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Campinas,
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Da flora aos selos

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Fotos de cactos e suculentas feitas por doutorando da Unicamp são escolhidas para coleção dos Correios

Composição com fotos de cactos e plantas suculentas.
Das espécies selecionadas, o mandacaru (à esquerda) é a mais presente no cotidiano do brasileiro; a planta-pedra (acima), é originária da África do Sul, avessa à umidade e floresce entre rochas; já o quiabo-da-lapa (abaixo) é encontrado apenas na Cadeia do Espinhaço, em Minas Gerais (Fotos: Fábio Raya)

Crescer em condições adversas, reunir em si o máximo de recursos para sobreviver e, ainda assim, dar flores e frutos. Talvez as plantas suculentas sejam uma metáfora da natureza que expressa a força dos brasileiros. Foram características únicas como essas que encantaram Fábio Raya, doutorando em Genética e Biologia Molecular do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. Desde o mestrado, ele se dedica ao estudo da biologia e do potencial energético de suculentas, eternizando em fotos os exemplares que cultiva ou encontra em pesquisas de campo.

Fotos de um conjunto de selos.
As fotos de Raya reproduzidas na coleção dos Correios
(Foto: Reprodução)

Os registros feitos por Raya estamparão correspondências de todo o Mercosul. Suas fotos, descobertas em um artigo de sua autoria no blog Descascando a Ciência, integram a coleção de selos “Fauna e Flora: Suculentas”, lançada pelos Correios em 22 de setembro. “O objetivo  dos idealizadores era apresentar plantas que tivessem um cultivo difícil. Pensei em cactos e suculentas, espécies que são ícones do Brasil, para celebrarmos o sertão brasileiro”, explica o doutorando.

Com quatro selos, as imagens são uma amostra da biodiversidade vegetal, apresentando duas espécies típicas do país e duas originárias do Exterior: mandacaru (Cereus jamacaru), quiabo-da-lapa (Ubelmannia pectinifera), sisal (Agave sisalana) e planta-pedra (Lithops lesliei).

Das quatro selecionadas, o mandacaru é a espécie mais presente no cotidiano do país. Brasileira, a planta é uma das responsáveis pela fixação do homem rural na região do Semiárido, tendo sido muito utilizada para construções no Brasil. “Seus frutos são comestíveis e as hastes podem ser usadas na alimentação animal; até a ‘baba’ da planta é usada para purificação da água. É uma espécie de grande potencial”, explica.

Em contrapartida, o quiabo-da-lapa se destaca por ser raro, sendo encontrado apenas na Cadeia do Espinhaço, em Minas Gerais. A subespécie retratada na coleção, com espinhos amarelos, é encontrada somente na cidade de Diamantina. “É algo muito brasileiro, que vale a pena espalhar para o mundo.” 

Entre as estrangeiras, as espécies de agave chamam a atenção por seu potencial econômico. Do porto de Sisal, na península mexicana de Yucatán, elas foram levadas à Flórida e, então, espalhadas pelo mundo. No Brasil, a variedade sisalana disseminou-se primeiramente na Bahia, dando início à produção das fibras de sisal no país. O potencial do agave para a produção de biocombustíveis é objeto de estudo do Laboratório de Genômica e bio-Energia (LGE), do qual Raya faz parte. “Hoje temos o maior banco de agaves do Hemisfério Sul, com amostras do país inteiro”, revela.

Por último, a planta-pedra, encontrada na África do Sul, é avessa à umidade e cresce entre as rochas, com uma forma muito específica de mimetismo que a protege de animais herbívoros.

Paisagens Impactantes

Fotografia é uma paixão que Raya cultiva paralelamente à carreira de pesquisador. O impacto da paisagem árida do sertão e da resiliência dos cactos despertou nele o desejo de compartilhar suas experiências. “É um ambiente completamente diferente do meu. Eu sou da cidade de São Paulo, cresci em uma selva de pedra, tendo como referência a Mata Atlântica que via no Jardim Botânico. Foi muito impressionante ver aquela vegetação completamente diferente, com as florestas de mandacaru”, lembra.

Foto de um homem que está sentado em um laboratório. Ele é branco, tem cabelos longos, ondulados, barba e bigode. Está usando camisa branca com desenhos de plantas.
O biólogo Fábio Raya: fotografia como instrumento de divulgação científica (Foto: Felipe Bezerra)

Raya faz hoje da fotografia uma ferramenta de divulgação científica. Para fazer suas fotos, o doutorando conta não só com o desejo de compartilhar conhecimentos, mas também com um tipo especial de colaboração. Por ser daltônico, precisa de ajuda na hora de diferenciar algumas tonalidades. “Para mim, o rosa é algo incerto, por exemplo. O espectro entre roxo e azul também é difícil. Fico um pouco limitado para fazer a taxonomia, identificar plantas no campo, fazer alguma avaliação.”

O problema, porém, não o impede de descobrir novas variedades. “Sempre levo comigo algum colega para identificar as cores de folhas e espinhos. Também presto atenção em outros detalhes, como as formas. Meu cérebro consegue se adaptar.”

Ver suas fotos estampadas em um suporte tradicional como os selos, na etapa final de seu doutorado, é motivo de orgulho. “Chega a ser poético: quando defendi meu mestrado, escolhi uma foto que tinha feito no sertão e confeccionei um cartão postal como lembrança para os membros da banca. Agora que estou terminando o doutorado, vieram os selos”, comemora o pesquisador entre suas plantas e registros.

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