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PESQUISA

As novas ameaças
Pesquisadores de Brasil e Argentina formam grupo para avaliar
os riscos contra a segurança dos dois países e da região

JOÃO MAURÍCIO DA ROSA

No início de 1991, o então comandante militar da Amazônia, general Antenor de Santa Cruz Abreu, disse a um parlamentar da Comissão de Defesa Nacio-nal em visita a instalações militares na região, que em caso de invasão estrangeira “transformaria isso num Vietnã”. “Isso”, a que se referia o general, é a Amazônia, constante alvo de cobiça estrangeira e teatro principal das ameaças à soberania nacional.

Não apenas esse teatro – que representa a prioridade pela velha ameaça de uma invasão estrangeira, aumentada pelo conflito na vizinha Colômbia –, mas desde a definição do que representam “novas ameaças”, até os meios disponíveis para combatê-las foram assuntos discutidos por dois dias no seminário “Argentina e Brasil frente às novas ameaças”, em 1 e 2 de agosto, quarenta dias antes do ataque terrorista aos Estados Unidos. O terrorismo, diga-se, foi considerado como uma das principais ameaças e para o qual os países estão pouco preparados.

O evento, na verdade, é um dos resultados do Projeto Binacional (Brasil e Argentina) Novas Ameaças: Dimensões e Perspectivas, que se iniciou em outubro passado, composto por um grupo de pesquisadores paulistas e argentinos, sob a coordenação de Suzeley Kalil Mathias, do Núcleo de Estudos Estratégicos (NEE) da Unicamp e professora da Unesp, e por Marcelo Fabian Saín, professor e pesquisador do Programa Institucional Forças Armadas e Sociedade, da Universidade Nacional de QuilmesUnqui-Argentina.

O grupo de pesquisadores conta com a participação de Héctor Luis Saint Pierre (Unesp), Ernesto López (Unqui-Argentina); Esteban Germán Montenegro (Unqui-Argentina), Samuel Alves Soa-res (USF/NEE-Unicamp), Pablo Bulcourf (Unqui-Argentina) e João Roberto Martins Filho (UFSCar).
A pesquisa foi financiada pela Fundação Vitae, do Brasil, e pela Fundação Antorchas, da Argentina. Em entrevista ao Jornal da Unicamp, Suzeley define as novas ameaças e lembra que Brasil e Argentina precisam reforçar seus laços no que se refere à segurança regional.

Jornal da Unicamp – Como são definidas as “novas ameaças”?
Suzeley Kalil Mathias – Os pesquisadores têm liberdade para adotar várias visões, desde que estas sejam registradas. Uma dessas definições considera a ameaça uma representação, um sinal, uma certa disposição, gesto ou manifestação percebidos como o anúncio de uma situação não desejada ou de risco para a existência de quem a percebe.

P – De acordo com esta definição, quais seriam as novas ameaças?
R – Brasil e Argentina percebem várias ameaças, adotando políticas para a superação dos problemas. Assim, entre as novas ameaças à segurança de nossos países encontram-se antigos assuntos conflitivos, que adquiriram certa preponderância em razão das mudanças operadas nos cenários internacional e regional. São parte desses conflitos: o tráfico de drogas e os delitos conexos, os conflitos sociais, os embates político-institucionais, o terrorismo e a subversão, as organizações criminosas transnacionais, etc.

P – Quais são os objetivos desta pesquisa binacional?
R – São abordar e analisar comparativamente três dimensões básicas – a histórica, a internacional e a político-institucional – relativas às denominadas “novas ameaças” e ao papel das FFAA (Forças Armadas) argentinas e brasileiras frente a esta problemática. Para definir o que são novas ameaças, dar-se-á atenção à dimensão teórica. A pesquisa não somente persegue dar conta dos antecedentes históricos imediatos, no contexto nacional, regional e internacional, bem como da situação institucional em cada país acerca do objetivo colocado, mas também abordar a situação atual acerca de uma eventual reformulação das estruturas orgânicas e funcionais das FFAA da Argentina e do Brasil frente àqueles antecedentes e do novo cenário nacional e regional, desde uma perspectiva nacional e comparativa, considerando a incidência mútua dos problemas em ambos os países e destes para a região.

