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Inteligência artificial antevê jogadas de futebol

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A magia da imprevisibilidade desse esporte pode estar próxima do fim

Lance da partida realizada em 2016, no Rio, entre as seleções olímpicas do Brasil e de Honduras
Lance da partida realizada em 2016, no Rio, entre as seleções olímpicas do Brasil e de Honduras

Ferramenta criada por pesquisadores da Unicamp poderá derrubar um dos dogmas do futebol: a imprevisibilidade. Um software que usa inteligência artificial consegue prever se uma jogada irá terminar na zona de ataque, região do campo onde ocorrem os gols de uma partida. Os pesquisadores desenvolveram um programa de computador baseado no comportamento dos times, como a posição e a movimentação dos jogadores, a quantidade e a qualidade dos passes realizados pelos atletas, entre outros critérios de avaliação de desempenho que integram a dinâmica de uma partida.

Com base nos primeiros cinco segundos do desenvolvimento da jogada, o programa consegue dizer se aquela movimentação tem potencial para terminar num ataque perigoso ou não e, com isso, indicar ao treinador alguma estratégia de defesa, explica o professor da Faculdade de Tecnologia (FT) da Unicamp de Limeira Ulisses Dias, orientador da dissertação de mestrado apresentada no final de 2022 pelo pesquisador Leandro Stival. O artigo baseado na dissertação foi aprovado para publicação pela Plos One, revista científica de acesso livre publicada pela Public Library of Science. A pesquisa contou ainda com as colaborações dos professores e pesquisadores Allan Pinto, Felipe dos Santos Pinto de Andrade, Paulo Roberto Pereira Santiago, Henrik Biermann e Ricardo da Silva Torres.

Stival explica que, para desenvolver o software, utilizou a Teoria de Grafos, estudo de objetos matemáticos — os grafos — usados para modelar diversas aplicações do mundo real, combinada aos avanços dos processos de aprendizado de máquina — área da inteligência artificial cuja premissa é a ideia de que sistemas podem “aprender” com dados, passando a identificar padrões e tomar decisões com pouca ou nenhuma intervenção humana. É como se os pesquisadores “ensinassem” a máquina a reconhecer os padrões das jogadas que deram certo e aquelas que deram errado. 

“Nossas análises tiveram como base o jogo coletivo para disponibilizar ao treinador — ou a alguém da comissão técnica — a possibilidade de olhar para a equipe, ou para a equipe adversária, e saber se precaver no caso de receber ataques perigosos”, afirma Stival.

O pesquisador diz que esse alerta antecipado pode ser levado pela comissão técnica aos jogadores, mas também poderia ser exposto na tela de TV, no caso de transmissões ao vivo das partidas, como uma informação a mais para o telespectador. “Poderia ser mostrado, por exemplo, qual a porcentagem de chance de uma determinada jogada terminar na área inimiga. Seria mais uma forma de interação do torcedor com o jogo”, argumenta.

O autor da dissertação Leandro Stival e o orientador da pesquisa, Ulisses Dias: aplicação em tempo real
O autor da dissertação, Leandro Stival, e o orientador da pesquisa, Ulisses Dias: aplicação em tempo real

Eliminação

Desde a divulgação do trabalho final da dissertação, os pesquisadores têm sido fustigados por uma questão intrigante. Muita gente pergunta se a derrota do Brasil na Copa do Mundo de 2022, realizada no Catar, quando a Seleção Brasileira sofreu um gol a quatro minutos do final da prorrogação, num contra-ataque, e acabou eliminada nos pênaltis, poderia ter sido evitada, caso houvesse um sistema de alerta já em operação.

“Dá para acreditar que isso seria possível, sim. Já havia informação suficiente ali [no desenho da jogada] para dizer: olha, tem alguma coisa muito errada aqui; a postura do Brasil irá permitir um contra-ataque”, afirma Ulisses Dias, que, no entanto, faz uma ressalva. O sistema pode alertar para um ataque perigoso, mas não consegue produzir alerta contra um gol. “Sabemos se, ao final de uma posse de bola, aquela movimentação vai gerar uma jogada ofensiva. Não estou dizendo, no entanto, que poderemos dizer se isso vai resultar em gol”, afirma o docente.

E isso acontece, segundo Leandro Stival, pela própria complexidade do jogo. Ele lembra que, no basquete ou vôlei, por exemplo, é possível prever com maior facilidade a ocorrência de pontos.  “No futebol, há menos chances de gol criadas ao longo das partidas. Muitas vezes, acontece apenas um gol em 90 minutos de jogo e, em inúmeros casos, não acontece nenhum”, diz ele. “Por isso, chegamos o mais próximo do que seria o gol, que são as jogadas de ataque”, explica ele.

“Isso [o software], de posse de uma comissão técnica, principalmente de clubes que tenham dados coletados sobre seus jogadores, pode contribuir para uma análise mais robusta de como o time deve se comportar, o que evitar ou realizar dentro de campo para chegar a uma zona de perigo”, reforça Stival.

O pesquisador acredita que o software pode ser útil, também, no processo de aperfeiçoamento dos treinos táticos e na concepção de estratégias de jogo, que poderão ser adotadas de acordo com as características de cada adversário. Stival lembra que, além da informação sobre desempenho do atleta e da equipe, o algoritmo também poderá produzir informações sobre os parâmetros que foram usados para chegar a determinada informação ou resultado. “E, por meio de uma análise mais aprofundada, você consegue identificar padrões de sua equipe ou da equipe adversária”, acrescenta.

O orientador conta que o modelo foi concebido a partir de jogos gravados, mas o projeto foi idealizado para que, no futuro, possa ser aplicado em jogos em tempo real. “Por enquanto, nossos cálculos são ainda um pouco lentos. Ainda carecemos de poder computacional. Contudo, nosso projeto é fazer isso em tempo real no futuro”, afirma Dias. “O modelo precisa de aprimoramentos, mas é um sistema que tem todas as possibilidades de aplicação em jogos reais”, explica Stival.

Futuro dos técnicos

Os pesquisadores avaliam que o programa de computador não deve diminuir a importância do treinador na formação ou na construção de desempenho de uma equipe. “Acredito que o programa só irá contribuir para melhorar a qualidade dos treinadores”, avalia Stival.

“Os números isolados não querem dizer muita coisa. O algoritmo entende um padrão, como velocidade, passes rápidos etc. Agora, como aplicar isso, identificar qual jogador desempenha melhor esse papel, qual esquema tático a ser desenvolvido a partir daí, tudo isso depende do técnico”, justifica. “A gente está aqui não para substituir o técnico, mas para ser um apoio, para tornar o trabalho dele eficiente e com melhores resultados”, conclui.

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