| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 381 - 26 de novembro a 2 de dezembro de 2007
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Contos Unicamp Ano 40
 


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Pesquisa de doutorado faz apanhado histórico a
partir da noção de espaço de uso coletivo

O papel da praça pública, da
Colônia ao Brasil moderno

CARMO GALLO NETTO

A pesquisadora Junia Marques Caldeira, autora do trabalho: investigando a gênese das praças (Foto: Antoninho Perri)A pesquisadora Junia Marques Caldeira resgata a história das praças públicas brasileiras, da chegada dos portugueses à cidade modernista, passando pelo processo de colonização, pelo advento da República e pela construção de Brasília. O trabalho deu origem à tese de doutorado “A praça brasileira: trajetória de um espaço urbano – origem e modernidade”, apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e orientada pela professora Maria Stella Martins Bresciani.

Intervenção em praça de
BH inspirou estudo

Junia explica que o estudo teve como objetivo central investigar a trajetória da praça brasileira, que considera importante elemento compositivo urbano, a partir da noção de espaço de uso coletivo. Nesse sentido, diz ela, “procurou-se compreender sua gênese no território brasileiro, tendo como ponto de partida a chegada dos portugueses, o processo de colonização implementado, as transformações históricas em sintonia com o desenvolvimento político da nação e, como ponto de ruptura, a divulgação dos princípios modernistas e a experiência de consolidação da cidade moderna brasileira, cristalizada na elaboração do Plano Piloto de Brasília”.

A investigação obedeceu duas vertentes. A primeira fundamentou-se no desenvolvimento dos espaços coletivos oriundos dos processos urbanos decorrentes da civilização ocidental, em particular do capitalismo. Neste caso, ela considera que a praça reflete uma forma de ocupação e apropriação do espaço inerente à sociedade capitalista, independente da geografia. A segunda teve como fio condutor a trajetória da praça no Brasil e está atrelada ao desenvolvimento dos processos urbanos no território brasileiro.

Vista do Paço Imperial ajardinado, em imagem de 1893 – Fonte: “Lembranças do Brasil” (Gerodetti e Cornejo, 2004)A pesquisadora diz que para entender a configuração da praça brasileira na modernidade é necessário compreender o desenvolvimento teórico e prático da urbanística internacional e o conceito de cidade daí advindo. Para ela “essas duas linhas de orientação cruzaram-se de forma incisiva na transposição e divulgação desses princípios no Brasil e tiveram como personagens principais os arquitetos Le Corbusier e Lúcio Costa”.

Além de abordar o desenvolvimento formal da praça como desenho, o estudo apresenta também sua trajetória do ponto de vista funcional, associando as principais mudanças no uso e na apropriação da praça ao desenvolvimento do seu papel no contexto urbano e ao seu caráter simbólico. Foi possível observar que, em alguns casos, o desenho da praça foi decisivo na definição de seu caráter simbólico e, em outros, seu papel como marco urbano funcionou como principal motor das mudanças estéticas. Na seqüência, a autora detém-se na análise do conceito de praça idealizado no projeto de Lúcio Costa no Plano Piloto de Brasília, referência mundial de organização espacial modernista.

Paço Imperial, no Rio de Janeiro, em foto de 1880 – Fonte: “A praça XV de Novembro” (G. Ferrez, 1978) O começo – O interesse de Junia pelo tema começou acompanhando a intervenção realizada na Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, sua cidade natal, que de degradada volta novamente a constituir-se em espaço público de convivência, depois de uma grande restauração.

No doutorado enveredou primeiro pelo resgate histórico. Como surgiu a praça na cidade brasileira? Que espaço é esse? O que contém? Que modelos de praças existem? Como eles se constituíram a partir dos processos urbanos e dos desenvolvimentos das cidades?

Ao mudar-se para Brasília para exercer a docência, ouvia dos que a identificavam como pesquisadora de praças: “aqui não tem praça!”. Ou, então “você vai falar da Praça dos Três Poderes!” - única que conseguiam identificar como tal. Estava estabelecida a dicotomia entre um espaço simbólico e a negação do modelo de espaço na cidade. A partir daí incluiu Brasília na pesquisa.

Junia desenvolveu o trabalho buscando a trajetória do espaço da praça da sua origem às transformações da cidade e a importância que esses espaços vão adquirindo em algumas das principais cidades brasileiras no contexto político, caso de Salvador, a primeira capital, Rio de Janeiro, São Paulo, que refletem a história urbana do Brasil, e sua capital, Brasília.

