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SOM IMAGINÁRIO
Ruptura e hibridismo

MARIA ALICE DA CRUZ

O baixo acústico executado pelo instrumentista Luiz Alves em grupos de jazz teve de ser trocado por um elétrico para atender às experimentações da banda Som Imaginário, que no final da década de 1970 acompanhou o cantor Milton Nascimento. Formada também por Zé Rodrix (1947-2009), Tavito (Luís Otávio de Melo Carvalho), Wagner Tiso, Fredera (Frederico Mendonça de Oliveira) e Robertinho Silva, a banda manteve-se à margem das literaturas destinadas a contar a história da música brasileira, apesar de seu último disco, Matança do Porco, ter sido um dos primeiros sucessos comerciais da música instrumental brasileira, segundo a musicista Beatriz Cyrino, autora da dissertação “Fusões de gêneros e estilos na produção musical da banda Som Imaginário”, apresentada no Instituto de Artes (IA) da Unicamp.

Formada em piano erudito e popular pela Unicamp, Beatriz explica que o trabalho acadêmico, além de trazer o Som Imaginário para a literatura e ajudar a compreender seu processo criativo, também ajuda a entender o contexto histórico da época: cenário econômico, abertura da indústria fonográfica, influência de gêneros estrangeiros, música de protesto, entre outros. “Analisei a produção musical com base nos álbuns e tentei contextualizar com os fatos do período”, explica Beatriz. Entrevistas com Tavito e Fredera ajudaram a compor o trabalho.

A partir da análise musical, Beatriz concluiu que os dois primeiros discos deixam claras as origens distintas de seus integrantes e também as influências de gêneros estrangeiros, o que não impediu que suas experimentações resultassem em composições bem-construídas. Segundo Beatriz, eles gravavam na hora, depois experimentavam várias possibilidades dentro do estúdio. A análise musical feita pela musicista revelou um misto de ijexá, samba, guitarra, progressões de Beatles, entre outros. Mas não foi só o visual de Milton Nascimento que mudou neste trabalho; o baixo acústico executado por Luiz Alves em seu grupo de jazz também precisou ser trocado pelo elétrico. A concepção artística dos álbuns foi liderada por Tavito e Zé Rodrix, que pela habilidade de multi-instrumentista e cantor, acrescentou, além do órgão e do piano, instrumentos como flautas, ocarinas, apitos, pandeirolas e outros acessórios percussivos no repertório da banda. Como cantor e arranjador vocal, primou pela variação de timbres e versatilidade de sua voz, inserindo a prática do coro nas músicas.

Segundo Beatriz, apesar de os músicos não demonstrarem preocupação com a unicidade estética no primeiro álbum, é possível perceber que gêneros como o rock, o blues misturados a influências claras da música feita pelos Beatles pós-66 prevaleceram em quase todas as composições. Uma mostra disso é que quatro das dez faixas gravadas haviam sido compostas para projetos individuais dos artistas da banda. De acordo com a pesquisadora, Super God e Hey Man foram compostas por Zé Rodrix para um musical de palco; Feira Moderna, de autoria de Fernando Brant, Lô Borges e Beto Guedes, foi composta para concorrer no V Festival Internacional da Canção; e Tema dos Deuses era uma composição de Milton Nascimento para o filme de Ruy Guerra Os deuses e os mortos.

Outros cantores se uniram aos rapazes do Som Imaginário no segundo disco, em 1972, já sem a companhia de Zé Rodrix. As faixas foram gravadas após uma série de shows e gravações da banda com cantores como Gal Costa, Maricene Costa e Marcos Valle. Musicalmente, os integrantes do Som Imaginário continuavam a apostar na linguagem do pop/rock como meio de “inovar” e “protestar”, já que o gênero carregava consigo a imagem de contrarrevolução trazida pelo movimento contracultural que floresceu nos Estados Unidos na década de 1960, repercutindo no Brasil alguns anos depois.

O engajamento em grupos de esquerda do músico Fredera, diretor musical do LP, culminou na reunião de faixas que refletiam pensamentos ligados ao momento político brasileiro. Segundo Beatriz, o disco, além do rock e do blues, oferece alguns elementos musicais do jazz, da música erudita (contemporânea), toadas, baião, maracatu, marcha e samba.

Outros arranjos

Se nos primeiros discos a ironia, o deboche, o jeito de cantar isolavam cada gênero, no terceiro álbum, a mistura recebe arranjos mais bem-elaborados, o que dá unicidade às músicas. A audição e análise de Matança do Porco deixam claras a proposta de fazer música instrumental brasileira que tivesse uma boa recepção do grande público, sem perder o que foi alcançado como experimentalismo dos trabalhos anteriores. Uma das demonstrações do planejamento está nas vinhetas usadas nas passagens de uma música para outra. O disco teve como diretor musical o arranjador e orquestrador Wagner Tiso, que na época, segundo Beatriz, tinha uma vivência de bossa nova em banda de baile no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. “Este disco, apesar de dizerem que foi planejado no estúdio, tem uma estrutura erudita, principalmente por essas vinhetas que vão relembrando trechos que já foram tocados. Isso pressupõe um planejamento”, explica Beatriz.

