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Nas trilhas da ‘boa vizinhança’

Tese revela papel de antropólogos no âmbito
de pesquisas sociais na área da saúde

ISABEL GARDENAL

Na Escola Livre de Sociologia e Política, em 1944: sentados, da esquerda para direita,Helen Pierson, Ciro Berlink, Rubbo Muller, Donald Pierson, Sergio Milliet, Oracy Nogueira, Paulo Zingg, Diná Mascarenhas do Amaral e Paulo Augusto do Amaral (Fotos: AEL/ Fundo Donald Pierson)Os cientistas sociais Donald Pierson (1900-1995) e Kalervo Oberg (1901-1973) inscreveram, em meados do século XX, um novo capítulo na história da Antropologia no Brasil, até então pouco estudado, e que teve forte impacto nas pesquisas sociais em saúde. A atuação de ambos coincidiu com o engajamento de antropólogos norte-americanos em programas de assistência técnica na América Latina. Uma pesquisa de doutorado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp permitiu recuperar o assunto e revelou que esses cientistas, junto a antropólogos brasileiros e mexicanos, arregimentados por agências governamentais ou de caráter cooperativo, acabaram se associando a sanitaristas, administradores e educadores em torno de uma agenda comum de ações médico-sanitárias e projetos para desenvolver comunidades mais remotas e atrasadas.

A investigação integra o conteúdo da tese “Histórias de uma antropologia de boa vizinhança: um estudo sobre o papel dos antropólogos nos programas interamericanos de assistência técnica e saúde no Brasil e no México”, de Regina Érika Domingos de Figueiredo. O trabalho foi orientado pela professora Marisa Corrêa e teve financiamento da Fundação de Amparo ao Ensino e à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Smithsonian Institution.

Donald Pierson (Fotos: AEL/ Fundo Donald Pierson)Érika era aluna da Unicamp desde a graduação e nunca escondeu sua predileção pela Antropologia. Fez mestrado na área, investigando Charles Wagley, antropólogo norte-americano que esteve em terras brasileiras na década de 30, e prosseguiu estudos para obter nova titulação. Sem planejar, sua tese de doutorado, defendida recentemente, constituiu um marco no IFCH, por ser a primeira do recém-criado Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social.

Comentando o mestrado, ela informou que ter estudado Charles Wagley e o seu trabalho no Serviço Especial de Saúde Pública (Sesp) a inspirou a conhecer a atuação de outros antropólogos no campo da saúde pública por volta da mesma época. O Sesp era um serviço cooperativo criado pelo Instituto de Assuntos Interamericanos, em 1942, dentro do espírito da “boa vizinhança”, como parte dos esforços de guerra, e que atuou como uma agência bilateral até 1960, quando foi transformado em fundação.

A política da “boa vizinhança” foi apresentada pelo governo dos EUA, presidido por Roosevelt, na Conferência Panamericana de Montevidéu. Refere-se a um período (1933 a 1945) em que os EUA buscaram estreitar relações políticas e econômicas com as nações latino-americanas. Sobretudo durante a Segunda Guerra Mundial, patrocinou investimentos e venda de tecnologia, em troca do apoio aos aliados. Esta política, no entanto, era mais ampla e promoveu o estreitamento de relações culturais.

Dentro deste espírito de investir nas relações culturais e de cooperação entre vizinhos foi estabelecido, em 1943, o Instituto de Antropologia Social como parte da Smithsonian Institution. O Instituto tornou-se responsável pelo envio de cientistas sociais norte-americanos para atuar em ensino e pesquisa em instituições da América Latina.


Mudanças

Regina Érika Domingos de Figueiredo, autora da tese: refazendo o percurso dos pesquisadores que trabalhavam para a Smithsonian(Foto: Antoninho Perri)A pesquisadora avaliou cartas pessoais, documentos e a literatura, refazendo o percurso dos pesquisadores que trabalhavam para a Smithsonian e assim pôde estimar a parcela de contribuição da antropologia para a política da “boa vizinhança” e dos programas de cooperação.

A tarefa de Érika não foi das mais fáceis. Trabalhou com pesquisa documental e pôs-se a pesquisar arquivos de referência dos National Anthropological Archives (NAA – Washington), dos National Archives and Records Administration (Nara – Washington), do Arquivo Histórico da Secretaria de Salud (AHSS – Cidade do México), do Departamento de Arquivo e Documentação da Fiocruz ( Rio de Janeiro) e do Arquivo Edgar Leuenroth (AEL- Unicamp).

A pós-graduanda estudou a origem do Instituto de Antropologia da Smithsonian a fim de chegar às atuações do americano Pierson e do canadense Oberg. Pierson teve um papel central na institucionalização das ciências sociais no Brasil, criou o Departamento de Pós-Graduação da Escola Livre de Sociologia Política de São Paulo (ELSP) e ali lecionou Sociologia e Antropologia Social entre 1939 e 1957, formando uma safra de cientistas sociais brasileiros.

