| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 381 - 26 de novembro a 2 de dezembro de 2007
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Contos Unicamp Ano 40
 


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Premiado nos EUA, estudo
integra o projeto CInAPCe

ÁLVARO KASSAB

 O chip usado nas investigações: equipamento de última geraçãoA pesquisa de Cláudia Maurer Morelli, desenvolvida no Laboratório de Genética Molecular do Departamento de Genética Médica (DGM), acaba de receber o prêmio Young Investigator Travel Award concedido pela American Epilepsy Society (AES). A premiação ocorrerá durante o congresso da entidade, que acontecerá na Filadélfia de 30 de novembro a 4 de dezembro. Curiosamente, Cláudia está trilhando os passos de sua orientadora. Quando fazia doutorado no Canadá, Íscia recebeu o mesmo prêmio, um dos mais prestigiosos do mundo na área. “É o reconhecimento da qualidade científica do trabalho”, comemora a orientadora.

Trata-se do primeiro estudo premiado no âmbito do projeto CInAPCe (Cooperação Interinstitucional de Apoio à Pesquisa sobre o Cérebro). O projeto, idealizado e coordenado pela Unicamp, é o mais amplo programa de pesquisa multidisciplinar voltado para o mapeamento do cérebro realizado no país. Pelo menos 150 pesquisadores – entre docentes, alunos e técnicos – de nove unidades da Universidade estão envolvidos no CInAPCe, cujo foco temático é a epilepsia. Além da Unicamp, participam a USP (campi de São Paulo, Ribeirão Preto e São Carlos), Unifesp e Hospital Albert Einstein.

Coordenadora, no programa, dos projetos nas áreas de biologia molecular e biologia celular, Íscia Lopes Cendes avalia que suas pesquisas não seriam concretizadas se não estivessem inseridas no CInAPCe .“É dentro desse grupo multidisciplinar que as questões vão surgir e, conseqüentemente, as interpretações vão ser feitas adequadamente. Eu preciso do colega para ampliar o meu horizonte na hora de pensar o experimento. A questão biológica, por exemplo, é emblemática”.

A cientista relaciona algumas das áreas tidas como vitais no contexto das investigações feitas por Cláudia. Na primeira etapa das pesquisas, exemplifica Íscia, a equipe clínica escolhe os pacientes de uma maneira adequada; o grupo da neuroimagem fica responsável pela identificação dos candidatos; sem a equipe cirúrgica, torna-se impossível desenvolver o trabalho; a parte experimental não seria factível sem o apoio laboratorial; e, por fim, a docente ressalta o papel desempenhado pelo grupo de bioinformática.

“Sem ele, não teríamos condições de trabalhar com microarranjos. Não adiante você ter um excelente grupo de biologia molecular sem uma equipe preparada para lidar com esses dados”. A questão, explica Íscia, é matemática, embora, obviamente, não se resuma a ela. “Estamos fazendo 47 mil comparações multiplicadas por 3. É uma massa de dados monumental. Não adiante você ter um excelente grupo de biologia molecular sem contar com uma equipe preparada para lidar com esses dados”.

Na próxima etapa da pesquisa de Cláudia, as demandas serão outras, sobretudo envolvendo grupos dedicados a áreas como bioquímica e neurofisiologia. “Vamos explorar, a partir do pessoal baseado no CInAPCe, essas vias que estão sendo identificadas”, revela Íscia, cujos linhas de pesquisa estão invariavelmente relacionadas às descobertas de novos genes que predispõem a epilepsia e a estudos de proteômica, que estão no início. “O próximo passo é a proteína. As investigações no campo da proteômica serão complementares aos estudos de RNA mensageiro”, adianta.

Unicamp é pioneira no uso da tecnologia

A tecnologia usada na pesquisa desenvolvida por Cláudia Maurer Morelli é de última geração. A técnica, denominada microarray, faz com que o pesquisador tenha uma panorâmica do que ocorre em eventos celulares, ao contrário de outras que permitem apenas a checagem de poucos genes. “Temos uma visão de conjunto do genoma humano. Ademais, as lâminas utilizadas contribuem para um controle mais rigoroso do objeto de análise, possibilitando também a reprodutibilidade do experimento”, observa Íscia.

Existem dois tipos de microarray, afirma a cientista. No Brasil, prossegue a neurogeneticista, alguns grupos desenvolveram suas lâminas colocando nelas os genes de interesse. Ocorre que esse tipo de tecnologia passou a apresentar problemas no controle de qualidade, a começar da falta de homogeneidade dos spots usados nos experimentos.

