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A crítica morreu?



Por que a crítica literária foi sendo gradativamente substituída pelas resenhas nos jornais de grande circulação? Como dimensionar a perda causada pelo desaparecimento de críticos norteadores, que indicavam horizontes? O que significou para a literatura o fato de os críticos terem migrado para a universidade? Os professores e escritores Alcir Pécora, Moacir Amâncio e Paulo Franchetti respondem a estas e a outras indagações na matéria que segue.


Nos últimos trinta anos, a crítica literária desapareceu dos jornais para dar lugar à resenha geralmente feita por jornalistas. Ao mesmo tempo, os críticos migraram para a universidade. Na prática, quais as conseqüências disso?

Alcir Pécora – Entre outras conseqüências, no jornal, a principal foi a predominância do release, do marketing, da divulgação editorial ligeira e interesseira sobre a análise detida das obras e a reflexão aprofundada sobre temas literários. Na universidade, a principal conseqüência foi a dificuldade de se lidar com objetos contemporâneos.

Moacir Amâncio – Nessa perspectiva, podemos pensar em várias coisas. Por exemplo: teríamos um salto de qualidade na produção crítica, cada vez mais restrita à universidade, com estudos feitos a longo prazo, etc. Isso existe em boa parte e a produção, publicada ou não, fica disponível aos estudantes e ao público interessado. O nó aí está na atualização, no debate do dia a dia, que é fundamental à atividade crítica. Certo, a crítica artística mais efetiva se dá nas próprias obras de arte que se vão sucedendo, mas a crítica escrita pelos críticos é uma espécie de cimento que vai juntando as partes implicadas no processo criativo, sobretudo leitor e autor.

Os jornalistas procuram cumprir seu papel dentro do mercado de comunicações, em matéria de informação, mas a função crítica fica defasada, há diferença de ritmo e com o tempo ela se torna um vácuo de pensamento. Além disso, os críticos universitários correm outro risco, o de se isolarem. E o isolamento é a morte do pensamento crítico, não? Em decorrência pode surgir um estranhamento entre as partes, quer dizer, os jornalistas passariam a ter uma visão distorcida dos universitários e vice-versa. Há pouco me pediram um artigo, mas olha, para banca de jornal e não para banca de tese, me lembraram para que eu não confundisse dois campos da minha experiência que no final se juntam, pois vejo a universidade como parte da mídia.

Paulo Franchetti – Não creio que a afirmação que embasa a pergunta seja inteiramente correta. Penso que a crítica literária permaneceu nos jornais, mas passou a ser exercida majoritariamente por profissionais ligados à universidade. E, do meu ponto de vista, a diminuição do espaço da crítica nos jornais também se pode atribuir ao desinteresse, para o público culto mas não especializado, do tipo de crítica acadêmica que acabou predominando no Brasil. Na minha opinião, o efeito imediato do convívio com os textos de crítica literária brasileira contemporânea é o tédio. O tédio e a constatação da sua dificuldade em tratar e avaliar o que é coevo por parâmetros que não sejam a continuação do consagrado no passado, ou a promessa de consagração futura. Ambas as atitudes pressupõem que a distância histórica é o filtro necessário para que haja uma correta apreciação estética. Mas como o próprio ideário da modernidade inclui a postulação de que as linhas de continuidade nem sempre triunfam e que o sentido vivo se produz pela ruptura, para a maior parte da crítica acadêmica, como também para os agentes de mercado, os produtos do presente são beneficiados pela dúvida, como se trouxessem sempre fresca uma marca de nascença, onde se lê algo como “sujeito a confirmação”. Por isso, na encenação da cultura, nos lugares onde ela se encena mais, como nos cursos universitários e nos jornais e revistas literárias, tudo se passa como se as pessoas cultas, por isso mesmo de serem cultas e quererem parecer cultas, fossem dispensadas de emitir julgamento negativo em forma definitiva, em forma escrita, sobre os produtos perecíveis do presente. A atitude preferencial quanto ao presente consiste numa constrangida suspensão do julgamento. E a paixão histórica da crítica, que debate calorosamente os erros e acertos do passado, erguendo e derrubando anátemas, quando se derrama sobre o presente apenas opera um reconhecimento do familiar, antes de mergulhar num ceticismo frio e algo desdenhoso.