A pesquisadora constata que a praça como espaço coletivo, como espaço de domínio público, não constitui elemento urbano apenas brasileiro: “Por isso, parte da minha pesquisa cobre o conceito de praça a partir da formação das cidades. Na antiguidade greco-romana, a praça era o espaço urbano mais importante, o que também vai acontecer nas praças das primeiras cidades coloniais brasileiras. Nela se encontram todos os edifícios administrativos e cívicos: a casa da redenção, câmara, cadeia, praça do pelourinho. É ela o centro irradiador da cidade”.

Estação do metrô da Praça da Sé, em São Paulo, em foto de 1988 – Fonte: Revista “Veja São Paulo”Os estudos se remetem à organização espacial indígena que serve de contraponto para mostrar a ruptura com a estrutura que existia no Brasil com a chegada dos portugueses. As cidades jesuítas também desmontam a organização espacial indígena, colocando no centro da praça o cruzeiro e a igreja. Para Junia, tanto eles como os portugueses usufruem certa forma da centralidade que já existia, e desta simbiose se originam várias cidades brasileiras. Mas destaca que a imposição das novas formas espaciais funcionaram como mecanismo de domínio.

Com a ampliação e consolidação da política colonial, diversas cidades criadas durante a vigência das Capitanias Hereditárias são redesenhadas por especialistas, casos de Salvador e Rio de Janeiro. No século XVII, muitas cidades surgem de projetos urbanos e seus autos de fundação instituem praças em que deverão ser instalados edifícios, igreja, pelourinho, estabelecendo regras de ocupação que refletem o momento social e político e atendem determinados valores simbólicos.

O Rio de Janeiro sofre drásticas transformações com a chegada da Corte e passa a ser o centro político da nação. A atual Praça XV, então Largo do Carmo, dá lugar ao Paço Imperial. Mas a cidade cresce e o advento da República determina outro tipo de organização espacial. Surgem várias praças que alojam o poder municipal, o palácio do governador, a igreja, as atividades de lazer.

Algumas cidades se destacam pelo crescimento, caso de São Paulo, e novos espaços começam a aparecer. A praça única se fragmenta em outras, o que de certa forma conduz também à fragmentação de sua conotação simbólica, diz Junia. A partir de praças símbolos, a tese analisa três cidades que passaram por esse processo: a Praça da Sé, em São Paulo; a Praça da Liberdade, em Belo Horizonte: e o Largo do Carmo, no Rio de Janeiro.

Novos modelos – Na modernidade, as cidades crescem cada vez mais, as pessoas perdem os espaços de lazer e a convivência espacial para se confinarem em shoppings, cafés, restaurantes, bares, e o local público deixa de ser o espaço de convívio, perdendo força como espaço simbólico.

Surgem modelos mundiais que estabelecem outro repertório urbanístico para as grandes cidades, agora voltado para o automóvel, o que leva o poder público a abrir vias, a resolver problemas de congestionamentos, de moradias. Essas questões, diz a pesquisadora, levam à criação dos grandes eixos, grandes espaços de circulação. Os espaços de praças surgem, mas completamente desvinculados do cotidiano da cidade, o que dificulta sua apropriação para atividades de lazer ou mesmo atividades cívicas.

Ela analisa então a manifestação dos princípios da cidade moderna no Brasil e a influência européia. A idéia dos grandes eixos, de liberar espaços, da cidade aberta, dos edifícios altos, manifesta-se no urbanismo brasileiro. Junia analisa então como o espaço se dá nesse novo modelo e distingue algumas conotações. Uma delas é a refundação do poder no meio do Brasil com a construção da nova capital – o poder deixa a praça e se transfere para a cidade.

A outra foi a inserção do urbanismo brasileiro em nível internacional e, em decorrência, a grande oportunidade de urbanistas e arquitetos brasileiros aplicarem as teorias e os conceitos que vinham discutindo – modelo de cidade, cidade do automóvel, cidade setorizada, grandes espaços livres, grandes edifícios, grandes avenidas, grandes eixos – na criação de Brasília. Nesse contexto, diz ela, “analiso a forma como Lucio Costa aborda a praça modernista e o conceito de praça que criou”.

Junia diz que o urbanismo modernista substitui os espaços confinados pelos grandes espaços livres e que esse conceito de espaços livres permeia quase todas as propostas de cidades modernas. E conclui: “No modernismo, a praça tem grande dimensão morfológica, mas se transforma em um espaço vazio, desarticulado do cotidiano urbano, o que a faz deserta e apenas ocupada em situações muito particulares. Já a praça contemporânea, a praça de hoje, tem a preocupação de recuperar o sentido de urbanidade, depois das criticas que se fizeram à cidade modernista. Nela busca-se resgatar, com certa nostalgia, os espaços das praças históricas, de modo a recuperar-lhe o sentimento de pertencimento”.

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