| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 349 - 26 de fevereiro a 4 de março de 2007
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Estudo confirma presença de fenólicos e folatos,
que garantem atividades antioxidativas à bebida

Vinho nacional traz compostos
que são benéficos para a saúde

A professora Helena Teixeira Godoy, orientadora da pesquisa: "O vinho brasileiro é de excelente qualidade" (Fotos: Antoninho Perri/Antonio Scarpinetti)Um cálice diário de vinho faz muito bem à saúde, dirá o francês, que tem a bebida dos deuses (e dos padres) culturalmente incorporada à sua dieta. Afinal, é na França que se observa o fenômeno de uma população que consome altos níveis de gorduras saturadas, mas que apresenta baixa incidência de doenças do coração e de arteriosclerose. Seriam os compostos funcionais presentes no vinho, como os fólicos e os folatos, que contribuiriam para os efeitos cardiovasculares protetores.

Metodologia determina
composição do produto

A professora Helena Teixeira Godoy, sendo uma cientista da área de alimentos, não pode recomendar que se tome vinho para ajudar na saúde, visto que ele incorpora o álcool com os seus potenciais malefícios. “Alguns trabalhos na literatura indicam que o etanol potencializa os efeitos benéficos do vinho, enquanto outros dizem que ele os neutraliza”, afirma a pesquisadora, ciente de que a falta de uma conclusão científica torna difícil o consenso na comunidade médica.

A docente, no entanto, acaba de orientar o estudo intitulado “Compostos funcionais no processamento de vinhos”, que traz mais informações a respeito. A pesquisa valeu o título de doutorado para a farmacêutica bioquímica Elizete Maria Pesamosca Facco junto à Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, e resultou em uma metodologia específica para determinar a composição dos vinhos produzidos no Brasil, que poderá contribuir para melhorar a sua qualidade.

Vinhos em supermercado: pesquisa constata que bebidas processadas no país têm qualidades sensoriais compatíveis com produtos tradicionais comercializados no exterior (Fotos: Antonio Scarpinetti)“Uma primeira constatação da pesquisa é que os vinhos processados no país apresentam qualidades sensoriais (cor, sabor, adstringência) e físico-químicas compatíveis com produtos tradicionais comercializados no exterior. Obviamente, há diferenças, mas o vinho brasileiro é de excelente qualidade”, assegura Helena Godoy. Ela explica que as nossas viníferas, mesmo que sejam primas das encontradas em países com maior tradição no cultivo da videira, possuem características diferentes por causa do solo (mais ou menos rico) e do clima (mais ou menos frio e úmido).

“O consumidor habituado ao sabor dos vinhos estrangeiros diz que o produto nacional é diferente. Mas ele tem de ser diferente, devido às diferentes condições de cultivo da uva. Nunca conseguiremos produzir o Bola dos italianos, que por sua vez nunca chegarão ao Santa Helena dos chilenos”, observa a professora da FEA. Ela admite que o nosso vinho pode ser até inferior em termos de corpo, devido a uma quantidade menor de antocianinas. “Mas em termos sensoriais, o vinho brasileiro é bom, sim. Promover a aceitação de suas características diferentes e aumentar o seu consumo é uma questão de marketing”, reitera.

Na pesquisa foram avaliadas quatro variedades do vinho tinto – Cabernet Sauvignon, Merlot, Pinot Noir e Isabel – e uma do vinho branco – Niágara. Na Vinícola Velho Amâncio, localizada no município gaúcho de Itaara, os pesquisadores se envolveram em todo o processo de produção, desde a colheita e análise da uva até as etapas de fermentação e a estocagem. Amostras coletadas nas várias etapas eram guardadas em nitrogênio líquido e transportadas até o Laboratório de Análise de Alimentos da FEA e um laboratório italiano especializado em análises de vinhos.

Fenólicos – Segundo a professora Helena Godoy, as qualidades sensoriais do vinho estão relacionadas principalmente com os compostos fenólicos. A pesquisa de Elizete Facco visou determinar os fenólicos presentes nos vinhos nacionais e avaliar a funcionalidade desses compostos, cuja atividade antioxidante na prevenção contra problemas como os cardiovasculares e outros decorrentes do envelhecimento já é reconhecida na literatura.

“A quantidade de componentes fenólicos chega a centenas, mas acredita-se que aqueles encontrados em maior concentração, como as catequinas, sejam os grandes promotores da ação benéfica à saúde”, explica a pesquisadora da FEA. Ela garante que o vinho nacional possui compostos fenólicos em quantidade e características muito semelhantes, por exemplo, aos italianos. O estudo também confirmou a ação antioxidante desses fenólicos e, ainda, que não ocorrem modificações na composição durante o processo de fermentação e estocagem.

Folatos – Um aspecto inédito deste trabalho é a preocupação com os folatos, que também apresentam características antioxidantes importantes. Este grupo de compostos (conhecidos como vitaminas B9) é encontrado em vegetais verdes escuros, no tomate, em frutas e em cereais. Já foi demonstrado que os folatos estão em alta concentração na cerveja, por causa da cevada e do lúpulo, mas sobretudo como subprodutos da levedura utilizada no processo de fermentação. É a primeira vez que se determina a presença de folatos no vinho (igualmente fermentado através de microorganismos), cujas propriedades benéficas, portanto, não se devem apenas aos compostos fólicos.