Por isso, o que dá o tom da maior parte dos produtos da cultura literária contemporânea no Brasil é a glosa. Os produtores glosam, eles mesmos, na sua prática, as linhas dominantes do passado. Estabelecem filiações e as exibem na entrada dos seus livros. Explicam a extração erudita ou quase-erudita de uma palavra ou tema, numa nota posta em rodapé a um verso ou, o que é talvez pior, no verso seguinte. Trazem para dentro da sua prosa as pinceladas necessárias das teorias escolares. E com isso se tornam, mais do que objetos adequados, complementos voluntários e especulares da crítica acadêmica e sua derivação em registro baixo: a crítica jornalística, cada vez mais exercida por pós-graduandos, docentes ou aspirantes à docência acadêmica. Um bom exemplo do desinteresse desse tipo de perspectiva era a maioria da crítica publicada no extinto Jornal de Resenhas, da Folha de S. Paulo.

Ao mesmo tempo, há evidentes sinais do renascimento da crítica e da vivacidade polêmica que oxigenam a cultura. Um desses sinais é, por exemplo, o jornal Rascunho, feito em Curitiba por um punhado de críticos “amadores” e “irreverentes”. Exemplo de independência crítica, não espanta que intelectuais conservadores, ligados à universidade, tivessem a coragem de redigir um manifesto de repúdio a uma resenha na qual se questionava de um modo algo brutal, mas a meu ver com pertinência, porque se trata de um poeta bastante medíocre, a qualidade da poesia de Sebastião Uchoa Leite. Mas espanta muito que alguns intelectuais revoltados com a irreverência, num flerte com a barbárie, advogassem que se fizesse pressão sobre o patrocinador do jornal para que cortasse o subsídio e assim inviabilizasse a continuidade da vida do periódico.

Quero dizer, não se trata de a crítica desaparecer do jornal e migrar para a universidade: seria talvez mais próprio dizer que a crítica literária, a atitude crítica, minguou na universidade e, por isso, quando os acadêmicos ocupam o espaço destinado à crítica literária nos jornais, produzem de regra uma coisa híbrida e insossa, que não é bem crítica literária, e também não é rigoroso estudo acadêmico.

A crítica universitária está muito associada à tese acadêmica, que tem suas próprias leis e com freqüência a sua própria linguagem. Além disso, nem sempre chega aos leitores como produto editorial. Esse confinamento não pode levar ao colapso da crítica?

Alcir Pécora – O jargão acadêmico sempre restringe o número de leitores e demanda domínio de vocabulários especializados. Logo, inicialmente, não favorece o incremento de leitores. Mas não acho que seja a principal responsável pelo colapso da crítica. Esta se deve, em termos globais, à dificuldade contemporânea em se lidar com o fim da hegemonia dos paradigmas críticos produzidos durante o século 19 e 20 (marxismo, psicanálise, estruturalismo etc.), e, em termos nacionais, sobretudo ao engessamento produzido por uma perspectiva teórica hegemônica, centrada no modelo nacionalista e formativo formulado pelo modernismo paulista. Nos dois casos, a dificuldade principal é a de se fazer crítica não apoiada sobre prescrições analíticas, apriorísticas, às quais os mais distintos objetos de arte devam submeter-se necessariamente.

