| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Enquete | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 203 - 17 a 23 de Fevereiro de 2003
.. Leia nessa edição
.. Comentário
.. Inveja Saudável
.. Biomassa da cana
.. Retórica nacionalista
.. Oportunidades
.. 40 anos da FCM
.. Combate à dengue
.. Do torno ao trono
.. Charlotte diretora do IEL
.. Teses da Semana
.. Unicamp na imprensa
.. Acesso às bolsas
.. A geologia
 

Artigo

Inveja Saudável

MARCELO KNOBEL

Recentemente, li um artigo sobre a inauguração do maior aquário da Europa, parte do complexo "Cidade das Artes e das Ciências", em Valência, Espanha. Ao ler mais sobre o projeto, devo confessar: fiquei com inveja! Mas permito-me qualificar essa inveja como saudável, pois despertou em mim uma vontade maior de contribuir de alguma maneira para poder construir algo similar por aqui.

À primeira vista, essa perspectiva parece uma utopia. Mas vamos olhar com mais cuidado a idéia realizada na Espanha, para aprofundar a discussão. Valência é uma cidade menor que Campinas, sem nenhum atrativo turístico relevante. Através de uma iniciativa do governo, foi iniciado um projeto de recuperar uma área desvalorizada da cidade, incluindo a idealização e a construção da "Cidade das Artes e das Ciências", que reúne um museu interativo de ciências, um cinema e planetário com projeções em três dimensões, um aquário e uma ópera. Esse mega-complexo foi projetado pelo famoso arquiteto Santiago Calatrava, que criou prédios com formas espetaculares, que por si só já valem a visita. Tudo isso custa muito dinheiro, e de fato até hoje foram investidos em torno de 400 milhões de dólares. Mas todo esse investimento tem um retorno garantido. Em 4 anos, só o museu de ciência já recebeu 7 milhões de visitantes! Além disso, a cidade já capitalizou 500 milhões de dólares em investimentos desde que o centro foi projetado. Foram construídos 14 hotéis (mais 22 estão em construção), 5 mil apartamentos e um shopping center. Com isso, foram gerados em torno de 16 mil empregos diretos, além dos benefícios indiretos.

Além de toda a questão econômica, é importante destacar a enorme importância de um pólo cultural e de divulgação científica. O aprendizado proveniente do conteúdo das exposições, da programação artística e dos museus não é tão fácil mensurar quanto o retorno econômico, mas certamente traz diversos benefícios para a população que visita o centro científico-cultural. É claro que há o lado da diversão, o aspecto lúdico necessário para "atrair" o visitante. Mas cada exposição é planejada cuidadosamente para ensinar de modo interativo diversos conteúdos de ciência e tecnologia. Certamente, os visitantes, e principalmente as crianças e adolescentes, saem do museu com algum conhecimento adquirido e voltam para casa com a curiosidade aguçada e com os sentidos mais permeáveis para apreciar e descobrir o universo em que vivemos, seja do ponto de vista científico ou artístico.

Há diversos estudos que mostram com clareza a contribuição dos museus interativos de ciência na sociedade. Esses locais oferecem um ambiente social único e diversificado que estimula o aprendizado tanto no âmbito escolar quanto no ambiente familiar. Nos Estados Unidos, mais de 60% da população adulta visita um museu de ciências pelo menos uma vez ao ano. Os museus de ciência recebem também a visita de um público escolar de aproximadamente 40 milhões de crianças e adolescentes anualmente. Pesquisas têm mostrado que estudantes que participam de programas interativos apresentam melhorias significativas na criatividade, na percepção, no desenvolvimento lógico, nas habilidades de comunicação, na motivação e em atitudes positivas com relação à ciência e tecnologia. Há outras diversas investigações sobre o papel benéfico de um centro de ciência em uma comunidade, que podem ser encontrados na página da Associação Americana de Centros de Ciência e Tecnologia (ASTC, http://www.astc.org), ou na página da Rede de Popularização da Ciência e Tecnologia para a América Latina e Caribe (Red-POP, http://www.unesco.org.uy/red-pop/), para ver algumas experiências latino-americanas e inclusive brasileiras.

Talvez não seja o caso de iniciarmos um projeto tão grandioso quanto o de Valência. Mas certamente é uma vergonha que ainda não haja uma iniciativa séria de criar um grande museu interativo de ciências para contribuir na educação da população e estimular de modo efetivo a formação de uma cultura científica em nossa sociedade. Experiências extremamente positivas em países com realidades mais próximas às nossas demonstram que um empreendimento nessa direção não só é possível, mas é urgente e necessário (ver, por exemplo, o caso do "Universum", da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) - http://www.universum.unam.mx/index.html e o "Maloka", que fica em Bogotá, na Colômbia - http://www.maloka.org/). Em particular, o caso brasileiro é privilegiado, pois contamos com uma vasta biodiversidade, um amplo espectro de climas, regiões e costumes, uma comunidade científica estabelecida e uma cultura popular rica, o que poderia resultar em uma experiência inédita no mundo.

Olhando esses projetos maravilhosos e os incríveis benefícios que eles induzem na sociedade é impossível não sentir uma inveja saudável. Espero que esta inveja seja contagiosa e que um número significativo de atores envolvidos de algum modo com educação, ciência, tecnologia e inovação possam formar a massa crítica necessária para a implantação de um projeto dessa envergadura no nosso estado, ou quem sabe, dentro da própria Unicamp.

Marcelo Knobel é professor associado do Instituto de Física Gleb Wataghin e coordenador do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri)

SALA DE IMPRENSA - © 1994-2003 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP