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O grande acampamento
Jovens sem-terra ‘invadem’ Ginásio da Unicamp
no quarto Curso sobre Realidade Brasileira


CARLOS TIDEI

A proximadamente mil jovens sem-terra transformaram as arquibancadas do Ginásio de Esportes da Unicamp em um grande acampamento, durante o 4º Curso sobre Realidade Brasileira promovido pelo Movimento Sem Terra (MST), de 27 de janeiro a 6 de fevereiro. Em dez dias, o encontro reuniu filhos de trabalhadores rurais assentados ou acampados de todas as regiões do país, numa maratona de palestras e debates sobre a questão agrária.

A primeira impressão é a dos grandes festivais de música da década de 70, com centenas de jovens de aparência saudável reunidos em grupos e conversando animadamente entre mochilas, colchonetes e roupas e toalhas penduradas para secar. Além do cenário, que inclui pôsteres de personagens idolatrados, painéis alusivos ao Movimento Sem Terra e faixas com citações políticas e palavras de ordem, também se entoa hinos e músicas de conteúdo igualmente politizado, que os jovens conhecem e cantam juntos.

As diferenças, no entanto, superam as semelhanças com os festivais. Elas ficavam evidentes nas roupas simples e despojadas (camisetas, bermudas e chinelos de dedo) e nos temas das rodas, freqüentemente sobre formas de luta política e realidade social brasileira. A liberdade é limitada, com regras que proíbem álcool e fumo, e até o acesso e saída de pessoas do local em determinados momentos. No lugar das flores e cores berrantes que enfeitavam os hippies, bonés e camisetas vermelhas com o símbolo do MST.

A cultura é seletiva. Eles são ensinados a desprezar o consumismo das elites e músicas vulgares como o Tchan e o funk do Bonde do Tigrão, mas cantam Raul Seixas e enaltecem letras de rap dos Racionais MC´s e Gabriel O Pensador. As letras das músicas próprias do movimento convocam para a guerrilha e enfrentamento, com o objetivo de acabar com o capitalismo, o latifúndio e a burguesia. O lema é ocupar, resistir, produzir.

A organização impressiona. Sob normas rígidas de disciplina, não há sujeira e o comportamento do público é exemplar e coordenado: fica em silêncio absoluto quando é preciso e se manifesta ruidosamente quando solicitado: “Pátria Livre”, provoca o locutor; “Unidos venceremos”, responde o coro de jovens. “Reforma Agrária”, reforça; “Por um Brasil sem latifúndio”, rebate a massa. O mesmo procedimento é adotado – com todos em pé e brandindo o punho esquerdo cerrado – nos intervalos das palestras, algumas vezes fazendo uma espécie de jogral com outras brigadas (como são chamados os grupos de estudos). Os gritos de guerra incluem a combinação das palavras união, reforma agrária e revolução.

“No ano passado vieram 1.449 jovens, mas o espaço ficou apertado para tanta gente. Até agora já temos perto de 800 militantes”, explicava Adelar Pizetta, coordenador do setor de Formação do MST e da Escola Nacional Florestan Fernandes, na abertura do evento. Delegações de alguns estados ainda estavam para chegar. Neste ano não vieram grupos de Alagoas, Espírito Santo e Amazonas. Mas todos os outros estados fizeram-se presentes.

Pedra a pedra – O reitor Hermano Tavares, que abriu as portas da Unicamp para o evento pelo quarto ano consecutivo, parabenizou os jovens pela beleza do espetáculo de abertura: com o ginásio às escuras, acederam velas e formaram, com serragem, o mapa do Brasil no meio da quadra. Depois, enquanto as luzes voltavam gradativamente, sempre com narração de fundo, outro grupo colocou uma pequena barraca de plástico preto em cada um dos estados, simbolizando as ocupações. O mapa era semeado e logo dava frutos, flores e plantas, colocados ao lado das barracas. No final, após uma procissão de velas em torno do mapa, a inscrição com grandes letras de papelão: “Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – Brasil”.

“Esta é uma oportunidade para que jovens que têm dificuldades de ingressar na universidade adquiram o conhecimento do que significa a realidade brasileira. Nesse mesmo momento, está acontecendo em Porto Alegre o Fórum Social Mundial, discutindo os problemas, as injustiças, dificuldades e empecilhos ao desenvolvimento do nosso povo. Temos certeza de que esses movimentos não se fazem por acaso. Fazem parte de uma vontade democrática do povo brasileiro, no esforço de melhorar e aperfeiçoar as relações e o fruto do trabalho. Pedra a pedra, nós construiremos base sólida de maior condição social para todos”, discursou o reitor.

Também recepcionaram os participantes, a prefeita de Campinas, Izalene Tiene, Roberto Teixeira Mendes, pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários, Alvaro Penteado Crósta, pró-reitor de Desenvolvimento Universitário, Carlos Roberto Fernandes, administrador do Ginásio, e José Vitório Zago, da Adunicamp.

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`Que o tabu não seja ressuscitado´

O MST não deve desistir dos cursos realizados na Unicamp para jovens do meio rural, apesar da mudança de Reitoria em abril próximo. Este foi o conselho do professor Alvaro Penteado Crósta, pró-reitor de Desenvolvimento Universitário, que falou no encerramento do evento em nome do reitor Hermano Tavares. Citando também o pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários, Roberto Teixeira Mendes, Crósta lembrou que cabe ao MST manter os entendimentos com os novos gestores, não só referentes aos cursos atuais como a novas parcerias.

Este foi o quarto encontro de jovens rurais, no quarto ano desta gestão da Unicamp, o que não é uma coincidência, segundo observou o pró-reitor. “Esta é a expressão da vontade política desta administração em abrir a Universidade para o MST. Houve outras tentativas anteriores que não vingaram, mas que comprovam nosso desejo de contribuir com o movimento”. O professor lembra que esta contribuição não se deu sem custo para a administração, se lembradas as muitas críticas por parte da imprensa e da comunidade acadêmica, que não conseguiram compreender a importância da abertura da Universidade para esses jovens do campo.

Em 11 de julho de 1999, ano do primeiro curso, o reitor Hermano Tavares reagiu assim aos ataques do jornal Folha de S. Paulo: “É prática da universidade pública, instituição pluralista e democrática, abrir-se a todos os segmentos organizados da sociedade. Entendemos que os recursos da universidade pública devem ser utilizados para apoiar o desenvolvimento social, formando cidadãos que, no caso dos jovens do MST, jamais teriam acesso ao benefício do ensino que a universidade pública oferece”, dizia a carta, lida por Crósta durante o encerramento do encontro.

Tais críticas, porém, ocorreram apenas no primeiro evento. “A imprensa mudou o foco nos cursos seguintes e não mais criticou. Creio que isso mostra que estávamos certos ao fazermos a parceria. Um tabu foi quebrado e vamos torcer para que não seja ressuscitado”, disse Crósta. Ele destacou o papel de seu antecessor na PRDU, professor Luís Carlos Guedes Pinto, cuja atuação foi essencial para a parceria entre MST e Unicamp.

“De nossa parte, como membros da comunidade acadêmica, estaremos sempre prontos a prestar o nosso apoio para que esses encontros continuem ocorrendo”, acrescentou. Para o pró-reitor, a luta do MST pela distribuição de terras é uma parte muito importante da luta por justiça social no Brasil. “E a forma mais eficaz de investir nesta luta é por meio da formação da juventude do MST, com o que a Unicamp está contribuindo”.

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