Moacir Amâncio – Pois é, essa questão da linguagem é muito séria. Como disse, a distância entre as partes cria o problema também aí. Por que uma dissertação ou tese não pode ser escrita em linguagem clara? O texto jornalístico passa a ser visto como meramente superficial, confundindo-se o que ele tem de bom, que é a objetividade, com uma falha de resto presente no jornalismo por causa da rapidez com que é feito. E o texto complicado pode passar por texto profundo, quando muitas vezes é apenas isto: mal escrito. E vemos na imprensa uma das conseqüências dessa distorção: publicam de vez em quando textos imensos e ilegíveis como se quisessem sanar aquele problema, por causa de uma espécie de complexo da superficialidade. É gol contra todos. Claro, há algo de positivo aí, coisas como essa mostram que de certa forma jornalistas estão preocupados e tentam reagir, embora errando o alvo. Falta calibragem. De qualquer modo, nada é irreversível. Há exemplos esporádicos de crítica digna do nome, o que falta é ritmo, seqüência. É preciso, como sempre disse, vontade política, com todas as implicações da expressão.

Paulo Franchetti – Penso que uma das características do trabalho acadêmico, quando se trata de crítica literária, é que a seleção dos objetos parece estar cada vez mais direta e explicitamente determinada pela sua adequação aos métodos, pressupostos e objetivos da análise. Isto é, parece-me que a qualidade postulada do objeto, na academia, facilmente se deixa confundir com a sua falta de resistência aos princípios de um método em particular. Uma decorrência de o julgamento tender a identificar-se com a questão metodológica é evidente: se a resultante do julgamento é positiva, seja pela adequação ou mesmo por conta de uma reação subjetiva (inconfessada ou inconfessável), há exteriorização crítica que se materializa num texto escrito; se é negativa, pode dar origem ainda a uma exteriorização crítica, mas esta terá sua melhor forma de realização na recusa à escrita.

E na medida que o crítico se reveste de maior poder cultural – seja pela sua força institucional, seja pela sua posição relativa no campo da cultura –, mais impositiva se torna essa regra, que é a regra de ouro da crítica contemporânea. A tal ponto, que o preceito de conduta prudente, transmitido de uma geração a outra, vai desdobrar-se em prescrição moral, pois abordar uma obra recém-lançada e apresentar as restrições sentidas na leitura passa a ser entendido quase como um ato de caráter privado, que é recebido ou como um repto aos detentores do julgamento favorável (único aceito como merecedor de explicitação escrita, quando o objeto é contemporâneo do crítico), ou como ofensa pessoal ao produtor. Desse conjunto de fatores díspares decorre o caráter repetitivo e anódino da grande massa de textos críticos, principalmente os que se situam nas duas pontas do espectro da produção contemporânea: os que se destinam à grande imprensa e os que se destinam às bancas universitárias.

Por outro lado, a resenha não dá conta da grande análise que descortinava cenários e até indicava caminhos, no estilo de um Edmund Wilson nos Estados Unidos ou de um Antonio Candido no Brasil. O que a literatura perde com isso?

Alcir Pécora – A “grande análise” era possível quando havia justamente o que mais parece perdido agora: modelos hegemônicos capazes de sustentar crenças naturalizadas como universais. A literatura, desse ponto de vista, perde a certeza de um ponto de vista racional e abrangente, iluminista e romântico, que se supunha suficiente para dar conta de sua função e forma de uma vez por todas, e, portanto, para se produzir como prescrição crítica. Hoje, sem fundamentos, sem natureza, sem processos hegemônicos de análise ou de determinação do real, estamos seguros apenas da contingência, o que inclui a literatura e a crítica. Perdemos, pois, a certeza, a missão, a finalidade, a paternidade, a transcendência de qualquer espécie. Isto é doloroso seguramente. Mas não é pior do que não ter uma vida própria, e ter apenas um pai amantíssimo. No meio do mar, perdido o lenho, talvez a inteligência seja obrigada a recobrar seu sentido de ato de descoberta.

