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Ensino de ciências evita evasão
em escola para criança carente
Oficina dá suporte para a escolaridade
sob o aspecto científico e lúdico

A ensino de ciências mostrou-se uma valiosa ferramenta para evitar a evasão escolar de crianças carentes matriculadas pelo período de um ano nas Oficinas de Ciências do Centro de Atendimento Integral à Criança e ao Adolescente (Caic), situada em Londrina. Foi o que apontou um estudo – feito na Faculdade de Educação (FE) pela doutoranda Zenaide Rocha, orientada pela docente Elisabeth Barolli – com alunos entre nove e dez anos que frequentavam o terceiro e o quarto ano da instituição. Um dos pontos observados pela pesquisadora ainda foi que, mesmo oferecendo autonomia às crianças para exercer a criatividade ao longo do processo de ensino-aprendizagem, a professora não perdeu de vista a sua autoridade, o que contribuiu para mantê-las dentro das oficinas, com vistas a não ficarem nas ruas, no ócio ou na delinquência. “Com isso, ficou clara a importância de incentivar a autonomia sem deixar de fazer o papel de professor, que é o de representante da cultura científica, cerceando todo processo”, defende. Ela adotou como estratégia o ensino em laboratório de ciências no Caic do Jardim Santiago, isso em período inverso às aulas do ensino formal.

Nesse projeto, trabalha-se com oficinas. Uma delas, sob responsabilidade de Zenaide Rocha, é a de Ciências, na qual atua há cerca de 15 anos. O seu doutorado envolveu o estudo da prática de laboratório como um trabalho complementar à escolaridade. A criança almoça no mesmo local e ali permanece passando pelas diversas oficinas, como as de Arte, Ginástica, Práticas Esportivas – para se divertir e aprender.

A Oficina de Ciências, comenta a pedagoga, oferece um suporte para a escolaridade sob o aspecto científico e lúdico, a fim de atrair a criança para a escola. Ela informa que essas oficinas receberam o nome de Oficinas Pedagógicas, com um setor próprio na rede municipal de Educação de Londrina, responsável por cuidar delas e gerenciá-las. Atualmente, são 13 escolas na cidade com essa iniciativa. No início, recorda, eram apenas seis. “Realizo este trabalho desde 1994, fundado em todo o Brasil na época do governo Collor de Melo. A ação em Londrina é modelar e pioneira. Quase dois mil participantes anualmente, incluindo alunos de quinta a oitava série, já foram atendidos lá”, contextualiza. O critério de seleção baseia-se no risco de permanecer na rua.

A pedagoga admite que a comunidade é deveras carente e que as drogas pesam sobre a sociedade. “Muitas crianças entravam nesse caminho. Essas oficinas eram uma forma de mantê-las na instituição aprendendo e sendo educadas”, salienta. Um dos seus objetivos foi investigar sua própria prática como professora de Ensino de Ciências, uma vez que buscava uma resposta para sustentar essas crianças nas oficinas, nas quais havia evasão com índice próximo de 50%, sobretudo pela não obrigatoriedade. Foi difícil, opina, conquistar as crianças para ficarem no centro. E sustentar a criança para que ela aprendesse foi outra questão intrigante.

A pesquisadora percebia que as crianças frequentavam o Caic mais para brincar, sem o compromisso de aprender. “Uma preocupação nossa sempre foi com o conhecimento científico, ao contrário do ativismo que gera confusão e descompromisso. A intenção era dar-lhes voz.” Trabalhou-se tanto com a prática cotidiana das crianças quanto com os experimentos. Como em geral o que se via era uma metodologia pautada quase exclusivamente nas atividades de laboratório, no doutorado um foco novo consistiu em conduzir a criança ao aprendizado através do processo de alfabetização científica – que tem início na escola e que perdura por toda a vida.

Aulas no sítio

Procurar dinamizar o cronograma de aulas não somente com atividades experimentais, mas com conhecimento amplo da sociedade, detectando problemas da comunidade deles e tentando solucioná-los, foi uma das estratégias adotadas pela educadora. Os temas emergentes perpassaram a poluição do ar e das águas. Mas o tema-alvo para alfabetização ao longo do ano foi o ‘solo’ – a sua contaminação, a preservação e os cuidados.

Foram feitos experimentos e análise de diversos tipos de solo, dentro do Caic e nas redondezas. As crianças avaliaram suas casas, o quintal, como infiltrava água no solo, se havia contaminantes e se conseguiam fazer algum tipo de plantação. “Por fim, trouxeram a família para essa relação e fizeram algumas mudanças na vida dos seus membros”, conta Zenaide Rocha.

Uma aula foi desenvolvida num sítio em Cambé, PR, a dez quilômetros de Londrina. Houve etapas de campo, com observação das plantações de café, milho e uvas, além de introdução à ovinocultura. “Os aprendizes ficaram entusiasmados e tornaram-se verdadeiros pesquisadores-mirins. Na última ida ao sítio, oito crianças tiveram a oportunidade de fazer o plantio, a colheita e participar da enxertia das videiras”, expõe a pedagoga.

