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Jornal da Unicamp - 20 a 26 de maio de 2002
Agora semanal

Drogas causam danos cerebrais em
crianças e jovens, aponta pesquisa

Avaliação de usuários revela que substâncias
afetam, sete regiões neurológicas

Isabel Gardenal

Eles são pessoas aparentemente normais. Vivem em Campinas, perambulando pelo centro da cidade. Andar cadenciado e utilização de uma metalinguagem são alguns pontos que em geral caracterizam crianças e adolescentes em seus guetos informais e na sociedade. O eixo comum na história de vida de cada um é que todos são usuários de algum tipo de droga.

Preocupada com isso, a neurologista do Hospital das Clínicas da Unicamp (HC) Elba Etchebehere, que presta serviços à Federação das Entidades Assistenciais de Campinas (Feac), observou que os meninos de rua assistidos por esta instituição, e que fazem uso contínuo de múltiplas drogas - crack, cola, cocaína, maconha e álcool - apresentam danos neurológicos que podem ser irreversíveis.

A inquietação da neurologista, até então hipotética, veio a se confirmar com os dados alcançados no projeto de pesquisa "Spect cerebral em crianças e adolescentes usuários de múltiplas drogas", realizado em parceria com a Área de Medicina Nuclear da Unicamp, em que foram avaliados 16 pacientes com idade entre 11 e 18 anos que voluntariamente aceitaram participar da pesquisa.

Submetidos a exames neurológicos na Feac, eles também foram avaliados no Hospital das Clínicas (HC) por meio de spect cerebral. O resultado foi surpreendente: 100% dos casos indicaram algum tipo de comprometimento cerebral, quando comparados a não-usuários de drogas, e isso após passarem dois anos por processo de desintoxicação.

Exame complementar - Na prática, o spect é um exame utilizado em clínicas e hospitais no qual o paciente permanece em repouso por um breve período (15 minutos), longe de estímulos visual e auditivo. Nele é injetado um radiofármaco, uma substância marcada com componente radioativo que se fixa nos neurônios.

A imagem visibilizada é obtida a partir de uma câmara de cintilação capaz de adquirir várias imagens do cérebro em 360o (tipo tomografia), com emissão de raios-gama, o que possibilita observar a perfusão (chegada do sangue nas diversas áreas do cérebro) e a função cerebral. "É assim que conseguimos inferir quais segmentos estão funcionando adequadamente", explica Elba Etchebehere, médica assistente da Área de Medicina Nuclear do HC e coordenadora da pesquisa.

Abrangência das drogas – A avaliação apontou que as regiões neurológicas mais afetadas pela ação das drogas foram sete (lobos frontal, temporal e parietal direito, área visual, vermis, ponte e cerebelo), das 11 existentes. "É bom enfatizar, no entanto, que todos os casos apresentaram algum comprometimento", explica Rodrigo Rizzo Nogueira Ramos, residente em medicina nuclear.

Segundo Elba, até o momento não é possível predizer com exatidão os danos decorrentes do uso ininterrupto das drogas. "O que se sabe é que, quanto maior a exposição a elas, pior é a lesão."

A equipe do HC, empenhada em desvendar outras respostas resultantes desse projeto inovador, o primeiro a estudar crianças e adolescentes usuários de múltiplas drogas, propõe que se desenvolva, num futuro próximo, uma outra investigação para entender se as drogas têm efeito retardado, com uma margem de cinco anos de abstinência, e se os danos evidenciados graças ao espect cerebral diminuem com o decorrer do tempo. "Os sintomas mais prevalentes verificados neste estudo abrangeram a esfera comportamental e motora. Os pacientes são extremamente agressivos, adquirem descontrole motor, sofrem alterações da marcha (vulgarmente conhecida como andar de bêbado) e são incapazes de manejar talheres e de andar em direção retilínea".

A Feac tem como finalidade a promoção humana, a assistência e o bem-estar social, com prioridade à criança e ao adolescente de Campinas e região. Presta assessoria técnico-científica às entidades filiadas através de uma equipe multidisciplinar. Com a implementação de vários projetos e programas, realiza um atendimento permanente e direto a cerca de 15 mil pessoas, sendo 90% de crianças e adolescentes, e indireto a aproximadamente 45 mil pessoas.