A atuação de Oberg é menos conhecida. Ele também foi professor da Escola Livre e trabalhou com comunidades na região do Vale do Rio Doce, nos estados de Espírito Santo e Minas Gerais. Pesquisou sociedades indígenas do Mato Grosso e teve um papel significativo no campo da Antropologia Aplicada, que então emergia. Pela experiência de atuação em programas do governo americano, o Brasil foi solicitado a dar sua contribuição à política de cooperação interamericana vigente em saúde.

Chamou a atenção da doutoranda que, a partir de 1949, com a gestação do programa do Ponto IV – de cooperação técnica norte-americana durante a gestão Truman –, ocorreu uma reorientação da política externa e as relações culturais e técnicas cederam lugar às políticas de desenvolvimento do Terceiro Mundo. Com isso, a Smithsonian precisou adequar o seu programa para investir em ciências sociais nas áreas de saúde, agricultura, desenvolvimento rural e de comunidade. Foi neste momento que os antropólogos da instituição, encorajados a fornecer subsídios aos programas de bem-estar e desenvolvimento, acabaram se engajando no campo da saúde pública.

Tais programas de mudança social tinham em vista a modernização nas pequenas e remotas comunidades rurais do país. Estenderam-se também à saúde dos sistemas médico-sanitários tradicionais, favorecendo a introdução da medicina científica. Com o pós-guerra, ocorreram as políticas de interiorização dos serviços de saúde, até então desassistidos pelo poder público. A intenção era educar a população para aderir a tecnologias mais modernas. Apesar de a população continuar adotando a medicina popular, passou a recorrer aos fármacos, ao atendimento médico nos postos de saúde e às campanhas para ter filhos nos hospitais, entre outras ações.

Estudos de comunidade

Pierson organizou um projeto de estudos de comunidade, ou estudos de caso, no Vale do São Francisco. Conseguiu convencer o governo que estes estudos podiam oferecer base empírica para intervenções em políticas de saúde e educação sanitária. Já Oberg fez estudos de comunidade para o Sesp, e a receptividade a estes trabalhos trouxe incrementos à seção de pesquisa social, mais focada na investigação socioantropológica para uso das políticas de saúde.

Os estudos de comunidade corresponderam a um modelo de investigação empírica inspirado no método etnográfico, que buscava conhecer a realidade sociocultural de pequenas localidades rurais ou semiurbanizadas, por meio de uma abordagem microssociológica.

Algumas conclusões ficaram evidentes para Érika: que a antropologia no pós-guerra não se restringiu ao campo acadêmico-universitário, mas sua contribuição diz respeito a uma agenda de intervenção, aos programas de assistência técnica e de saúde pública; que além do seu papel no desenvolvimento da pesquisa social, os estudos de comunidades tiveram importância prática e política; que, se por um lado, a colaboração entre cientistas sociais dos Estados Unidos e jovens pesquisadores latino-americanos contribuiu para o desenvolvimento das ciências sociais em países como o Brasil, por outro a rede de cooperação formada por antropólogos, sanitaristas e administradores foi decisiva para a produção de experiências pioneiras em Antropologia Aplicada.

México

Assim como o Brasil, a escolha do México como estudo de caso foi motivada pela presença de pesquisadores da Smithsonian naquele país e também pelo papel que o país desempenhou no programa interamericano de saúde. De outra via, o caso mexicano oferecia um contraponto ao brasileiro uma vez que se tratou de uma tradição antropológica que se desenvolveu em forte associação com o Estado. É bem conhecida, segundo a pós-graduanda, a atuação dos antropólogos mexicanos no campo das políticas públicas, com destaque para a política indigenista e para as campanhas de educação e saúde entre populações indígenas e camponesas. “Entre nós, os anos 50 assistiram às primeiras iniciativas destacadas de arregimentação pela administração pública de antropólogos e cientistas sociais”, alude-se Érika.

 

AEL guarda arquivo pessoal de Pierson

Vista parcial da Smithsonian Institution: complexo de museus e centros de pesquisa (Foto: Reprodução)

Pierson doou seus documentos pessoais em vida para o Arquivo Edgard Leuenroth (AEL) da Unicamp. Eles agora integram o projeto História da Antropologia no Brasil, coordenado pela professora do IFCH Marisa Corrêa, que resultou num livro que leva o mesmo nome e que contém um relato de Pierson sobre suas atividades. A documentação data de 1939 e passou a integrar o Fundo Donald Pierson, que constitui fonte de pesquisa para a recuperação histórica da disciplina de Antropologia no país.

Pierson nasceu em Indianápolis, EUA, em 1900. Foi Ph.D pela Universidade de Chicago. Entre 1943 e 1957 coordenou o curso de graduação da instituição e constituiu a coleção de Ciências Sociais na biblioteca a partir de doações do American Library Association, do American Council of Learned Societies. Editou a revista Sociologia e organizou a série Biblioteca de Ciências Sociais. Morreu em 1995, aos 95 anos.

Atualmente, a Smithsonian compreende um complexo de museus (19), zoológico (1) e centros de pesquisa (9), sediado em Washington, nas áreas de História, Ciências Naturais, Arqueologia e Antropologia. O seu Museu de História Natural é um dos mais renomados do mundo. A instituição foi fundada em 1846, com recursos deixados pelo milionário inglês James Smithson, para que os EUA criassem uma organização de difusão do conhecimento.

 

 
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