Moacir Amâncio – A literatura perde a sua presença. Um romance, por exemplo, para se realizar como tal, precisa entrar na dinâmica da cultura: crítica, debate, leitura. Se isso não ocorre o autor fica neutralizado e o público entregue na melhor das hipóteses ao passado ou em busca de selos de garantia, como um prêmio. Veja só a tragédia chamada José Saramago. Um autor desigual, autor de livros que não se resolvem, praticante de um beletrismo atroz, vazio, pernicioso, cheio de pretensão, demagógico, tem a garantia Nobel. Alunos de nível médio são submetidos à tortura dos livros dele por causa disso, é uma referência e são poucas as oportunidades que a melhor crítica tem para discutir uma coisa como essas.

Então veja, o estudante acaba tendo de engolir essa gororoba que lhe é imposta como literatura de alta qualidade. Esse é apenas um exemplo e as conseqüências são imagináveis. Eu não tenho só pena desses estudantes, eu me preocupo com a literatura. Como você falou em Antonio Candido, me ocorre outra coisa, lembrando que se hoje o tecnicismo é uma ameaça geral, na universidade e fora dela, antes intelectuais ou aspirantes, políticos e aspirantes procuravam o jornal como meio natural de expressão. Candido é tido como um exemplo, um modelo de texto claro, inteligente, sensível, etc. E ele conta que obteve a receita de estilo numa redação de jornal, quando era jovem e seu editor lhe disse como deveria escrever. Simplicidade não é superficialidade e só pode ser obtida com muito exercício, agora o conteúdo depende da dedicação e da inteligência do autor. E este ponto me parece muito importante. Parecem esquecer que o texto crítico, o ensaio, é um gênero literário e para seu exercício, a pessoa deve ser antes de mais nada um escritor ou escritora.

Há algo muito complicado na universidade: muita gente confunde a dissertação de mestrado e a tese de doutoramento com trabalho escolar, nem todo mundo tem consciência de que está produzindo um texto que deve ser colocado à disposição da sociedade como parte do compromisso entre o intelectual e seu país. Não se trata de um esforço em busca “apenas” de um título para conseguir um cargo, melhorar o salário, se vender melhor. Sem compromisso o trabalho intelectual perde seu sentido. Um escritor pensa e sabe comunicar o que pensa. A universidade não pode se resumir a fábrica de trabalhos escolares cuja qualidade se mediria pela estatística. Há quem pense que o texto criativo é só poesia e ficção, mas o ensaio faz parte disso, é um texto criativo, artístico, com todos os riscos e desafios da ficção, da poesia. Basta lembrar o nome de alguns romancistas e poetas que também são ensaístas importantes, ou foram. Machado, Mário de Andrade, Oswald, Augusto Meyer, para ficar no Brasil. E Borges? E Paz? E Eliot?

Paulo Franchetti – Penso, ao contrário, que, no momento, se há um tipo de texto que dê conta da matéria viva e que possa apontar caminhos ao criador, esse texto é a resenha e não a tese ou o artigo publicado em revista universitária. O que há, para voltar ao mesmo ponto, é uma dificuldade da crítica universitária de lidar com os objetos do presente. E um despreparo da crítica jornalística para o fazer sem se constituir em imitação ou glosa descorada do discurso acadêmico. O problema é grave, pois não há um espaço de formação para esse profissional da cultura, capaz de se debruçar sobre um produto recém surgido e sobre ele se pronunciar de forma interessante. Aliás, um primeiro espaço desse tipo está sendo projetado para se constituir em breve, aqui mesmo na Unicamp, na forma de um curso de mestrado em jornalismo cultural, junto ao Labjor. Se tudo caminhar a contento, penso que teremos não só mais um fórum para a discussão dos impasses da crítica, mas, o que é realmente novo, o começo de um esforço conseqüente para remediar uma carência grave da cultura brasileira

Voltando ao tema do jargão. Russel Jacoby, que analisa o enquistamento da crítica americana em “Os Últimos Intelectuais”, atribui esse fenômeno à academicização dos críticos e à adoção de um “novo latim” para ser lido inter pares. Isso acontece também no Brasil?

