| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 347 - 11 a 17 de dezembro de 2006
Leia nesta edição
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Osteoporose
Cartas
Romance no Brasil
Sangue de cordão umbilical
Esquizofrenia
Thomas Lewinsohn: 30 anos de pós em Ecologia
Cacau
Maracujá
Comunicação de risco
Método não-invasivo
Alunos de baixa visão
Cepal
Painel da semana
Teses
Livro da semana
Destaques do Portal
Atuação da Inova
Cooperação
Ciência & Arte nas Férias
 

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ARTIGO

A pós-graduação em
Ecologia na Unicamp:
30 anos de um curso pioneiro

Criado em 1976, o curso de Pós-Graduação em Ecologia da Unicamp chega a seu trigésimo ano como um dos dois melhores programas brasileiros na área de Ecologia, conforme a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior). Na primeira edição de seus prêmios nacionais, a Capes conferiu ao doutorado de Gustavo Romero, defendido em 2005 em nosso programa, a distinção de Melhor Tese em Ecologia. Ainda em 2006, superamos a marca de 400 mestrados e doutorados defendidos.

Um aniversário, com tais indicadores, merece ser celebrado – o que fizemos em 6 de dezembro. Provoca também uma reflexão sobre esta trajetória, voltada para os desafios com que hoje nos deparamos.

Primórdios e contexto
Na década de 1970, a ciência ecológica brasileira era embrionária, contando com poucos grupos de pesquisa, como por exemplo, o de Ecologia Vegetal da USP e um grupo em Manguinhos, no Rio. Em outros lugares, pesquisadores isolados tentavam estabelecer uma linha de investigação. De modo geral, a ecologia não era reconhecida como uma ciência. O mundo começava a se defrontar com os problemas ambientais globais em Estocolmo, onde em 1972 se realizou a primeira conferência mundial sobre o meio ambiente. O Brasil vivia o auge do desenvolvimentismo e da expansão das fronteiras de ocupação, especialmente na Amazônia.

No bojo do impulso nacional para a criação de cursos de pós-graduação, em 1976 foram iniciados quatro programas de Ecologia. Em Manaus, o Inpa centrou-se em Ecologia Tropical e Aquática; a Universidade de Brasília fez também uma opção regional pelo cerrado como tema unificador. Em São Carlos, a UFSCar enfocou a Limnologia; e a Unicamp definiu-se pela Ecologia Populacional e Evolutiva. Estas opções foram discutidas em reuniões de representantes das quatro instituições, que desde logo acertaram as bases para cooperação e intercâmbio entre os programas nascentes.

Já então estavam claros dois marcos próprios da pós-graduação brasileira em Ecologia: a escolha de vocações específicas, e a cooperação entre instituições.

Participação do Programa de Pós-Graduação em Ecologia na Unicamp na nucleação de cursos de pós-graduação desta área.  Os círculos indicam cursos em que há docentes credenciados que obtiveram o mestrado e/ou doutorado em Ecologia na Unicamp.

A cara do curso
O curso da Unicamp foi nucleado por três professores contratados com esta finalidade, americanos já residentes no Brasil. Dois deles, Woodruff Benson e Keith Brown, continuam até hoje no programa e foram homenageados no dia 6. O curso da Unicamp foi iniciado sob a influência dos trabalhos inovadores tais como os de Robert MacArthur, na ecologia matemática de populações e comunidades, e de Daniel Janzen, cujos estudos na América Central vinham revolucionando a Ecologia Tropical. Nestes trabalhos, hipóteses explícitas eram desenvolvidas teoricamente e testadas em experimentos ou observações de campo.

A cara do curso foi realmente dada pelos seus cursos de campo. No mestrado, eram obrigatórias duas disciplinas. A primeira, realizada na Amazônia, seguia um formato iniciado por Janzen, que consiste em uma seqüência de projetos de pesquisa, em grupo ou individuais – concebidos, realizados, analisados e apresentados em períodos curtos de um dia até uma semana. O segundo curso, dirigida pelo professor Hermógenes Leitão Filho, era voltada para o cerrado e visava o aprendizado de sua flora, com inventários locais realizados por equipes de alunos.

Os dois cursos, em conjunto, ofereciam uma experiência excepcional de pesquisa de campo em diferentes ambientes, mesclando levantamentos, trabalhos experimentais e comparativos. Hoje, estes cursos foram adaptados a novas condições: no mestrado, limitado por tempo, exige-se apenas um curso, e os locais de realização têm também variado.

Muitos alunos descobriram seus temas de tese ou de pesquisa posterior em projetos realizados nestes cursos. Além disto, hipóteses inovadoras ou observações incomuns, investigadas em um trabalho de curso de campo, resultaram em um número expressivo de publicações em periódicos conceituados – um resultado incomum para disciplinas de pós-graduação, tanto na Ecologia como em outras áreas.

Os primeiro mestrados foram concluídos em 1979. Em 1980, iniciou-se o doutorado e a primeira tese foi defendida em 1985. Três anos depois, realizou-se aqui um simpósio que viria a marcar a pesquisa ecológica feita na Unicamp, e abrir novas perspectivas para seus docentes e alunos.

