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Equipamento montado por engenheiro
eletrônico sairia a R$ 750 se fosse isento de impostos



Professor promove
cruzada por computador popular



MANUEL ALVES FILHO


Ilustração: PhélixEngenheiro eletrônico por formação, Jaime Szajner é professor aposentado da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. Mas estas qualificações talvez não traduzam com precisão a sua atual condição. Ele é, antes de tudo, um cidadão idealista, no melhor sentido do termo. Há pelo menos cinco anos Szajner vem dedicando conhecimento, tempo e até mesmo dinheiro a uma causa que considera vital para o Brasil: produzir um computador popular que ajude a promover a inclusão digital e social de milhões de brasileiros. Depois de inúmeras tentativas, o especialista montou, a partir de componentes encontrados no mercado, uma máquina com processador de velocidade média que, a seu juízo, teria condições de atingir tais objetivos. Sua luta, agora, é para conseguir que as autoridades brasileiras isentem o equipamento de impostos, o que faria com que fosse vendido por algo em torno de R$ 750, 25% mais barato do que o similar anunciado pelas lojas de informática.

Szajner batizou a sua obsessão pela produção do computador popular de “Projeto Incluir”. O engenheiro eletrônico faz questão de ressaltar que não inventou nada, apenas promoveu a união de idéias e componentes já existentes para dar forma ao seu sonho. Entusiasta da própria causa, ele afirma que foi classificado de louco por várias pessoas quando tentou convencer colegas, políticos e fabricantes da viabilidade do projeto. “Praticamente ninguém me deu ouvidos”, queixa-se. Antes de chegar à máquina atual, o especialista montou alguns equipamentos, mas nenhum deles ofereceu as soluções que buscava. Um dia, porém, Szajner encontrou um produto com configuração semelhante àquela com que vinha trabalhando, sendo vendido a US$ 298 (R$ 920, em valores atuais) pela rede Wall-Mart, via internet.

Idéia é usar aparelho de TV no lugar do monitor

O professor e engenheir eletrônico Jaime Szajner: "Ninguém me deu ouvidos" - Foto:Antoninho PerriO ex-professor da FEEC pensou, então, que se os Estados Unidos podiam vender um computador a esse preço, o Brasil poderia fazer o mesmo, talvez até um pouco mais barato. Pronto, estava praticamente provado que a sua idéia, mais do que meritória, era factível. Mas, antes de tentar convencer a sociedade disso, Szajner precisava resolver outro problema. É que a máquina vendida pela Wall-Mart era composta apenas por CPU, teclado, mouse e caixas de som. Não vinha acompanhada do monitor, impossibilitando, portanto, que o usuário gerasse imagens. A solução encontrada pelo engenheiro eletrônico para substituir tal equipamento foi ao mesmo tempo óbvia e criativa. “No Brasil, mesmo nas casas mais humildes, sempre há um televisor. As estimativas dão conta da presença de 40 milhões de unidades no país. Minha idéia foi utilizar o aparelho no lugar do monitor”, explica.

Para isso, Szajner promoveu uma adaptação na saída de vídeo do computador, de modo que a TV fosse conectada e passasse a fazer a interface com a máquina. A qualidade da imagem e do som, conforme o especialista, não é a mesma da proporcionada pelo monitor, mas também não chega a ser ruim. “O importante é que essa solução dispensa a compra do monitor, que custa cerca de R$ 400,00 no mercado. Além disso, essa alternativa não tira a possibilidade de, um dia, a pessoa adquirir um equipamento melhor para gerar imagens”, pondera. Incansável, o especialista foi um pouco mais além do que fizeram os norte-americanos. No lugar de um micro dotado de aparelho que toca CD, ele resolveu montar um com o dispositivo que reproduz DVD. A diferença de preço entre um e outro, diz, é de apenas R$ 40,00.

