Imagem fundo branco com escrita a esquerda "Vozes e silenciamentos em Mariana. Crime ou desastre ambiental?", no lado direito mapa com a extensão do desastre.

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JU publica livro sobre a tragédia de Mariana

Obra é fruto de trabalho coletivo de 35 alunos do Labjor, sob a coordenação da professora Graça Caldas

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Lançado no dia 18 de outubro de 2017, na Unicamp, o livro Vozes e silenciamentos em Mariana: crime ou desastre ambiental? passa a ser publicado pelo Jornal da Unicamp nas próximas semanas, dividido em capítulos. A trajetória e os desdobramentos do derramamento de rejeitos da barragem de Fundão, em Mariana (MG), no dia 5 de novembro de 2015, é o tema sobre o qual a obra se aprofunda com pesquisas, entrevistas, reportagens, crônicas, poesias e diferentes formas de abordagens.

O livro com 352 páginas é resultado de trabalho coletivo e multidisciplinar de 35 alunos da disciplina de Linguagem: Jornalismo, Ciência e Tecnologia, do Programa de Mestrado em Divulgação Científica e Cultural do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), sob a orientação da jornalista e professora do Labjor/IEL/Unicamp Graça Caldas. A edição final é das jornalistas Graça Caldas e Adriana Menezes, o projeto gráfico e editoração de Fabiana Grassano e a edição de fotografia de Camila Brunelli.

Acompanhe no JU, nas próximas semanas, o conteúdo da publicação que contribui para o debate a respeito do desastre que provocou a morte de 19 pessoas, causando ainda impactos ambientais que se estenderam por 40 municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, até chegar ao Oceano Atlântico. Dois anos depois, pouco foi reparado pela empresa Samarco, à qual pertencia a barragem. As consequências ainda estão em evidência.

Além de procurar respostas para questões como “o que provocou o desastre?” ou “como isso foi acontecer?” e “como poderia ser evitado?”, o livro levanta questionamentos que podem ser levados para outras situações de risco semelhantes no País. Para que não seja esquecida, Mariana continua em pauta.

 

Meio ambiente, política e economia: uma difícil equação

Tentar remontar um quebra-cabeça tão fragmentado e com encaixes imprecisos e defeituosos é um desafio que provavelmente não terá fim. Aliás, os únicos dados precisos no desastre de Mariana (MG) são os das 19 vítimas fatais daquela que ficou marcada como a pior tragédia ambiental do Brasil. Incalculáveis são os impactos. Se de um lado faltam informações, do outro sobram incertezas. Mais de um ano após o rompimento da barragem de Fundão, em Bento Rodrigues, administrada pela Samarco, muita gente ainda conta os seus prejuízos físicos, ambientais e culturais.

Da imprecisão de informações e acordos relacionados às indenizações das 19 vítimas e de seus familiares à degradação ambiental causada pela irresponsabilidade pública e privada, não foram poucos os debates sobre incontáveis problemáticas que rondam os desdobramentos do desastre. Uma tragédia anunciada, previsível, evitável como essa jamais será justificada.

Espera-se, no entanto, que não entre no esquecimento, e que a memória de Mariana ajude a fomentar discussões de interesse público. Isso traz um “mea-culpa” coletivo, face a uma economia predatória, que se preocupa em capitalizar a vida.

O relato dos fatos registrados e comentados neste livro, os questionamentos, as observações e vivências desdobrados em diferentes capítulos pretendem manter viva a memória do dia 5 de novembro de 2015. A lama da Samarco destruiu vidas e provocou impactos socioambientais imensuráveis ao longo do Rio Doce. Atravessou dois estados – Minas Gerais e Espírito Santo – e chegou ao mar, deixando um rastro de destruição por onde passava.

Agora, é preciso compreender, sob uma perspectiva estrutural, envolvendo aspectos locais, nacionais e globais, o quê e, sobretudo, o porquê esse desastre aconteceu. Assim, tentamos encontrar algumas peças, não visíveis, desse imenso quebra-cabeça das relações de poder entre o setor público e privado, embaralhado há vários séculos e que cabe à sociedade desvendar.

 Foto: Tássia Biazon
 Rua principal de Paracatu | Foto: Tássia Biazon

Finitude dos recursos naturais


Josiane dos Santos

O homem é parte da natureza, e o uso dos recursos naturais é essencial para sua sobrevivência. No entanto, com o desenvolvimento da civilização e a explosão demográfica, a utilização dos recursos foi intensificada, de maneira exaustiva e inconsequente, gerando desequilíbrios no ecossistema, com efeitos imprevisíveis à biodiversidade e à vida humana.

A escassez crescente de recursos por explorações predatórias, as catástrofes ambientais, a poluição de recursos naturais vitais, como a água e o ar, demandam uma reflexão urgente de toda a sociedade sobre nosso modelo de desenvolvimento e as consequências já perceptíveis.

O uso dos recursos naturais de forma consciente e sustentável é um tema cada vez mais recorrente em debates ambientalistas, com repercussão na literatura e na mídia nacional e internacional. Não são poucos os pesquisadores que alertam para a finitude dos recursos se utilizados de forma exaustiva e inadequada. A preocupação quanto à oferta de alimentos para atender ao crescimento da população, por exemplo, foi debatida pelo economista e pastor inglês Thomas Robert Malthus no século 18.

