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O alerta que vem das plantas
Cobertura vegetal é usada para detectar
vazamentos em dutos de petróleo e derivados

CARMO GALLO NETTO

Os sistemas de monitoramento utilizados para a detecção de grandes vazamentos em dutos que transportam petróleo e derivados não permitem identificar pequenas e progressivas perdas. A localização das pequenas ocorrências é usualmente realizada através de inspeção visual, precária não só por causa da localização das redes, mas principalmente devido à dificuldade de identificá-los. A demora nos diagnósticos, além de levar à degradação do meio ambiente, cuja recuperação se revela custosa e muitas vezes demorada, pode gerar problemas sérios de saúde nas populações atingidas.

Pesquisa desenvolvida pela bióloga Giuliana Clarice Mercuri Quitério mostra que é possível utilizar a luz refletida por espécies vegetais plantadas próximas às tubulações para a detecção precoce de pequenos vazamentos em dutos que transportam hidrocarbonetos. A refletância da vegetação pode ser utilizada como auxílio na detecção de anomalias ocorridas no sistema solo-planta, denominadas geobotânicas, causadas pela presença de hidrocarbonetos líquidos. No estudo, que ganhou na categoria doutorado o Prêmio Petrobras de Tecnologia (edição 2010-2011), considerado o mais importante da indústria de petróleo no país, Giuliana compara a variação espectral, no intervalo do visível e infravermelho do espectro eletromagnético, da luz refletida por plantas sadias com plantas que se desenvolvem em solos contaminados por vazamentos de gasolina e diesel, em particular.

Além disso, por meio da identificação de alterações na composição bioquímica dos vegetais, a pesquisadora mostra que, nas duas situações diversas, modificações das feições espectrais da luz refletida pelas plantas em determinados comprimentos de onda estão relacionadas a alterações fisiológicas decorrentes da contaminação do solo. A tese de doutorado, apresentada ao Departamento de Geologia e Recursos Naturais do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp e orientada pelo professor Carlos Roberto de Souza Filho, titular de Sensoriamento Remoto, e coorientada pelo professor Teodoro Isnard Ribeiro de Almeida (IG-USP), abre possibilidade de estudos mais amplos, que permitirão a utilização de sensores em aviões ou helicópteros para o monitoramento das linhas de tubulação. Os avanços tecnológicos permitem vislumbrar ainda a possibilidade futura de utilizar o sistema em satélites.

A pesquisadora lembra que os hidrocarbonetos contidos no petróleo e derivados, além de causar impactos ambientais de reversão demorada, podem em longo prazo acarretar prejuízos humanos. Vazamentos de gasolina e óleo diesel, dependendo do tempo de exposição, causam desde náuseas até câncer. Por isso, a detecção precoce dos vazamentos de pequeno porte torna-se imperativa com vistas à minimização do risco de acidentes humanos e danos ambientais que podem ocorrer despercebidos ao longo de meses ou até anos.

O abastecimento de petróleo e derivados através de dutos interliga campos de produção, estações intermediárias e coletoras, terminais e centros de distribuição. No Brasil, são onze mil quilômetros de dutos, distribuídos por 26 linhas, que se concentram principalmente nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Por eles fluem petróleo, cerca de trinta tipos de hidrocarbonetos, com destaque para as misturas que compõem a gasolina e o óleo diesel. A rede atravessa regiões habitadas e locais de elevada sensibilidade ambiental, como manguezais, fontes de abastecimento de água potável, mananciais e outras áreas de proteção ambiental.

Mesmo implantados por meio de projetos que levam em consideração as variáveis ambientais a que serão expostos, os dutos podem ter sua integridade comprometida, principalmente por variações drásticas de pressão e temperatura, e virem a apresentar pequenos vazamentos imperceptíveis aos equipamentos de monitoramento. O problema é agravado no País pelo fato de que boa parte da rede, instalada a partir de 1942 e expandida nos anos 50, ainda permanece ativa, o que a torna mais vulnerável.
Embora as tecnologias atualmente empregadas possibilitem o monitoramento diuturno de grandes vazamentos, as atenuações que o sinal do vazamento sofre ao longo do duto tornam esses sistemas de monitoramento, que utilizam a detecção da queda de pressão e vazão, ineficientes nos casos de pequenas ocorrências.

Simulação
O professor Carlos Roberto explica que o trabalho de Giuliana se ateve à simulação do processo em escala de laboratório (greenhouse), em que as variáveis puderam ser controladas de forma a permitir a identificação de respostas diferenciadas da vegetação face à contaminação de hidrocarbonetos. Nessa fase, a pesquisa recebeu financiamentos do CNPq/CTPetro e da Petrobras. Foi realizada em ambiente semicontrolado nos campos experimentais do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPqBA) da Universidade, com a colaboração de Marcos Nopper Alves (CPqBA), Wilson José de Oliveira e Lis Maria Leoni Rabaco, profissionais da Petrobras.

A parte experimental compreendeu um estudo em lisímetros em que foram utilizados fluxos forçados de gasolina e diesel no solo, de forma a reproduzir em escala reduzida o sistema solo-vegetação por onde passam os dutos de transporte que podem apresentar vazamento de pequeno porte, ou seja, inferiores a 1% da capacidade de vazão do duto. Os promissores resultados obtidos levaram à fase atual, desenvolvida em escala real também no CPqBA, por uma equipe de pesquisadores mais ampla, que procura desenvolver um método robusto para detecção remota de vazamentos, sem que haja necessidade de caminhar pelo duto utilizando observações estritamente visuais.

