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Dispositivo portátil identifica presença de mercúrio no ar

Amostrador pode ser aplicado para monitorar a exposição de trabalhadores de minas ao metal

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Pesquisadores da Unicamp, em parceria com a Universidade de Victoria (Canadá) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), desenvolveram um amostrador capaz de medir a quantidade de mercúrio presente no ar e, assim, verificar se uma determinada área está contaminada com o metal. Enriquecido com nanopartículas de ouro em vidro poroso, o dispositivo tem o tamanho de um botão e, em contato com o mercúrio, tem sua coloração modificada.

A tecnologia pode auxiliar no controle da saúde da população que reside no entorno de regiões onde há mineração de ouro. A ideia é que os trabalhadores do setor de mineração passem a utilizar o dispositivo acoplado a suas roupas. A pesquisa foi divulgada, no último dia 28 de novembro, pelo periódico científico Scientific Reports, publicação do grupo Nature.

Embora o foco da tecnologia seja a contaminação presente no ar, ela poderia ser utilizada, por exemplo, para avaliar a exposição ao mercúrio de populações que vivem ao redor do Rio Xingu, na região Amazônica. Uma pesquisa conduzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Instituto Socioambiental (ISA) constatou que algumas aldeias indígenas chegam a ter 92% de sua população contaminada por mercúrio.  Neste caso, boa parte da contaminação se dá pela água, por meio da presença do metal em peixes consumidos pelos indígenas. Contudo, os pesquisadores lembram que o mercúrio presente no ar também é um agravante para a situação.

“Eles não estão explorando o ouro, mas estão em uma área próxima da exploração e o mercúrio acaba chegando lá”, contextualiza o professor Ítalo Odone Mazali, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, e um dos responsáveis pelos estudos. “A população mais exposta ao mercúrio gasoso são os garimpeiros. Mas esse mercúrio lançado no ar vai ser depositado à curta, média ou longa distância (milhares de km). Quando o mercúrio é depositado na água, ele acaba sendo incorporado à cadeia alimentar”, conta a professora Anne Hélène Fostier, também do IQ e com participação de destaque no estudo.

Foto: perri
Da esq. para a dir., os pesquisadores Ítalo Odone Mazali, Elias de Barros Santos e Anne Hélène Fostier

Após a exposição, o dispositivo é fotografado e, com a ajuda da câmera de um celular, as imagens são avaliadas por meio do sistema RGB (Red Green Blue), para quantificar o metal a que o amostrador – e, consequentemente, o trabalhador – foi exposto. “A gente associou a intensidade de cor com a quantidade de mercúrio. Quanto maior a contaminação, mais intensa ficará a cor do amostrador”, explica o professor Mazali.

Colocado à prova, o sensor já foi testado por trabalhadores da mineração em Burkina Faso, na África, e mostrou ser bastante eficiente. Os testes comprovaram que a exposição ao mercúrio gasoso era superior à quantidade estabelecida pela OSHA (Occupational Safety and Health Administration). De acordo com o órgão, o limite máximo de exposição permitida para o vapor de mercúrio é de 0,1 mg/m3 de ar. Em campo, a pesquisa constatou a presença de 30 a 555 nanogramas de mercúrio, número bem superior ao estipulado pela OSHA.

Com participação do professor Elias de Barros Santos, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), durante seu projeto de pós-dourado pela Universidade de Victoria, os testes foram realizados em uma mina de Burkina Faso, na África. “Ele foi aplicado em um ambiente bem contaminado, em uma mina de extração na África. Durante a extração artesanal de ouro, os mineiros usam mercúrio como amalgamador (utilizado na separação de ligas metálicas). Depois disso, para separar o ouro da amálgama, é preciso que essa mistura seja aquecida a 400 graus Celsius. Esse aquecimento faz com que o mercúrio evapore e seja inalado pelos trabalhadores”, conta Santos.

Os docentes salientam que a situação precária e insalubre a que os profissionais da mineração são expostos, sem nenhum tipo de preparo para lidar com a exposição ao mercúrio, é um problema mundial. “A estimativa é que existam 20 milhões de pessoas, espalhadas pela América Latina, África e Ásia, trabalhando nessas condições. O ambiente é bem inóspito. Além disso, tem famílias com crianças que vivem nesses garimpos e que estão expostas a esse ambiente”, alerta Santos.

Foto: Divulgação
Monitoramento de contaminação de mineradores em Burkina Faso, onde parte da pesquisa foi desenvolvida | Foto: Divulgação

“Atualmente, boa parte dos trabalhadores sabe que o mercúrio é perigoso, mas não tem outra alternativa. É importante que eles possam ser monitorados para ver a quais níveis estão sendo expostos. A tecnologia pode ser utilizada também por profissionais das usinas de reciclagem de lâmpadas fluoerescentes, que também tem risco de exposição ao gás”, ressalta a professora Anne Hélène. Dentre os problemas de saúde ocasionados pela contaminação por mercúrio, estão o nervosismo, ansiedade, irritabilidade, mudanças de humor, agressividade, confusão mental, insônia, lapsos de memória, enxaqueca, alucinações, tendência a cometer suicídio, tontura e labirintite.

Vale salientar que, hoje em dia, não há tecnologia semelhante no mercado. “Os sistemas que medem o mercúrio na atmosfera, hoje, são muito mais sofisticados, mais caros e que precisam de uma fonte de energia fixa e de gases especiais para funcionar, permitindo uma única medida naquele momento”, completa Anne. Além de ser um amostrador portátil e que permite obter resultados em poucos minutos, a tecnologia tem como diferencial o fato de ser barata e reutilizável. Os responsáveis pelos estudos estimam o custo para obtenção do dispositivo em menos de 2 dólares. “O sensoriamento é fácil, sendo necessário apenas um celular e um programa que faça convolução em RGB, permitindo acompanhar o nível de exposição total”, defende Mazali.

 

Imagem de capa JU-online
Do tamanho de um botão, dispositivo tem coloração modificada ao entrar em contato com o mercúrio | Foto: Antoninho Perri

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