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A ciência do picadeiro

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Unicamp é a única representante da América do Sul na primeira revista científica internacional sobre circo

Atividades do curso “Circo-Tecido Acrobático”, no Laboratório da Faculdade de Educação Física (LABFEF)
Atividades do curso “Circo-Tecido Acrobático”, no Laboratório da Faculdade de Educação Física (LABFEF)

Acrobatas, contorcionistas e equilibristas já eram representados em desenhos na China, há mais de 5 mil anos e, no Egito, mais de 3 mil anos. Por volta do ano 100 a.C. (antes de Cristo), a arte circense era símbolo da cultura chinesa. Nas arenas romanas, a palavra circo começou a adquirir o significado que tem até hoje pelo caráter circular dos espaços de entretenimento. No Brasil desde o século XIX, os espetáculos circenses começaram a fazer parte da cultura popular. O circo percorreu o mundo ao longo da história, mas, do ponto de vista do conhecimento acadêmico, estamos diante de uma nova área. No mês de março de 2023, foi criada a primeira revista científica internacional voltada para esse tema, a Circus: Arts, Life and Sciences (Cals), da qual a Unicamp é parceira oficial do periódico e sua única representante na América do Sul.

Dirigida ao público científico, a revista bilíngue (inglês e francês) acaba de ser lançada pela editora da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. Fruto do trabalho conjunto de universidades e escolas superiores de circo de todo o mundo, a publicação abrange as áreas de artes, história e saúde, como sugere o próprio nome, cuja sigla, não por acaso, tem a pronúncia da palavra caos. A sigla pode soar também como calls (chamadas, em inglês).

“A literatura científica de circo estava pulverizada em revistas de diferentes áreas do conhecimento”, diz o professor Marco Antonio Coelho Bortoleto, da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp. “Considerando que se trata da primeira revista científica da área, a Unicamp se coloca na vanguarda desse movimento."

A relação da Unicamp com o circo, no entanto, não começou agora. Desde meados dos anos 1990, diz Bortoleto, a Universidade dialoga com o tema, inicialmente, por meio do Instituto de Artes (IA) e do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e, mais recentemente, com um conjunto de ações na área de Educação Física.

O histórico da Unicamp fez da Universidade uma referência nacional nos estudos da área. Em 2022, seis dissertações e teses foram defendidas na Unicamp – quatro delas na FEF. “O trabalho desenvolvido aqui tem atraído a atenção de muitos estudiosos do circo”, afirma Bortoleto.

Desde 2014, por intermédio de convênio de cooperação entre a Unicamp e a Escola Nacional de Circo de Montreal (Canadá), o professor Bortoleto integra um grupo internacional, no qual nasceu a ideia da revista. Preocupados em compartilhar dissertações, teses e artigos sobre a área, os pesquisadores fundaram um centro de documentação chamada Circus Research Plataform (Carp, plataforma de pesquisa sobre o assunto), que reúne bibliotecários e pesquisadores de diversos países.

“Com a experiência da Carp, ficou ainda mais claro que precisávamos de uma revista científica”, diz o professor, que é o único representante brasileiro no grupo. Após ensaios e malabarismos, o projeto finalmente se concretizou quando a universidade norte-americana do Michigan ofereceu a plataforma e toda a infraestrutura técnica. 

A revista

Marco Bortoleto ressalta ser este um momento histórico. A Cals é um periódico totalmente digital, gratuito para publicação e também para acesso. São três editorias diferentes. A seção Art é voltada para a dramaturgia e todo processo de pesquisa artística. A seção Life traz estudos relacionados ao cotidiano do treinamento e à formação profissional. A última seção é a Science, com pesquisas sobre lesões típicas do circo ou questões de saúde do artista.

Entre os editores, há diferentes perfis e especialidades, incluindo neurologistas que estudam lesões cerebrais, dramaturgos, antropólogos, historiadores, pedagogos, filósofos e professores de Educação Física.

A publicação é trimestral e temática, com chamadas periódicas e de fluxo contínuo. Além dos artigos científicos, a revista também publicará vídeos-pesquisa, que ajudam a sintetizar e compartilhar processos de pesquisa artística.

A primeira edição, tematizada como “Descoberta”, traz cinco artigos. Como parte da política inclusiva da revista, os artigos poderão ser submetidos em vários idiomas e traduzidos para inglês ou francês. A ideia é promover uma representatividade diversa em gênero, raça e língua.

Atividades do curso “Circo-Tecido Acrobático”, no Laboratório da Faculdade de Educação Física (LABFEF)

Na Unicamp

Na década de 1990, a Unicamp começava a ter suas primeiras pesquisas sobre circo, em diferentes áreas do conhecimento, como história e dramaturgia. O cleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Unicamp (Lume) mantém pesquisas sobre a figura do palhaço, há mais de três décadas, que dialogam com o circo.

Bortoleto ingressou como professor na FEF/Unicamp em 2006, após passar um período na Espanha. “Acontecia na Europa um movimento de valorização do ensino de circo voltado para docentes da Educação Física e da Pedagogia.” O professor criou a disciplina de circo na FEF e o grupo de pesquisa Circus, que ele coordena com a historiadora Ermínia Silva. Também foram criados projetos de extensão para as comunidades interna e externa, incluindo crianças e adultos. “O nosso olhar para o circo continua avançando.”

Segundo Bortoleto, existem mais de 500 circos rodando pelo Brasil atualmente. “A história brasileira do circo é incrível. O país construiu uma forte tradição a partir do início do século XIX.” No entanto, ainda não existe no país um curso superior na área. “O curioso é que a história do Brasil, da Argentina e do México com circo é muito mais antiga que a do Canadá, onde a atividade virou uma bandeira desde o final do século XX, quando foi criada a Escola Nacional do Circo, no mesmo momento em que nascia o conhecido Cirque du Soleil”, afirma o professor.

Na França aconteceu algo similar. Os dois países, Canadá e França, se empenharam em ser a vanguarda circense mundial. “O Cirque du Soleil é uma vitrine importante e financia pesquisas, incluindo algumas das quais eu participo”, diz o professor, que desde janeiro deste ano está na Universidade Concordia, em Montreal (Canadá), como professor visitante, onde permanecerá, trabalhando com o docente Louis Patrick Leroux, até dezembro de 2023, integrando o projeto do governo canadense Social Innovation (inovação social), cujo objetivo é repensar a sociedade do futuro.


 

SERVIÇO

Revista Cals

Critac (Centro de Transferência e Pesquisa na Área do Circo) 

Circus – Unicamp/FEF 

Carp


 

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