Alcir Pécora
Não é o mais importante para a questão da crítica. Já disse antes que não temo o jargão, embora não costume usá-lo de modo ostensivo. A academicização ruim é a que mantém a cabeça satisfeita com os modelos envelhecidos, que já não fazem mais que repetir à exaustão suas velhas fórmulas, antigamente atraentes. Não há nada mais constrangedor do que velhas teorias empregadas como se tivessem o antigo poder de sedução de seus tempos de juventude. Quer dizer, por vezes, uma crítica especializada, com um vocabulário difícil, pode ser a melhor forma de crítica possível: aquela que se esforça para se retirar do esquema de velhos discursos, muito comunicáveis, muito compreensíveis, mas restritos a formulações banais.

Moacir Amâncio – Isso não pode ser jogado nas costas dos universitários. É fácil encontrar bodes expiatórios, mas veja, essas questões todas têm muitos aspectos diferentes e são um campo sem fim de discussão e análise, sempre surge algo novo, diferente, no setor teórico e no setor prático. Bem, um dos problemas está em que os jornais se tornam simples mercadorias. As questões sociais, políticas e culturais são instrumentalizadas em função dos interesses de mercado. Houve um tempo em que um lixo de jornal norte-americano chamado USA Today era apontado como modelo. Um jornaleco de noticinhas resumidas feitas para quem não quer ler, para o telespectador... Ora, imagine um jornal publicado para não leitores, não é uma contradição trágica e pateta, um tiro no pé? Certa vez, estava na conferência de um professor de jornalismo muito engraçado. Ele apontava como sinal positivo o fato de que hoje não existem (segundo ele) chefes de redação que são leitores de Proust, pois o perfil mudou, etc. E é disso que precisamos, de gente que não leia Proust. Que maravilha, não precisa ler Proust, Guimarães Rosa, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Jorge de Lima, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, Ferreira Gullar, etc. Que tal? Se o universitário fica isolado, neutralizado, o jornalista fica reduzido a um técnico de comunicação.

O que há, nessa linha, é o banimento da crítica. Claro, tentativas de retomada são sempre bem recebidas. Uma empresa vive do seu faturamento, mas uma empresa de comunicação precisa saber que seu capital está no futuro. Veja, o texto comunicativo estabelece o vínculo entre a obra e o leitor, o texto crítico contribui para a formação desse leitor, se o texto vem em linguagem cifrada acabou-se o vínculo, se o texto é superficial e até leviano, deforma: o formador de opinião que não pensa nem tem condições de avaliar apropriadamente o que leu, presta um desserviço. Ninguém, em sã consciência, tentará dar palpite sobre a música de Berlioz sem um conhecimento razoável, mas quase todo mudo acha que pode dar palpite sobre literatura e futebol. Existem saídas, claro. Tenho um exemplo meio radical, mas muito claro. Há certo tempo li uma resenha escrita por Carlos Fuentes, o romancista e ensaísta mexicano, sobre nova tradução para o inglês do D. Quixote, publicada no Book Review, do New York Times. Vejam: o jornal de língua inglesa contrata um grande nome como Fuentes, para escrever a resenha, a crítica, da tradução de um clássico do idioma castelhano para o inglês. Quanto tempo isso demorou, quanto custou, quem lê e avalia o peso disso?

Paulo Franchetti – Sim, acontece. Basta consultar os livros em que se reuniu a produção do já mencionado Jornal de Resenhas, e basta percorrer, nos finais de semana, os jornais de grande circulação.

A internet, com sua profusão de revistas eletrônicas e materiais culturais ainda caóticos, pode vir a ser um caminho novo para a recuperação da crítica de profundidade?

Alcir Pécora – Acho que não. Ela pode veicular futuramente crítica de profundidade, mas não é o que vai gerar essa crítica; isto depende do que disse antes: esforço de descoberta de formas de crítica não derivadas de velhos esquemas universalistas e prescritivos de análise, que já não encontram nenhuma sustentação verossímil.

