Clima pode ter facilitado migração de hominínios da África para a Ásia

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O professor Francisco Ladeira, do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da Unicamp, partiu no último sábado (21) rumo à Jordânia para participar de um projeto internacional que pretende identificar as condições climáticas e ambientais em que viviam os primeiros hominínios que saíram da África em direção à Ásia há mais de 2 milhões de anos. A equipe, liderada por Giancarlo Scardia, do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Universidade Estadual Paulista "Julio de Mesquita Filho" (Unesp), passará duas semanas no Vale do Zarqa. O docente fará registros da expedição para o site da Unicamp.

Recentemente, foi relatada a presença de um hominínios pré-erectus na Ásia há cerca de 2 milhões e meio de anos, o que corrobora a ideia de que o gênero Homo encontrou condições favoráveis para ocupar outro continente caraterizado por habitats diferentes. Esse movimento rumo à Ásia e seus efeitos sobre o homo sapiens são importantes para a evolução humana. O projeto pretende colaborar no entendimento de como hominínios de clima subtropical conseguiram se adaptar a climas mais áridos das latitudes médias da Asia e como eram os habitats que permitiram que eles se adaptassem e sobrevivessem no novo continente. 

Escavação em paredão do Vale do Rio Zarqa
Escavação em paredão do Vale do Rio Zarqa

De acordo com Ladeira, Scardia já trabalha há algum tempo na área. A identificação recente de material lítico de hominínios na China trouxe um problema para a cronologia da saída dos primeiros hominínios da África. “No trabalho anterior, eles identificaram um material que datou aproximadamente 2,5 milhões de anos. O mais recente data 2,1 milhões de anos. A ideia central desta fase do projeto é de retornar à área e tentar identificar quais eram as condições ambientais em que esses grupos viviam”, afirma o pesquisador da Unicamp. Ele explica que “é bastante improvável que o clima atual da área fosse receptivo para que ocorressem migrações desses grupos da África para a Ásia e depois para a Europa. O questionamento chave é identificar as condições ambientais que permitiram que esses grupos saíssem da África e alcançassem a Ásia”. 

Ladeira foi convidado para trabalhar com paleoambientes. O docente é especialista em paleopedologia, que é o estudo de solos antigos que registram o passado e dos processos que acarretaram as paisagens atuais. As características do solo são o resultado da interação de todos os elementos do ambiente. “Quando temos um perfil de solo, identificamos o resultado da interação da biosfera com a litosfera, com a atmosfera e com a hidrosfera”, explica o docente. A partir do perfil de solo de Zarqa, que se desenvolveu há dois milhões de anos, Ladeira tentará desvendar quais eram as condições ambientais daquele período — como eram tais esferas. “A partir dessa análise, é possível saber qual era a média de precipitação, a temperatura média anual, a cobertura vegetal… É possível traçar um paralelo entre quais eram as condições que existiam naquele momento, seja de cobertura vegetal, seja de clima, e as condições em que esses hominínios conseguiram sobreviver”, explica. Segundo Ladeira, as condições daquele período eram bem diferentes das condições atuais. 

Em Zarqa, Ladeira seguirá sua rotina normal de atividade de campo: abrir o afloramento, coletar a amostra do solo e limpá-la para, enfim, fazer uma descrição detalhada.  “Um perfil de 10 metros de espessura, por exemplo, pode ser trabalhado em até três dias inteiros. Fazemos uma descrição típica dos detalhes da pedologia, como cor e textura (relação entre areia e argila), e observamos as estruturas que esse solo possui”, explica. A partir da descrição, são coletadas amostras que serão analisadas em laboratórios na Unicamp e na Unesp. Serão feitas análises físicas e químicas, de identificação de granulometria — areia, silte, argila — e difração de raio-x, que pode apresentar inferências sobre o tipo climático daquele período. Uma análise em microscopia revelará os minerais que estão no tamanho areia e silte e o comportamento das argilas — esta auxilia na identificação da quantidade de água disponível e se há concentração de carbonato ou sulfato de cálcio. “Esse conjunto de informações coletadas em campo e as análises em laboratórios nos permitirão fazer inferências de quais eram as condições ambientais vigentes há mais de dois milhões na área, associados à migração desses hominínios”, explica Ladeira. 

