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Imagem, idéia e pensamento
 


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Grupo inicia-se em nova área que promete ampliar
o campo de visão da antropologia, tida como ciência do verbal

Conjugando imagem, idéia e pensamento

LUIZ SUGIMOTO

Da esq. para dir., Marialba Maretti, Fabiana Bruno, Regina Akama, Etienne Samain, João Paulo Miranda, Wellington Sacchi, Cris Nery, Guilherme Tosetto e Renata Teixeira: enriquecimento do discurso antropológico (Foto: Antônio Scarpinetti/Divulgação)O Grupo de Reflexão sobre Imagem e Pensamento (Grip), coordenado pelo professor Etienne Samain, do Departamento de Cinema do Instituto de Artes (IA), foi reconhecido pelo CNPq em dezembro último. Composto atualmente por treze docentes e pós-graduandos, o Grip pretende refletir e participar da emergência de uma antropologia das imagens, que promete ampliar o campo de visão da antropologia, tida ainda como ciência do verbal.

"As imagens
representam
espaços de diálogos"

Sendo antropólogo de formação e docente das artes, Etienne Samain preocupa-se com o fato de a antropologia, apesar do universo densamente iluminado por imagens nos dias de hoje, permanecer regida pela matriz logocêntrica do mundo ocidental, que privilegia a centralidade da palavra. “A antropologia endeusa a escrita. Gosto muito da escrita e, por isso, não se trata de ir contra ela, mas de afirmar que o discurso antropológico poderia enriquecer-se enormemente utilizando outros suportes da comunicação humana”.

O professor ressalta que pensar a antropologia das imagens – sejam estas fixas, como a fotografia e a pintura, ou em movimento, como o cinema e o vídeo – contribui inclusive para adensar a pobre concepção da escrita, vista como mera codificação da fala. “Longe desta visão do ocidente, a escrita é uma dupla imagem, pois registra e ‘desenha’ a fala. O que fica escrito é uma ‘figura’ que, assim como um retrato, somente pode emergir a partir de um fundo branco. Já a fala nasce essencialmente de uma imagem; é a enunciação que uma coisa vista, à qual damos um nome”.

Para ajudar a compreender a proposta do Grip, a de conjugar imagem e pensamento, Etienne Samain enumera alguns preceitos. “O primeiro é que toda imagem nos faz pensar, ainda que isto possa soar banal. Outro, mais importante, é que a imagem veicula pensamento. E o terceiro, visto por muitos como uma provocação, é que a imagem possui vida própria, ou seja, independentemente do autor e do espectador, é capaz de se associar com outras imagens ou textos e compor seu próprio pensamento”.

Assim, o Grip vai se ocupar de estudos com montagem de imagens, com as relações alimentadas por imagens, textos e falas, e com as imagens enquanto “formas que pensam” – na expressão do cineasta Jean-Luc Godard. “As imagens representam espaços de diálogos e confidências entre fluxos que perpassam o real e o imaginário dos homens, seus contextos existenciais, suas histórias infinitas, suas memórias”, afirmam os integrantes na apresentação do grupo.

Moldes – O que as imagens oferecem? O que elas permitem? O que elas se recusam a dizer? O que elas orquestram quando colocadas em relação com a fala, a escrita e a música? São alguns dos questionamentos que levarão os pesquisadores a redesenhar e reformular criticamente uma epistemologia da comunicação humana, a partir dos moldes sugeridos pelo antropólogo Gregory Bateson (1904-1980) e pelo pai da iconologia moderna Aby Warburg (1866-1929).

Gregory Bateson (1904-1980), um biólogo inglês que se tornou antropólogo e fundou a Escola de Palo Alto, ocupou os últimos trinta anos de vida refletindo sobre a comunicação humana, enveredando ainda pela psiquiatria, psicologia, sociologia, lingüística, ecologia e cibernética. “Bateson via a comunicação não apenas como um sistema telegráfico – eu falo e você responde – mas como uma grande orquestração entre eu, você e outros que não estão presentes”, informa Etienne Samain.

A respeito da inspiração em Gregory Bateson, o coordenador do Grip transcreve a resposta do autor inglês datada de 1978, quando se debatia se um computador podia “pensar”. “A resposta é ‘não’. O que pensa é o circuito total, circuito incluindo um computador, um homem e um ambiente. Poder-se-ia também perguntar se um cérebro pode pensar e, de novo, a resposta seria ‘não’. O que pensa é um cérebro dentro de um homem, que é parte de um sistema que inclui um ambiente”.

