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Por uma água com mais qualidade
Pesquisadores aprimoram método
analítico para identificar no produto
contaminantes ainda não legislados

MANUEL ALVES FILHO

Pesquisadores do Laboratório de Química Ambiental (LQA) do Instituto de Química (IQ) da Unicamp estão estabelecendo um novo paradigma para a análise da qualidade da água servida à população. Além dos testes químicos, já consagrados nesse tipo de abordagem, os cientistas refinaram o procedimento acrescentando a ele o ensaio biológico. Em tese de doutorado defendida recentemente, a química Cassiana Montagner Raimundo mediu pela primeira vez a atividade estrogênica tanto na água bruta quanto na tratada, a partir de amostras coletadas da Bacia do Rio Atibaia, que abastece a região de Campinas (SP). Os resultados obtidos indicam a necessidade do acionamento da luz de alerta por parte das concessionárias que atuam no setor. “Todas as amostras coletadas diretamente do manancial apresentaram atividade estrogênica. Nas amostras de água já tratada, 40% também tiveram o mesmo resultado”, informa a autora do trabalho.

Em outras palavras, os testes constataram que os sistemas de tratamento utilizados atualmente não são suficientes para eliminar da água que chega à torneira das residências uma série de contaminantes, entre eles o estrógeno, popularmente conhecido como hormônio feminino. Excretada pelo corpo, essa substância, na forma natural ou sintética (presente nas pílulas anticoncepcionais), vai parar nos mananciais através do esgoto doméstico. “Este composto tem a capacidade de afetar o sistema endócrino de animais aquáticos, como os peixes. Ainda não sabemos, porém, qual o seu efeito no organismo humano. De toda forma, é uma situação preocupante”, afirma o professor Wilson de Figueiredo Jardim, coordenador do LQA e orientador da tese desenvolvida por Cassiana.

Os testes biológicos realizados pela autora do trabalho foram implementados no Brasil pela professora Gisela Umbuzeiro, da Faculdade de Ciências Aplicadas (FAC) da Unicamp, do campus em Limeira (SP), junto com o pessoal da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), órgão subordinado à Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Cetesb). O projeto temático foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Nos ensaios, foi usada uma levedura modificada geneticamente. O micro-organismo recebeu um gene humano receptor do estrógeno e também um gene do vagalume, de modo a torná-lo uma espécie de “sensor luminoso”. Assim, ao entrar em contato com o hormônio presente na amostra de água, a levedura emitia uma luz, numa reação chamada de bioluminescência pelos cientistas. De acordo com o professor Jardim, a inclusão do ensaio biológico na avaliação da qualidade da água é importante porque torna o procedimento ainda mais preciso.

Ele explica que a análise química é eficaz para identificar e medir a presença dos compostos, mas não consegue contemplar a sinergia eventualmente existente entre eles. “Existem substâncias que vão interagir com outras. A soma de duas ou mais substâncias pode, por exemplo, potencializar o anular a ação de uma delas. O que estamos fazendo, e o trabalho da Cassiana foi importante nesse sentido, é estabelecer um vínculo entre as duas formas de mensurar os contaminantes presentes na água. Trata-se, sem dúvida, de um novo paradigma”, considera. O docente adverte, porém, que a resposta biológica também tem suas limitações. “No caso da levedura que utilizamos, por exemplo, o gene receptor humano tem capacidade de identificar alguns estrógenos, mas não todos. De toda forma, esse método representa um avanço significativo para a análise da qualidade da água. Até onde estou informado, o método já está sendo introduzindo nas rotinas da Cetesb”.

Herbicida

Ao todo, Cassiana considerou em seu trabalho 16 contaminantes. Destes, 13 foram encontrados pelo menos uma vez em amostras de água bruta da Bacia do Atibaia, em concentrações variadas. Nas amostras de água tratada, seis compostos foram determinados pelo menos uma vez, também em diferentes concentrações. Uma das surpresas foi a presença da substância denominada atrazina, um herbicida usado com frequência em algumas culturas agrícolas, a cana-de-açúcar entre elas. “Esses resultados revelam que os processos de tratamento utilizados pelas concessionárias não são suficientes para eliminar essas substâncias da água. Elas aparecem em níveis equivalentes a nanogramas por litros, mas a literatura tem indicado que essa quantidade já tem sido suficiente para provocar efeitos adversos na biota”, acrescenta a autora da tese.

Cassiana observa, ainda, que a situação da contaminação das águas que abastecem a população se torna ainda mais crítica no período de seca. Ela pôde constatar isso em seu trabalho, dado que realizou 13 coletas na Bacia do Atibaia ao longo de um ano (abril de 2010 a abril de 2011). “Os testes químico e biológico apontaram que a presença de compostos e a atividade estrogênica são maiores no período de estiagem”, revela. Na opinião do professor Jardim, as atuais condições do Rio Atibaia, um dos principais rios da Região Metropolitana de Campinas, são críticas. “Essa manancial talvez seja o pior exemplo regional das consequências que tivemos do crescimento econômico. Se por um lado a população teve o seu poder de compra e consumo ampliados, por outro os investimentos em saneamento não acompanharam essa progressão”, compara.

A avaliação do docente da Unicamp coincide com os dados do Censo de 2010, divulgados este ano. De acordo com o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente pouco mais de metade dos domicílios brasileiros (55,4%) estão ligados à rede geral de esgoto. Quanto ao fornecimento de água, o serviço atende a 83% da população. Resta saber, entretanto, qual é a qualidade do produto que chega à torneira. E é justamente esse ponto que o LQA vem investigando há 25 anos. Atualmente, segundo o professor Jardim, o laboratório está trabalhando em parceria com o Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas (INCTAA), que funciona junto ao IQ, para verificar como anda a água potável de algumas capitais brasileiras, onde vivem aproximadamente 40 milhões de pessoas.

De acordo com o docente da Unicamp, os pesquisadores estão terminando as primeiras análises neste momento. “É a primeira vez que se faz um trabalho dessa ordem no país. Estamos olhando mais especificamente para os chamados contaminantes emergentes, que são aqueles que ainda não são legislados. E por que não são legislados? Porque não podiam ser medidos. Agora que podemos mensurá-los, estamos descobrindo que, mesmo em baixas concentrações, eles podem causar alterações importantes em organismos aquáticos. Ainda não sabemos que tipo de dano a exposição a essas substâncias pode trazer ao ser humano, pois ainda não foi possível estabelecer um nexo causal. De toda forma, a presença desses compostos tanto na água bruta quanto na tratada representa um alerta. A luz amarela está acesa”, reforça.

No caso específico de Campinas, continua o docente do IQ, a tese de Cassiana também foi importante porque ajudou a abrir um canal de conversação com a Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S/A (Sanasa). A empresa demonstrou interesse em adotar tecnologias mais refinadas com o objetivo de minimizar a quantidade desses contaminantes não legislados na água fornecida aos campineiros. “Estamos finalizando as tratativas para a assinatura de um contrato nesse sentido”, adianta o professor Jardim. “Além da Sanasa, outras concessionárias do Estado de São Paulo também estão demonstrando interesse no assunto. As perspectivas são boas, visto que os resultados dessas ações devem trazer um importante ganho para a população”, completa Cassiana.


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■ Publicação

Tese: “Contaminantes emergentes em água tratada e seus mananciais. Sazonalidade, remoção e atividade estrogênica”
Autora: Cassiana Montagner Raimundo
Orientador: Wilson Jardim
Unidade: Instituto de Química (IQ)

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