Lascas de pedras encontradas no Vale de Zarqa feitas por hominídeos
Lascas de pedras encontradas no Vale de Zarqa feitas por hominídeos

Esta será a primeira visita de Ladeira à Jordânia, área que apresenta semelhanças de clima com locais em que o docente já trabalhou. Para o pesquisador, esta será uma experiência interessante. “Será a primeira vez que estarei em campo com alguns desses pesquisadores. Trocar experiências é algo muito enriquecedor, que permite um crescimento”, diz. Estarão na expedição os arqueólogos Fábio Parenti, da Universidade Federal do Paraná, que trabalhou muito tempo com Niede Guidon na Pedra Furada — um dos sítios mais antigos do Brasil, localizado no Piauí —, e Walter Alves Neves, da USP, que descreveu Luzia — os restos humanos mais antigos no território nacional. Também participam pesquisadores da Unesp, da University of Jordan (Jordânia), da Université Lyon 2, da Université de Lorraine (França), da Oregon State University (EUA), do Argon Geochronology Laboratory (EUA), da Geological Survey of Israel (Israel) e do  British Geological Survey (UK). 

O Vale do Zarqa fica a poucas dezenas de quilômetros de Israel. Ladeira explica que os pesquisadores estão pouco apreensivos quanto à guerra. “Não é uma preocupação muito grande ou efetiva. Minha preocupação é se e como vai ocorrer a invasão da faixa de Gaza e a reação dos países árabes”, diz.

Leia matéria publicada pela Revista Pesquisa Fapesp, em 2019:

Achado na Jordânia indica que homem pode ter saído da África 400 mil anos antes do que se pensava

Desembarcando na Jordânia

Saímos do Brasil às 20h10 da noite de sábado, dia 21, e chegamos ao local onde ficaremos já no domingo à noite. Foram quase 22 horas de viagem. Foi tudo muito tranquilo – viajamos até Doha (Catar) e de Doha até Amã (Jordânia). O que efetivamente chamou a atenção é que, quando já estávamos chegando a Amã, localizada fica bem próximo da fronteira israelense, foi possível ver alguns clarões, como se fossem flashs – na realidade, tratava-se dos bombardeios sobre a Faixa de Gaza. Vimos mais clarões para o norte, decorrentes provavelmente de ataques contra o sul do Líbano. Já estamos alojados em um apartamento e começamos os trâmites burocráticos.

Nesta segunda, 23/10, fomos bem cedo ao Departamento das Antiguidades da Jordânia porque precisamos ter uma autorização para fazer as escavações previstas na atividade de campo. Também pagamos uma taxa porque haverá um funcionário desse departamento que vai nos acompanhar todos os dias.

Em seguida, estivemos na Embaixada do Brasil em Amã. O embaixador Marcos Fagundes do Nascimento nos recebeu. Relatamos todas as atividades previstas durante esse período de pesquisa de campo. Devemos retornar à embaixada no final da expedição e há a possibilidade de o embaixador fazer-nos uma visita na área das esvações – no Vale do Zarqa. Ele foi bastante receptivo e disse que poderia nos auxiliar em qualquer questão que enfrentemos durante esse período aqui na Jordânia, inclusive fazendo contatos com outras universidades. E também deu algumas dicas e informações no que se refere à segurança, nos alertando para evitar ao máximo chegar perto da fronteira com Israel. (Por Francisco Ladeira)

Assista ao vídeo da chegada do avião com os integrantes da expedição em Amã e as explosões na Faixa de Gaza:  

Confira as primeiras imagens captadas por Ladeira:  

O professor Francisco Ladeira em frente a embaixada do Brasil em Amã, Jordânia (foto: arquivo pessoal)
Imagem do Bairro de Zarqa, local em que está o sítio arqueológico (Foto: arquivo pessoal)
Prédio mais alto é o local que os integrantes da expedição estão hospedados (foto: arquivo pessoal)
Minarete de mesquita de refugiados chechenos (foto: arquivo pessoal)
Imagem de capa
Visão geral do Vale de Zarqa, onde estão os sítios estudados na Jordânia (Foto: Acervo pessoal Giancarlo Scardia/Unesp)

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