Moacir Amâncio – Sou um entusiasta da internet, das revistas eletrônicas como um meio de democratização e de abertura cultural. Por exemplo, um estudioso produz um texto, um ensaio de 60 páginas sobre a obra de um novo autor. Por que esperar cinco anos, até ter um volume organizado para chegar ao público? Seu texto interessa a leitores, estudantes, estudiosos e autores, assim é que deve funcionar. Então, que torne o texto acessível e, veja, acessível a um número inimaginável de leitores dentro e fora do país. A dinâmica é outra.

Paulo Franchetti – Penso que sim. Na internet, a crítica pode se exercer de um modo novo: não há as terríveis limitações de espaço da imprensa escrita, o terror das 80 linhas, nas quais se deve dar conta de uma obra difícil ou um problema cultural muito complexo. E, principalmente, não há censura: o interesse de grupos acadêmicos, empresas editoras e alinhamentos políticos não consegue, como nos grandes órgãos de imprensa, dificultar ou inviabilizar a publicação de textos inconvenientes. No momento, a internet me parece um espaço privilegiado para a crítica. A mim tem atraído muito e tenho escrito resenhas e estudos críticos especificamente para publicação eletrônica, inclusive me dedicando a discutir com os autores, quando é o caso, o futuro de uma obra em progresso.

Alcir Pécora

Fotos: Antoninho PerriAlcir Pécora é professor livre-docente de literatura na Unicamp, onde leciona desde 1977. Autor de estudos a propósito de literatura colonial brasileira, e, em particular, do sermonário do Padre Vieira. Crítico e colaborador de jornais e periódicos científicos, no Brasil e no exterior. Entre suas publicações, destacam-se: “Teatro do Sacramento” (Edusp/Editora da Unicamp, 94); “Máquina de Gêneros” (Edusp, 2001); “As Excelências do Governador” (Companhia das Letras, 2002); “Rudimentos da Vida Coletiva” (Ateliê, 2003). Organizou dois volumes de “Sermões” (Hedra, 2000/ 2001), além das antologias “A Arte de Morrer” (Nova Alexandria, 1994) e “Escritos Históricos e Políticos” (Martins Fontes, 1995), todos a propósito da obra de Vieira. Foi curador da edição de vários lançamentos da Editora Martins Fontes a respeito de autores italianos dos séculos XVI e XVII: “O Cortesão”, de Baldassare Castiglione; “Galateo”, de Giovanni Della Casa; “A Dissimulação Honesta”, de Torquato Accetto; “Da Infinidade do Amor”; organizou a antologia “A Arte de Conversar”, que reúne escritos franceses seiscentistas. É organizador da edição das obras completas de Hilda Hilst pela Editora Globo.

Moacir Amâncio

 Foto: Paulo Pepe/DivulgaçãoMoacir Amâncio, atual professor de língua e literatura hebraica da Universidade de São Paulo, atuou durante muito tempo no jornalismo cultural, como repórter, redator, editor e articulista em diversas publicações, sobretudo no Estado de S. Paulo. Também é escritor e publicou, entre outros livros, “Contar a Romã” (Globo, poemas) e “Dois Palhaços e Uma Alcachofra” (Nankin, ensaio).

Paulo Franchetti

Fotos: DivulgaçãoPaulo Franchetti é professor de Teoria Literária do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp. Publicou, entre outros livros, o estudo “Alguns aspectos da teoria da poesia concreta” (Editora da Unicamp, 1992), a edição crítica da “Clepsydra”, de Camilo Pessanha (Relógio d’Água, 1995), a edição comentada de “O Primo Basílio”, de Eça de Queirós (Ateliê, 1998), o ensaio “Nostalgia, exílio e melancolia – leituras de Camilo Pessanha” (Edusp, 2001). Sua produção literária compreende, entre outros, o livro “Haicais” (Massao Ohno, 1994) e a novela “O sangue dos dias transparentes” (Ateliê, 2003) Desde 2002, dirige a Editora da Unicamp.

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