Jeffrey Modell, mas o programa só está disponível para uso no cenário de pesquisa. Mesmo assim, poucos estudos foram realizados nessa área até hoje. Desde 2015, foram cerca de 11 estudos, incluindo o nosso”, comenta Takao.

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Da esquerda para a direita, a professora Adriana Riccetto, orientadora do estudo; o professor Marcos Nolasco, coorientador da pesquisa e a alergologista e imunologista pediátrica Marina Takao, autora da tese

Perspectivas

A fim de indicar qual seria a melhor tecnologia para prever erros inatos, Takao contou com a colaboração da cientista da computação Marta Fernandez e do pesquisador da FCM Luiz Sergio Carvalho, que selecionaram os quatro algoritmos a serem testados. Três deles foram baseados em aprendizado de máquina e um, em regressão logística, modelo estatístico que determina a probabilidade de um evento acontecer. Dados anonimizados de 128 pacientes pediátricos que haviam passado pelo Hospital de Clínicas (HC) com suspeita de EII foram inseridos no sistema, incluindo informações como sexo, idade, histórico de doenças e resultados de exames laboratoriais. As conclusões obtidas foram comparadas com as avaliações feitas por especialistas.

Todos os modelos de aprendizado de máquina tiveram um melhor desempenho do que o de regressão logística, mas, dentre os três, o que apresentou o melhor resultado foi o Random Forest. Atualmente, os pesquisadores estão envolvidos no processo de criação do aplicativo. Por meio de um convênio com a Unicamp, o Instituto de Ciência e Tecnologia SiDi realizou o levantamento dos requisitos técnicos necessários à criação da ferramenta. Agora, foi firmada uma parceria com a empresa de tecnologia Clarity Health para o desenvolvimento das suas funcionalidades, com a expectativa de que, até o final do ano, já exista uma versão a ser testada em campo.

Os autores ressaltam que a tecnologia não terá o objetivo de substituir o trabalho do médico, mas de apoiá-lo no processo de diagnóstico dos pacientes, funcionando também como um sistema educativo para que o profissional aprenda a detectar erros inatos precocemente. Segundo o professor Marcos Nolasco, que coorientou a tese, um em cada 2 mil nascimentos no Brasil é de pessoas com erros inatos de imunidade. Apesar de o quadro ter melhorado nos últimos anos, eles ainda recebem no HC crianças de 10 anos que deveriam ter sido diagnosticadas no primeiro ano de vida. “E essa criança, que é a que sobreviveu, tem prejuízo no crescimento, no desenvolvimento e na qualidade de vida da família. Então, o fundamental é que essas inovações busquem aprimorar o cuidado com a pessoa, para que o médico melhore a qualidade do atendimento oferecido”, finaliza.

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