A partir daí, historia Íscia, determinadas empresas dedicaram-se a desenvolver uma tecnologia que garantisse melhor qualidade e o maior número de genes colocados em menor espaço possível, até para se ter uma idéia do transcritoma humano de uma vez só.

A segunda geração do microarray foi introduzida a partir de 2004. “É como se começássemos do zero”, afirma Íscia. Muitos dos trabalhos feitos até então, revela a pesquisadora, tiveram que ser repetidos. “Além de reprodutíveis, os dados são mais confiáveis. É nesse contexto que estamos fazendo nosso trabalho”.

A Unicamp foi uma das primeiras instituições de pesquisa a trabalhar com a segunda geração da plataforma. “Fomos pioneiros no uso desse tipo de tecnologia com cérebro humano no Brasil. Este escaner foi o primeiro instalado no país. Tanto que o pessoal da empresa fabricante [Affymetrix] acompanhou os primeiros passos da pesquisa. Isso se justifica porque o tecido cerebral é difícil de ser manipulado”, lembra a docente da FCM.

O funcionamento da plataforma integra um intrincado sistema que passa por várias etapas, incluindo exaustivas investigações na área da bioinformática. “Sem a participação do pessoal da área, não teríamos chegado aos resultados”, atesta Cláudia.

O processo tem início com a retirada do material do hipocampo pelo neurocirurgião. Esse tecido é imediatamente congelado, preservando-se, assim, as propriedades necessárias para uma leitura confiável no chip.

Na verdade, reforça Iscia, Cláudia aproveita um tecido que já seria retirado a partir de indicação prévia para a sua remoção cirúrgica. “Na maior parte das vezes, esse material vai para o patologista examinar e o resto é desprezado, ou seja, não estamos tirando nada mais do que seria o tratamento clínico e cirúrgico do paciente”.

A cirurgia é recomendada, em casos de atrofia hipocampal, quando o paciente não responde mais aos tratamentos convencionais. Depois do procedimento, registra-se melhora na recorrência das crises em 90% dos casos, revela Cláudia. No caso do não-portador da doença, o tecido é retirado em autópsias.

De posse do material, Cláudia extrai dele o objeto de estudo, que é o RNA mensageiro. Ocorre que esse material é muito instável. Então, a partir do RNA, é sintetizada uma molécula, mais estável, chamada de DNA complementar, ou cDNA. “Trata-se de uma cópia fiel do RNA presente naquele tecido. E, a partir desse cDNA, Cláudia o hibridiza com o que estava no chip. Esse material que está no chip é representativo de todos os genes expressos no genoma humano”, ensina Íscia.

Depois que o equipamento faz a leitura do chip, Cláudia compara os resultados obtidos em cada um dos grupos investigados. “Com isso, conhecemos a amostra do gene que está mais ou menos diferencialmente expresso e, também, temos condições de constatar as diferenças entre o familial e o esporádico”, afirma a autora da pesquisa.

Mas como os cientistas obtêm os resultados que permitem essa leitura comparada? “O gene que ‘grudou’ ali, acende. Esse ‘acender’ é proporcional à concentração. Tem mais, acende mais, é mais fluorescente . Tem menos, acende menos. Dá até para fazer uma medida quantitativa. Essa fluorescência é uma indicação da expressão gênica, mostra se temos alguma alteração”, afirma Íscia. “Se o gene X está mais expresso em um grupo em comparação a outro, ele pode estar me indicando alguma coisa. Com isso, temos uma visão do que está acontecendo naquele pedacinho de cérebro”.

A pesquisa, passo a passo

1. Após avaliação neurológica e neurocirúrgica, os pacientes esporádicos e familiais – refratários a medicamentos – são submetidos a procedimento cirúrgico para a retirada da região atrofiada

2. O hipocampo é extraído

3. Esse material é imediatamente congelado em nitrogênio líquido para a devida conservação do RNA, que é uma molécula muito instável

4. No laboratório, extrai-se o RNA mensageiro do hipocampo

5. O pesquisador faz a síntese de cDNA (molécula mais estável)

6. Faz-se a transcrição do cDNA, gerando uma outra molécula, a cRNA

7. O cientista faz a marcação do cRNA, que será posteriormente identificado no chip por meio da fluorescência

8. A molécula é aplicada no chip para um procedimento conhecido como hibridização

9. Escaneamento da lâmina para identificação da intensidade de cada ponto que representa um gene, revelando a sua expressão

10. Análise dos dados obtidos com ferramentas de bioinformática e de estatística

11. Validação dos principais genes com uma técnica independente, que vai confirmar a diferença de expressão gênica indicada pelo chip

12. Comparação dos achados moleculares com os dados clínicos e de imagem para uma melhor compreensão dos resultados

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