Na volta ao Caic, as crianças ministraram aulas a alunos e professores de outras oficinas. A cada uma coube uma tarefa. O trabalho foi tão impactante que a Prefeitura logo ficou sabendo da iniciativa. “O grupo foi convidado a fazer o mesmo em aula de campo num curso de formação para 72 professores da rede municipal.”

As aulas passaram por uma etapa de planejamento. Conforme a pedagoga, o planejamento é fundamental pelo fato dos professores estarem atentos à questão do conhecimento científico, às técnicas e aos conceitos. “Sempre primei por isso: pela regra, pelo nome, pela técnica. E vimos que eles conseguiram dominar tudo”, garante. Embora sendo rígida em algumas questões que o conhecimento científico exigia, pois do conteúdo não se pode abrir mão, ressalta, sobrava uma margem para que essas crianças exercitassem a sua criatividade montando as próprias aulas.

Zenaide Rocha concluiu que, a despeito da professora (ela própria) ter sido de certo modo controladora (a palavra foi usada no estudo), percebeu que não era tanto um controle. O docente, justifica, zela para que as crianças preservem o planejamento e os objetivos de cada aula. Esse cuidado incluiu agregá-los em grupos para atuarem em equipes, o que possibilitou que criassem novas formas de fazer dentro da esfera cerceada pelo professor.

Violência

Nessa tarefa, a autora da tese faz uma analogia à teoria psicanalítica que aborda a questão da mãe-bebê, ou seja, do que a mãe faz para inserir a criança no mundo da cultura. Ela passa as regras da cultura e do mundo, de como deve ser o sujeito, situa. “Por outro lado, deixa que a criança tenha suas experiências, porque assim terá autonomia e conseguirá ‘vir a ser’. O que as mães praticam com as crianças, de precisar ditar as regras e cerceá-las, configura-se, no entanto, como uma violência primária”, define.

Ocorre que existe também a violência secundária, dimensiona a doutoranda. De acordo com ela, a mãe faz esse trabalho de ditar as regras, de colocar as coisas da forma como ela deseja, porém sem dar espaço à criança para criar e ser sujeito dessa aprendizagem. “Na primária, não. Ela faz tanto o cerceamento como permite que a criança tenha espaço para questionar regras. No presente trabalho, encaixa-se mais o caso da violência primária.”

O cerceamento, opina ela, não se aplica apenas às crianças. Extrapola questões da aprendizagem nas quais o professor é necessário para a cultura científica. A questão crítica no método tradicional é que ele não fornece mais espaço para a criação. A pessoa torna-se um robô, isso sem falar do ativismo exacerbado que deixa a criança solta para fazer o que quer. “Faz na hora que quer o que bem entender. Daí o professor se perde nos objetivos e não consegue dar seguimento ao espaço que deveria ser cerceado, que é o da cultura científica. Desse modo, a criança acaba não aprendendo, e a escola vira o caos.”

O que o Caic proporcionou a essas crianças está registrado em depoimentos. Neles enfatizaram que esse conhecimento foi tão relevante que no futuro poderão ter um ofício melhor. Logo, vislumbraram novas perspectivas com a contribuição da Oficina de Ciências. Um dos pontos salientes apontados pelos aprendizes foi a assimilação de um conteúdo sobre o qual não tinham acesso na escola formal. Então tanto o vocabulário como a questão da aprendizagem, bem como a experiência de conhecer vários ambientes, ajudou-os a fazer projeções em sua própria vida, na sua casa, no seu quintal, no seu bairro. As aulas aconteciam uma vez por semana e duravam 1h30.

A expectativa desse projeto – que também teve ajuda do Phala (Grupo de Pesquisa em Educação, Linguagem e Práticas Culturais) da Unicamp e do Grupo de Pesquisa na Formação de Professores da USP – é conseguir compreender como ocorre a sustentação da aprendizagem. “Os resultados nos ensinam que há condicionamentos subjetivos que muitas vezes fogem ao nosso controle, para criar um ambiente educativo no qual os alunos possam ser criativos, capazes de coparticiparem do plano de ensino e de se co-responsabilizarem por sua aprendizagem. A isso se some a melhoria de perspectiva de trabalho ou mesmo uma visão de mundo diferenciado, informa Zenaide Rocha que, além de pedagoga, fez Licenciatura em Ciências e Matemática pela UniFil e mestrado na UEL. A sua tese buscou auxiliar a formação continuada de professores da educação básica descortinando a pesquisa sobre a prática docente nesse nível de escolaridade.

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■ Publicação

Tese: “Uma História de Sucesso na Educação Científica: a duplicidade da prática docente”
Autora: Zenaide de Fátima Dante Correia Rocha
Orientadora: Elisabeth Barolli
Unidade: Faculdade de Educação (FE)


 
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