Além da presença de Tiso no grupo, alguns fatores contribuíram para a guinada do Som Imaginário, segundo Beatriz, dentre eles o lançamento do álbum do Clube da Esquina (no qual Wagner Tiso, Luiz Alves, Tavito e Robertinho Silva participaram ativamente). Em uma das entrevistas consultadas para a dissertação, Wagner Tiso revelou que seu intuito era gravar com o Som Imaginário um disco instrumental, misturando música brasileira com rock progressivo, rock’n roll, jazz, música clássica e sinfônica. Para Beatriz, Tiso teria se beneficiado da posição que o grupo havia atingido no mercado fonográfico, aproveitando o projeto inovador para adicionar outras ideias.

Beatriz explica que nesse momento o mercado passava a investir mais no segmento de música instrumental e isso contribuiu também para que o hibridismo de estilos e as experimentações do Som Imaginário se consolidassem em 1973. Com 2 mil cópias vendidas em três semanas, Matança do Porco, segundo a pesquisadora, é o mais conhecido trabalho do Som Imaginário e norteou trabalhos posteriores de Tiso e outros artistas da música brasileira, como Milton Nascimento.

O único material para a análise musical foram os vinis. Como não havia partituras, Beatriz teve de providenciar a transcrição a partir da audição da mídia disponível. A falta de material metodológico para estudar pop rock também ofereceu dificuldades e desafios para a musicista no início do trabalho. As análises harmônicas e rítmicas existentes em material dedicado ao jazz ou à música brasileira não contemplavam o gênero abordado pela pesquisadora.

O orientador Antônio Rafael dos Santos acredita que a partir da análise musical, Beatriz descobriu uma ferramenta para analisar esse tipo de música. Porque a ferramenta tradicional disponível não funciona para análise da música pop. “Não são músicas tão fáceis de analisar, pois têm vários elementos do jazz, do rock progressivo, dos Beatles, o que não é normal. Então, quando se olha para esse material com olhar de quem estuda música tradicional, ele não se encaixa, porque é formado por fragmentos, não existe uma música unificada. Mas a música é reconstruída com vários estilos diferentes. Então, é preciso uma documentação abrangente como referência”, explica Santos.

Para Beatriz, o trabalho traz novidades para a literatura, já que o Som Imaginário faz parte de grupos que ainda não foram abordados pela academia. Ela lembra que as pesquisas em música popular focam sempre os mesmos músicos, apesar de os pesquisadores optarem por recortes diferentes, como tropicalismo, festivais, Chico Buarque, Tom Jobim, entre outros. Este tem sido o diferencial no grupo de pesquisa coordenado pelos professores Rafael dos Santos e José Roberto Zan, em sua opinião, ao retomar a história desses músicos e estudar aspectos ainda não estudados em suas obras. O objetivo do grupo é se aprofundar no período referente às décadas de 1960 e 1970, mas deixando de lado as questões ingênuas de eleger algumas músicas como representativas e tratar outras como periféricas. “A pesquisa de Beatriz mostra com clareza que essas músicas são tão complexas quanto as outras”, acrescenta Santos.

Segundo Beatriz, outro aluno do grupo estudou sobre o Sambão Joia, que também não é comumente encontrado na literatura. “Acabamos desmistificando certos estigmas que as pessoas têm a respeito da música brasileira, como a influência do rock”, acrescenta Beatriz. Tanto para a pesquisadora quanto para Santos, o grupo abre espaço para os músicos jovens que ingressam na Unicamp neste momento em que o perfil do aluno de música pode divergir do material disponível no ambiente acadêmico. Beatriz lembra que não só na academia, mas em conservatórios e escolas de música, os acervos priorizam outros gêneros. “Existe uma resistência”, pondera. Ela mesma confessa que ingressou no curso de música erudita numa fase rock’n roll preocupada com o tema a pesquisar. Até que o seu orientador na iniciação científica, José Roberto Zan, indicou o Som Imaginário. “Isso mostra o quanto podemos descobrir sobre a música brasileira optando por temas diferentes. E as pessoas vão pensar duas vezes para escolher um objeto de pesquisa que já tenha sido muito estudado. Hoje vejo e mostro que é possível falar de rock na academia”, conclui.

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■ Publicação

Dissertação: “Fusões de gêneros e estilos na produção musical da banda Som Imaginário”
Autora: Maria Beatriz Cyrino Moreira
Orientação: Antonio Rafael Carvalho dos Santos
Unidade: Instituto de Artes (IA)
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