O Simpósio Internacional sobre Interações de Plantas e Animais trouxe à Unicamp vinte pesquisadores renomados, dos Estados Unidos e Europa, que apresentaram palestras junto com seis brasileiros. Para os brasileiros, a possibilidade de contato direto com a linha de frente da pesquisa internacional; para os estrangeiros, o choque de descobrir a variedade e a qualidade da pesquisa que já se fazia no Brasil. O efeito foi marcante e duradouro. O livro resultante do simpósio foi publicado pela Wiley e recebeu resenhas elogiosas, inclusive em Science e Nature. Muitas parcerias de trabalho entre os participantes deste encontro – docentes, alunos de pós-graduação e mesmo de graduação – foram iniciadas então e ainda hoje persistem ou mostram novos desdobramentos. Diversos mestrandos brasileiros prosseguiram para doutorados no exterior, e esta tradição também prossegue, abrangendo ao menos onze universidades de alto prestígio.

Produção e nucleação
A produção acadêmica da Ecologia da Unicamp mostra várias características encorajadoras, a começar pela sua progressão em número e regularidade. Trabalhos produzidos aqui têm sido publicados nos periódicos mais prestigiados para a área, tais como Ecology, Trends in Ecology and Evolution, American Naturalist, Oikos, Oecologia, Annual Review of Ecology Evolution and Systematics, Conservation Biology, além de Nature e Science. Chama a atenção a grande variedade de periódicos em que docentes e alunos têm publicado, sinal da diversidade temática dos trabalhos aqui realizados.

O programa de Ecologia vem tendo um efeito multiplicador estratégico bastante evidente. A melhor indicação deste efeito é a participação de ex-alunos nos cursos de pós-graduação de Ecologia do Brasil. Dos 24 programas homologados até 2006 pela Capes nesta área, 20 têm docentes credenciados que realizaram seu mestrado e/ou doutorado na Unicamp (veja mapa). Esta influência pervasiva não é, de forma nenhuma, uma via de mão única. Nosso programa ganha muito no intercâmbio dinâmico com os cursos de todo o país. A cooperação entre programas, iniciada em 1976, hoje visa abranger todos os cursos brasileiros, por intermédio do Fórum Nacional de Coordenadores que se reúnem anualmente, trocam experiências e unificam propostas para levar à Capes.

Outro exemplo de nucleação: o Programa Biota-Fapesp, iniciado em 1998, que envolveu um grande número de pesquisadores e instituições dentro e fora do estado de São Paulo, teve na Ecologia da Unicamp um de seus epicentros: seu primeiro coordenador, Carlos Joly, é docente desta Pós-Graduação, tal como os líderes de cinco dos 20 primeiros projetos incluídos neste programa de investigação da biodiversidade paulista.

Desafios e perspectivas
A pós-graduação em Ecologia desenvolveu-se e amadureceu nestes trinta anos, com avanços além do que se poderia sonhar em 1976. Em análises realizadas por Fábio Scarano, coordenador da área na Capes, segundo a produção per capita dos pesquisadores brasileiros, a Ecologia é hoje a quarta ciência melhor posicionada, em relação à produção mundial de cada área. Decorrem daí vários desafios: como manter e consolidar a produção científica brasileira em Ecologia? Ao mesmo tempo, como fazer frente às crescentes demandas de conhecimento e pesquisas na área?

A ciência ecológica vem sofrendo mudanças radicais, muitas delas alavancadas por novas teconologias. Dentre elas, o sensoreamento remoto, com imagens de crescente resolução e informação; ferramentas moleculares que potencializam estudos genéticos evolutivos e de muitos processos ecossistêmicos; métodos de análise baseados em computação intensiva. Campos teóricos e aplicados inteiros da Ecologia estão em processo de renovação, senão de revolução. Cabe aos programas de pós-graduação na área renovarem seus currículos e talvez sua estrutura, para abranger estas novas frentes. Paralelamente, é necessário preparar melhor os novos pesquisadores para trabalhar efetivamente em grupos multidisciplinares e interdisciplinares, outra tarefa nada simples.

Os problemas ambientais brasileiros têm se tornado mais e mais prementes, aumentado de extensão e gravidade, e demandam um esforço de formação e capacitação extraordinário. A Unicamp e a UFRJ, os dois cursos de Ecologia que obtiveram a nota 6 na última avaliação da Capes, têm uma responsabilidade maior neste processo. Cabe a eles descobrir como manter e avançar na qualidade e volume de sua pesquisa e produção acadêmica, ao mesmo tempo em que prestam apoio à formação e consolidação de grupos e programas de pós-graduação em outros centros, além de enfrentar a demanda de pesquisa aplicada e expertise ecológica, advinda de setores governamentais e não-governamentais.

A todos estes desafios sobrepõe-se um outro: apesar de todos os avanços aqui resumidos, para boa parte da cidadania, dos tomadores de decisão, e mesmo de outros cientistas e acadêmicos, a Ecologia até hoje não é percebida como uma área de pesquisa na qual, assim como em outras áreas, se produz conhecimento por meio de formulação de hipóteses e teorias postas à prova em estudos experimentais, observacionais e comparativos, e sujeitos aos mesmos procedimentos de análise e avaliação que outras ciências utilizam. Estabelecer publicamente seu status de ciência, e a base científica do conhecimento que oferece à sociedade, é uma tarefa que a Ecologia brasileira ainda terá de realizar.


Thomas M. Lewinsohn é coordenador do curso de Pós-Graduação em Ecologia e professor titular do Departamento de Zoologia, do Instituto de Biologia da Unicamp. Foi professor e pesquisador visitante no Center for Population Biology, Inglaterra, no National Center for Ecological Analysis and Synthesis, Estados Unidos, e na Universidade de Bayreuth, Alemanha, entre outros. Coordenou para o Ministério do Meio Ambiente e o PNUD a “Avaliação do Estado do Conhecimento da Biodiversidade Brasileira”, publicado pelo MMA em 2006.

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