Outra fonte inspiradora do grupo, Aby Warburg – ou Abraham Moritz Warburg (1866-1929) – foi um historiador da arte judeu-alemão. “Filho mais velho de um banqueiro, ele transferiu o direito de administrar os negócios da família ao irmão mais novo, desde que este lhe assegurasse os recursos e os livros para a sua carreira acadêmica. Montou em Hamburgo uma vasta biblioteca, basicamente da história da arte e da história da cultura, que acabou transportada para Londres diante da ascensão do nazismo”.

De acordo com o professor, Aby Warburg não dispunha os livros nas estantes por áreas de conhecimento, como se faz convencionalmente. “Ele reorganizava constantemente as obras em função do que ele chamava de ‘leis da boa vizinhança’, criando uma classificação caleidoscópica dos campos do saber. Por isso, o livro sobre o ritual da serpente dos índios Hopi [fruto de viagem aos EUA em 1895/96] podia acabar ao lado da obra de artes que trata da famosa escultura grega de Laocoon com seus dois filhos prestes a serem sufocados por serpentes”.

Sem texto – Samain também menciona o projeto mais ambicioso de Warburg (no qual trabalhava desde 1924 e não pôde completar), o Atlas Mnemosine. “É uma história da arte sem texto. Trata-se de uma coleção de painéis revestidos de tecido preto, sobre os quais ele montava conjuntos de imagens, figuras e fotografias. Os conjuntos deviam em seguida ser fotografados a fim de formar e revelar novas entidades complexas, portadoras de significações”.

O docente afirma que Gregory Bateson e Aby Warburg são personagens diferentes, um antropólogo e outro historiador da arte, mas que apresentam em comum uma visão holística, que não separa as áreas do conhecimento. “Da mesma maneira que não quero separar escrita, fala e imagem, para eles o saber também é único. Bateson dizia que, durante toda a vida, procurou estruturas que conectam os seres vivos, o que a meu ver é o mais importante e certamente o que o nosso mundo mais precisa”.

Livro e seminário já marcam atuação do Grip

O professor Etienne Samain, coordenador do grupo: "A escrita é uma dupla imagem, pois registra e 'desenha' a fala". (Foto: Antônio Scarpinetti/Divulgação)O quê (como) pensam as imagens? é o título do projeto de pesquisa coordenado pelo professor Etienne Samain e que envolve o Grupo de Reflexão sobre Imagem e Pensamento (Grip). E, também, é o título mais provável do livro que vem sendo organizado por Samain, reunindo reflexões sobre o tema de pesquisadores da Unicamp e de outras universidades. O lançamento da obra é previsto ainda para este ano.

A idéia inicial, inviabilizada pelo tempo, era lançar o livro durante o I Seminário Imagem e Pensamento, realizado de 28 a 30 de maio último, na sede do Sesc Campinas. Fabiana Bruno, doutoranda em multimeios, afirma que o seminário foi a primeira grande atividade do Grip, que se reúne quinzenalmente para discussão dos trabalhos em andamento. “Posso dizer que já existe certa ‘vanguarda’ de pensamento nesta linha da imagem, que se deu por meio das pesquisas orientadas pelo professor Etienne Samain”.

Segundo a doutoranda, os pesquisadores do Grip abordam temas específicos, mas acabaram descobrindo elos entre suas pesquisas. “Os temas vão do carnaval de Recife à memória na velhice, passando pelo cinema de Godard. No entanto, apresentam fundamentos teóricos e de pensamento que se encontram, na linha de pesquisa que conjuga a idéia de imagem e pensamento”.

Fabiana Bruno trabalha com a memória na velhice, recorrendo a fotografias que as pessoas idosas guardam ao longo da vida. “No meu mestrado, a questão crucial foi das formas, associando uma fotografia à outra e buscando no conjunto uma história visual de vida. Embora as personagens tenham falado sobre as fotografias, os conjuntos visuais poderiam denunciar, deste modo, o não-dito – um pensamento próprio oferecido pela inter-relação das imagens”.

Sobre tais montagens feitas por sua orientada, Etienne Samain observa que as imagens dialogam, numa associação que não é passiva, visto que elas oferecem algo a pensar. Em contraposição, o professor recorda o comentário feito pelo amigo Sylvain Maresca sobre o título do livro O quê (como) pensam as imagens? “Ele respondeu que nada havia concluído em relação à questão, com a justificativa de que as imagens também podem ser ‘mutics’ (mudas), recusando-se a falar, calando o que pensam”.

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