A esta altura, Szajner já tinha chegado a um computador que dispensava o monitor, que era dotado de aparelho que reproduz DVD, que possibilitava a conexão com a internet e que permitia o uso de variados programas, como os editores de texto, de planilha etc. E tudo isso por um preço de aproximadamente R$ 750, considerando-se a isenção dos impostos. Excelente negócio, não? Não para o engenheiro eletrônico. Na sua visão, ainda era possível obter mais algum ganho. Isso foi feito por meio da adoção do software livre, medida que dispensa o pagamento da licença pelo uso do sistema operacional. Agora sim, ele havia finalmente alcançado o objetivo perseguido durante tanto tempo, qual seja, o de montar um computador popular.

Novo desafio – Apesar de ter concretizado a idéia de conceber um computador barato, o professor acabou por estabelecer um novo e possivelmente mais complicado desafio: fazer com que o equipamento chegue às pessoas que hoje não têm acesso a essa tecnologia. Para tanto, é preciso encontrar um fabricante interessado em produzir a máquina em escala industrial e convencer as autoridades para a necessidade de isentar o produto de tributos. “Mas tem que ficar claro que a isenção recairia especificamente sobre esse modelo, em razão do impacto social que causaria. Os equipamentos com processadores mais potentes continuariam sendo vendidos pelo preço normal, já incorporados os impostos”, assinala.

Szajner conta que tem mantido contato com empresas e políticos, na tentativa de convencê-los a encampar o “Projeto Incluir”. “Falei com um número incontável de pessoas e já mandei carta ao presidente Lula, mas até agora não tive nenhum retorno”, lamenta. O engenheiro eletrônico sustenta que, caso seu projeto vire realidade, será possível produzir aproximadamente 20 milhões de micros num prazo de dez anos. “Se considerarmos que cada máquina pode ser usada por no mínimo duas pessoas, isso promoveria a inclusão digital e social de pelo menos 40 milhões de brasileiros. Sem contar que a fabricação dos computadores abriria novos postos de trabalho e geraria renda para as pessoas que fossem contratadas”, argumenta o especialista.

Uma história emblemática


Embora reconheça que existem inúmeras dificuldades para a execução do “Projeto Incluir”, o engenheiro eletrônico Jaime Szajner afirma acreditar fortemente nessa possibilidade. “Vou continuar trabalhando por isso até quando puder. É como se a salvação da minha alma dependesse do sucesso desse projeto”, exagera, em tom bem-humorado. Ele tem razões consistentes para tamanha fé. O especialista conta que ao longo da sua carreira testemunhou a transformação que o computador pode promover na vida de uma pessoa. Investindo dinheiro do próprio bolso, ele montou e doou máquinas para muita gente. Um dos beneficiados foi o filho de um primo, cuja história Szajner relata.

Ao encontrar o rapaz no velório de um parente, há vários anos, o engenheiro eletrônico foi logo perguntando como iam os estudos. O jovem, que havia sido admitido no curso de Análise de Sistemas, revelou com muito desânimo que abandonara a universidade. Motivo: não tinha condições de comprar um computador, o que o impedia de colocar em prática o que estava aprendendo e de trabalhar suas potencialidades. “Minha reação foi dizer ao rapaz para passar em casa no dia seguinte, pois eu lhe daria um micro”, recorda. E assim foi feito. O filho do primo foi à residência Szajner, apanhou o equipamento, agradeceu e foi embora.

Quatro anos depois, o engenheiro eletrônico viu, da sua janela, um táxi estacionando diante do portão. Do interior do veículo surgiu o filho do primo, com um prosaico 286 nas mãos, o mesmo que ganhara de Szajner. “Ele me abraçou e disse que tinha vindo devolver o micro. Contou que, graças à máquina, retomara os estudos e conseguira se formar. Isso me emocionou muito. Agora eu pergunto: quantas pessoas, na mesma condição, poderão viver experiência semelhante sem que façamos algo por elas?”, indaga o ex-professor da FEEC. Com a resposta, a sociedade brasileira.

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