Como recorda Helena Godoy, há dez anos percebeu-se casos de pessoas que não apresentavam o histórico de um cardíaco – não fumavam, não bebiam e nem tinham índices altos de colesterol ou triglicérides – mas que, ainda assim, enfartavam. “Em comum, esses indivíduos traziam no sangue um componente chamado homocisteína. Trata-se de um aminoácido que, em níveis elevados, forma pequenos cristais que ferem internamente as artérias. O organismo, em resposta, agrega plaquetas que fecham o calibre das veias, levando o indivíduo ao enfarte pela própria ação de defesa do organismo”, esclarece a professora.

Descobriu-se depois que os folatos são os principais responsáveis pela retirada da homocisteína do sangue. Se estiverem em concentrações adequadas na dieta desses indivíduos, contribuem para evitar o enfarte. “Encontramos os folatos nas uvas e atestamos que seu nível aumenta em até três vezes no processo de fermentação. Essa concentração praticamente se mantém durante o período de fabricação e estocagem do vinho, com uma pequena perda, não significativa”, diz Helena Godoy.

Sem excesso – Se a pesquisadora da FEA não pode recomendar que se beba vinho, também não pode negar que seus compostos fazem bem à saúde. “Digamos que, bebido com moderação (até um cálice por dia), o vinho oferece os níveis necessários de folatos. É verdadeiro que faltam levantamentos mostrando uma possível carência de folatos no brasileiro, mas também não existem relatos sobre a toxidade do composto, caso seja consumido em excesso”, pondera.

Na dúvida, é fato que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) determinou a adição de ácido fólico em farinhas de trigo e de milho, tanto nas vendidas em supermercado como nas distribuídas para a indústria de alimentos. “É bom lembrar alguns grupos de risco como as gestantes, devido ao risco de malformação congênita do feto; as crianças, porque estão em fase de crescimento; e os idosos, cujo sistema bioquímico começa a falhar. Com eles, é preciso ser mais generoso na oferta de nutrientes. No caso dos adultos, para muitos o consumo moderado de vinho seria uma alternativa até prazerosa”, admite Helena Godoy.

Metodologia pode ajudar
os vinicultores paulistas

A metodologia desenvolvida durante a pesquisa de doutorado de Elizete Facco é específica para vinhos nacionais, pois as outras existentes, importadas de outros países, exigem adaptações devido às diferentes condições do solo e do clima no Brasil. “A metodologia está devidamente validada e pode ser aplicada na análise de outras variedades de vinhos ou de outras frutas, além das uvas”, anuncia a professora Helena Godoy, que orientou o trabalho. Segundo ela, a instrumentação pode ser de grande valia, por exemplo, ao grupo de estudos recém-criado para revitalizar a vitivinicultura no Estado de São Paulo (leia matéria na edição 344 do JU).

A pesquisadora informa que esta pesquisa da FEA já coletou dados interessantes para os produtores paulistas que, limitados pelas condições locais, oferecem um vinho mais popular, sem corpo. “Esta carência pode ser diminuída com a adição de cascas de uvas viníferas que resultam da produção do vinho branco”, recomenda. Para esta variedade, conforme explicação da professora, as cascas são retiradas no segundo dia de fermentação, evitando que o etanol continue extraindo as antocianinas até tornar o vinho avermelhado. “Como a perda na fermentação é pequena, essas cascas ainda preservam uma quantidade interessante de compostos que podem ser adicionados à Isabel ou Niágara”.

Os compostos fenólicos e os folatos estão concentrados principalmente na casca da uva, e não na polpa. Isso explica porque não é possível recomendar apenas o suco de uva como fonte de antioxidantes, diante das restrições ao álcool do vinho. “O que extrai 95% dos fenólicos da casca é justamente o álcool; no caso dos folatos, é a fermentação. A trituração da casca também não funciona, pois esses compostos são apenas parcialmente solúveis em água. Lamentavelmente, a quantidade diluída é tão pequena que faz do suco uma fonte pouco importante. A pessoa precisaria tomar quatro litros de suco em lugar de um cálice de vinho”, compara Helena Godoy.

Em relação aos folatos, os pesquisadores do Laboratório de Análise de Alimentos estão trabalhando com a cerveja sem álcool, já que esses compostos surgem no processo normal de fermentação e permanecem na cerveja depois que o álcool é retirado. Em todas as demais pesquisas do laboratório visando compostos funcionais – está em andamento uma série em torno dos frutos do cerrado –, o etanol é imprescindível no processo de extração. “Acreditamos que as plantas produzem fenólicos e folatos para sua própria proteção. Daí a concentração na casca, aumentando a resistência a intempéries climáticas, e o gosto ácido e amargo, que afasta os insetos”, finaliza a professora.

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