P – Existe uma ameaça efetiva?
R – Sim, mas ela não é a mesma para o Brasil e a Argentina. O problema maior para o Brasil é a falta de separação entre o que é segurança pública e defesa nacional. Na Argentina, a falta de uma política coerente para combater os problemas, como o tráfico de drogas e o terrorismo. Há ameaças que são particulares aos países e não podem, enquanto ameaças, serem compartilhadas (o caso, por exemplo, de uma região vulcânica que sofre com a possibilidade de erupções), outras são de determinada região e outras que podem atingir todo um continente. Os casos de tráfico de drogas ou do terrorismo se enquadram nesta última. A questão do crime organizado para o contrabando é um problema para a região da tríplice fronteira e, portanto, percebida como um cenário de ameaças para Brasil, Argentina e Paraguai. O que chamamos “novas ameaças” são aquelas que assim são percebidas depois da guerra fria, pois a superação deste conflito mudou definitivamente o comportamento dos atores, mormente nas áreas de defesa e segurança.

P – Existe uma efetiva união Brasil-Argentina para enfrentar eventuais ameaças?
R – Não. Apesar dos avanços nesta área, como são exemplos os diversos exercícios conjuntos praticados por suas FFAA, não existe sequer uma visão comum a respeito das “ameaças” e de como elas devem ser enfrentadas. Neste sentido, iniciativas como a da equipe de pesquisadores envolvida neste projeto são importantes indícios de que essa união é possível e estamos caminhando para torná-la efetiva.

P – Os debates no seminário deixaram evidente que a Amazônia e o MST são as grandes preocupações dos militares atualmente...
R – A Amazônia é um dos cenários no qual se localizam problemas relativos à segurança regional. Todavia, isso tem menos a ver com questões internas do que com a presença de uma situação de conflito “quente” na região de fronteira, representado principalmente pela situação na Colômbia. O MST, como vários outros movimentos de oposição, é considerado assunto que pode afetar a segurança nacio-nal. Neste sentido, sempre foram considerados temas de análise por parte das FFAA. Os chefes militares, inclusive, admitiram isso durante o IV ENEE, acontecido na Unicamp em 1998.

P – O seminário se deu um mês antes do ataque terrorista aos EUA. As pesquisas apontavam para algo de tal magnitude?
R – Não da magnitude ou como aconteceu, mas sim que o terrorismo fazia parte do rol das ameaças, e que os EUA, principalmente pela postura arrogante adotada pela administração Bush em política exterior, poderia vir a ser alvo de ataques terroristas cada vez mais espetaculares, como foi o caso. No que se refere especificamente ao terrorismo, o que avaliamos, e que está registrado tanto nos textos quanto em outros escritos pelos membros da pesquisa (principalmente por Héctor Luis Saint-Pierre em seu livro recentemente publicado pela Editora Unesp: A política em armas; e por Marcelo Sain), é que ele se tornaria cada vez mais um método nas relações conflitivas e, portanto, mais do que sua existência, que sempre foi uma ameaça, o aumento de sua incidência constitui-se em uma “nova ameaça”.

P – Será que o episódio reduz a neura dos militares brasileiros com a internacionalização da Amazônia ou muito pelo contrário?
R – Não nos cabe avaliar se a internacionalização da Amazônia é ou não real. A ameaça, conforme já indicamos, é uma percepção do sujeito (no caso, do país ou região) e é esta percepção que poderá ou não funcionar como alimentadora de políticas públicas. A Amazônia continua a ser um cenário para as ameaças e, portanto, deve continuar a ser por nós estudada. Além disso, é preciso considerar que devido aos atentados do WTC, os EUA talvez prestem menos atenção ao Plano Colômbia, aumentando as expectativas da guerrilha na Colômbia, o que pode vir a significar uma intensificação do conflito naquela região.

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