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Revolução silenciosa
Programas de assistência à família estão mudando a lógica do
sistema de saúde no Brasil, que privilegia a medicina curativa

JOSÉ PEDRO MARTINS

ma revolução silenciosa, em termos filosóficos e operacionais, vem sendo implantada na área de saúde no Brasil. São as mudanças de paradigma provocadas pelos conceitos que caracterizam a Atenção Básica à Saúde, um conjunto de medidas sustentado por dois vértices principais: o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs) e o Programa de Saúde da Família (PSF).

“A Atenção Básica à Saúde está mudando a lógica do sistema no País”, defende o médico Luiz Carlos Zeferino, diretor-executivo do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism) da Unicamp. Zeferino é coordenador do grupo de trabalho montado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) para discutir e multiplicar os conceitos e técnicas associados à Atenção Básica.

O grupo de profissionais da Universidade, que recebe apoio integral da Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários, vem tendo participação estratégica no Pólo de Capacitação, Formação e Educação Permanente em Saúde da Família da Região de Campinas. Fruto de uma parceria entre Ministério da Saúde, Secretaria de Estado e Secretarias Municipais de Saúde, além de cinco universidades, o Pólo já foi responsável pelo treinamento de 1.230 alunos, entre médicos e outros profissionais.
Os médicos da Unicamp estão se preparando, agora, para intensificar suas ações por meio da capacitação de nada menos que 1.800 profissionais da rede básica de Campinas. Com a qualificação dos agentes da cidade-sede da mais nova região metropolitana brasileira, a expectativa é de que esses conceitos sejam ainda mais disseminados na área de influência do Pólo de Capacitação.

Nova lógica – O diretor do Caism observa que o atual sistema de saúde privilegia o atendimento, por um médico especialista, quando a pessoa já está doente. “Pela lógica do sistema vigente, somente quando um idoso apresenta sintomas avançados de pressão alta ou de diabetes, por exemplo, é que o problema é detectado pelo médico que atende em determinado centro ou posto de saúde. Ou seja, já pode ser tarde demais”, alerta.

Já o sistema de Atenção Básica, fundado na atuação do agente comunitário e no médico de família, propicia a identificação de uma possível doença quando ela ainda está no começo, ou mesmo quando nem se manifestou. “A saúde é vista como a soma de vários ingredientes. Por isso, o modelo propicia a discussão de questões como o saneamento básico em um bairro enquanto fator de indução de doenças”, acrescenta a médica Ana Maria Franklin de Oliveira, assessora da FCM para o Programa de Saúde da Família.

Zeferino nota que a transição do sistema de atendimento tradicional para o de Atenção Básica à Saúde não vem sendo conduzida sem controvérsia. Pelo contrário, existem hábitos muito arraigados, derivados do modelo adotado nos últimos 40 anos no Brasil, que ainda geram fortes resistências entre profissionais do setor.
Historicamente, o sistema privilegia a medicina intervencionista, curativa, com o poder nas mãos dos médicos especialistas. Este molde foi sendo estabelecido ao longo da existência dos antigos IAPs (Institutos de Aposentadoria e Pensões) e, no regime militar, do INPS, caracterizado por uma estrutura administrativa centralizada, “com decisões tomadas e praticadas de cima para baixo”, como lembra o diretor do Caism.
Mudanças nessa estrutura administrativa foram verificadas a partir do final dos anos 70, coincidindo com o início da chamada abertura política. A estrutura foi sendo aos poucos descentralizada e, principalmente nas grandes cidades, apareceram os primeiros centros e/ou postos de saúde para atuar junto a populações de determinados bairros.

Descentralização – Entretanto, salienta Luiz Carlos Zeferino, a descentralização do atendimento continuou privilegiando a medicina curativa, feita pelo especialista, “que tem em média 15 minutos para atender uma pessoa e depois passa para a outra consulta”. Esse tipo de assistência, sustenta, não propicia a criação de vínculos entre médico e paciente. “O médico não conhece a real história de vida de quem é atendido, não sabe onde ele mora e em quais condições, o que pode ser fundamental para explicar uma doença”, acrescenta Ana Maria.

A “mudança de lógica” enfatizada pelos profissionais da Unicamp começou a ser verificada quando, a partir de meados da década de 80, se fortaleceu a vinculação entre saúde e as condições gerais de vida da população. Surgiram então as primeiras experiências dos agentes comunitários de saúde, pessoas em geral originárias das próprias comunidades e que passaram a receber capacitação para ações básicas na área.

“O agente comunitário é fundamental em um sistema de Atenção Básica, é o elo entre a comunidade e o médico”, sublinha Ana Maria. O primeiro estado brasileiro que assimilou oficialmente a atuação dos agentes comunitários como fundamentais foi o Ceará, entre o final dos anos 80 e primeira metade da década de 90. Depois, a atuação descentralizada, fundada na atuação conjunta e harmônica dos agentes comunitários, enfermeiros e clínicos gerais, foi sacramentada em termos nacionais com a criação, em 1998, do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e Programa de Saúde da Família (PSF), sob coordenação do Ministério da Saúde.

Continua ...

 

 

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