Giuliana considera que os objetivos principais de sua pesquisa foram atingidos: descobrir como vazamentos em pequena escala afetam a planta e que respostas diferenciadas ela teria em relação a outros fatores que podem também afetá-la como agrotóxicos e falta de água, por exemplo. A ausência de protocolo para esse tipo de estudo, complexo porque envolve muitas variáveis, levou os pesquisadores a desconsiderar vários experimentos de modo a chegar às condições corretas para as medidas, de forma a estabelecer um protocolo que permitisse assegurar a reprodução da situação real. O professor Carlos Roberto enfatiza que, diferentemente do que acontece na caracterização de minerais, um sistema constituído de matéria viva é muito complexo. Nesse caso, ocorrem modificações na composição do solo e da vegetação, na quantidade de água contida nesses sistemas, etc, que tornam as variações muito diversificadas e dinâmicas.

Para a pesquisadora, o trabalho é bastante importante porque ainda não foram produzidos experimentos e resultados equivalentes aos seus no Brasil e no exterior: “Nossas conclusões mostram que parece haver uma resposta específica das plantas à presença de hidrocarbonetos. Essa resposta se manifesta na faixa do infravermelho de ondas curtas do espectro e se revela seletiva e distinta de outros estresses que podem atingir mais rotineiramente as plantas”. Além das análises espectrais, Giuliana identificou também transformações bioquímicas nas plantas submetidas à contaminação, que permitiram identificar alterações em suas fisiologias e explicar as causas das respostas espectrais observadas na vegetação estressada pelos hidrocarbonetos.

As alterações fisiológicas das plantas em razão da presença de hidrocarbonetos ocorrem de forma geral, afirma ela, com a perda de pigmentos fotossintetizantes (clorofilas) e queda no teor de água e de assimilados, como amido, açúcares, gorduras e proteínas. Morfologicamente, as plantas passam a apresentar menor densidade e altura quando comparadas às que não sofrem efeitos dos hidrocarbonetos.

Ineditismo
Ao se remeter a trabalhos existentes em outros países, a pesquisadora lembra que a existência de 200 mil km de dutos na Europa levou à criação, em 2004, de um projeto da União Europeia para estudar a aplicação de sensoriamento remoto no monitoramento de dutos de hidrocarbonetos, que ensejou acompanhar o desenvolvimento de vegetação com contaminação de gás natural. Entretanto, diz ela, “estudos sobre o vazamento de hidrocarbonetos líquidos, como gasolina e diesel, são raros ou inexistentes na literatura e nesse contexto a nossa pesquisa apresenta elevado grau de ineditismo”. Ademais, grande parte dos experimentos baseados em vazamentos de gás utiliza alta dosagem num curto período, o que difere das características de pequenos vazamentos, muito mais comuns e de difícil detecção. “Daí a relevância dos nossos experimentos”, acrescenta.

Em relação às culturas, a pesquisadora optou por duas espécies vegetais perenes, uma gramínea (Brachiaria brizantha) – uma branquearia que é um capim muito utilizado em pasto, e uma leguminosa (Neonotonia wightii) – uma soja perene, mais sensível à ação dos hidrocarbonetos. Utilizou variáveis resistentes dessas espécies porque “se espécies mais fortes respondem à contaminação as mais delicadas certamente também o farão”, afirma. Utilizou também uma árvore (Eucalyptus), um eucalipto, que apresenta uma resposta mais demorada à contaminação do solo. O longo ciclo desta planta e sua robustez não a privilegiam como bioindicadora de vazamentos de hidrocarbonetos. A preocupação foi a de selecionar espécies que respondem com mais presteza à contaminação e determinar em que parte do espectro eletromagnético se manifesta.

O professor Carlos Roberto diz que, “embora muitas vezes a planta apareça verde, sem nenhuma alteração importante no espectro visível, suas propriedades de reflectância no espectro infravermelho, invisível para o sistema visual humano, já se encontram substancialmente alteradas”. Ou seja, a ideia foi detectar o problema prematuramente, antes que o mesmo seja visualmente identificável, reduzindo o desdobramento dos riscos relacionados à contaminação abundante. Esse foi, segundo ele, o principal breakthrough ou avanço científico proporcionado pela pesquisa, desde sua concepção. Para as medidas de laboratório e no campo foi utilizado um sensor portátil que cobre comprimentos de onda do visível ao infravermelho de ondas curtas (entre 0.4-2.5 microns) com mais de duas mil bandas ou canais espectrais.

Giuliana conclui dizendo que merece destaque a possibilidade de detecções espectrais e bioquímicas antes das visuais. Neste particular, distingue as alterações na região de ondas curtas do infravermelho e as modificações na metabolização dos açúcares, compostos de sacarose da planta. Ao comparar esses efeitos na gramínea e na leguminosa percebeu comportamentos diferentes: “A gramínea estoca a sacarose para acumular energia que a permite sobreviver depois do estresse induzido pelos hidrocarbonetos, ao passo que a soja utiliza mais prontamente a sacarose para sobreviver”. Segundo a pesquisadora, as alterações nos açúcares evidenciam a ação especifica dos hidrocarbonetos, mesmo que estejam ocorrendo outros tipos de estresses, o que não fora ainda descrito na literatura. Por outro lado, a perda de pigmentos pode ser constatada na região espectral do visível.

Publicação
Tese de doutorado:
“Uso da reflectância da vegetação como possível ferramenta de auxilio na detecção de anomalias geobotânicas causadas pela presença de hidrocarbonetos líquidos”
Autora: Giuliana Clarice Mercuri Quiterio
Orientadores: Carlos Roberto de Souza Filho e Teodoro Isnard Ribeiro de Almeida (coorientador)
Unidade: Instituto de Geociências (IG)
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