Desde então, diversos foram os estudos sobre o crescimento da população e a oferta de alimentos, incluída a preocupação ambiental, pela necessidade de ampliar a produção agrícola com o uso de pesticidas.

 

Breve bibliografia e histórico sobre o uso dos recursos naturais

Foto: ReproduçãoEnsaio Sobre o Princípio da População - Thomas Robert Malthus já afirmava em 1798 que a oferta de alimentos seria insuficiente para atender ao crescimento populacional, isso sem considerar os avanços tecnológicos. Como solução, Malthus propôs o controle da natalidade, principalmente em países pobres. A Inglaterra estava no período da Revolução Industrial, e o aumento da população e da produção de alimentos ainda era restrito ao campo. Por isso, a preocupação em relação à demanda de alimentos era grande.

 

Foto: ReproduçãoPrimavera Silenciosa - Os estudos de Rachel Carson resultaram no clássico livro Primavera Silenciosa (1962). A obra apresentou as consequências do mau uso dos pesticidas sintéticos para o solo, os animais e os humanos.

 

Foto: ReproduçãoThe Tragedy of the Commons - O artigo de Garrett Hardin intitulado The Tragedy of the Commons (1968), publicado na revista Science, retoma o debate da superpopulação.

 

Foto: ReproduçãoThe Population Bomb - O livro de Paul Ehrlich, publicado em 1968, aponta que a crise ambiental é consequência do aumento da população, nem as mudanças tecnológicas ou as atitudes mudariam as previsões sobre a inevitável catástrofe ecológica.

 

Clube de Roma

Criado em 1968, seu objetivo era refletir e discutir os limites do crescimento econômico e propor novas atitudes que impedissem a degradação ambiental. O Clube era uma organização formada por cientistas, industriais, políticos e economistas. Contrárias ao pensamento de Paul Ehrlich sobre o problema populacional e a crise ambiental, as pesquisas de Barry Commoner influenciaram as ideias propostas pelos pensadores do Clube de Roma, pois atribuíam as causas dos problemas ambientais ao uso de novas tecnologias que já existiam na época e que gerariam o aumento na demanda de materiais sintéticos, produtos descartáveis, pesticidas e detergentes (CORAZZA, 1996).
 

Foto: ReproduçãoLimites do Crescimento - Quatro anos depois das reuniões iniciais do Clube de Roma, surge o relatório Limites do Crescimento, publicado em 1972. Produzido pelo Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), liderado por Dennis Meadows, sob encomenda dos membros do Clube de Roma, o Relatório coloca a temática ambiental nos debates políticos mundiais. A conclusão foi de que os limites do planeta seriam atingidos em cem anos se o crescimento da população se mantivesse, e isso só poderia ser evitado com o equilíbrio na relação da economia com o meio ambiente (CORAZZA, 1996).

 

Foto: ReproduçãoOur Common Future - O documento Our Common Future [Nosso Futuro Comum], ou Relatório Brundtland, foi elaborado pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, e publicado em 1987. Até a década de 1970, os debates ambientais estavam muito focados na relação entre os recursos naturais e o aumento da população. Foi somente a partir da reunião desta Comissão, criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1983, que os outros pontos entraram nos debates. A Comissão era presidida pela médica, mestre em saúde pública e ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland. Os membros da Comissão entendiam que o meio ambiente deveria estar vinculado às ações, ambições e necessidades humanas, e que os conceitos de “desenvolvimento” eram muito restritos, se limitando apenas, até aquele momento, a apresentar ações para enriquecimento das nações pobres.


Assim, o conceito de sustentabilidade, no Relatório de Brundtland, foi ampliado para “atender às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de gerações futuras a suas próprias necessidades”.

 

Recomendações

O Relatório de Brundtland (Our Common Future) envolve conceitos-chave, como necessidades essenciais dos pobres do mundo e limitações do meio ambiente, e destaca seis áreas consideradas interligadas e que não devem ser tratadas de forma isolada. Por isso, propõe recomendações para cada uma delas.

Questão populacional - O problema não está somente no crescimento da população, mas na relação entre o número de pessoas e os recursos disponíveis. A solução indicada seria o governo diminuir a pobreza e, por meio da educação, conscientizar a população para o uso racional dos recursos.

Segurança alimentar - Suas observações apontam que países em desenvolvimento precisam de sistemas com incentivos mais eficazes. Uma das propostas era que os países industrializados deveriam eliminar excedentes e reduzir a concorrência desleal.

Espécies e ecossistemas - Ampliar as áreas protegidas e criar políticas governamentais como forma de reduzir a destruição das florestas.

Energia - Reduzir os modos de produção de energia “suja” (poluente) e aumentar as de fontes renováveis.

Indústria - Enfrentar o desafio de produção com o uso de menos recursos naturais, por meio de novas tecnologias, proporcionando maior produtividade e menos poluição.

Desafio urbano - Adotar estratégias de assentamento para atendimento às migrações populacionais para pequenas cidades, por meio de políticas de incentivo, como tributação, fixação de preços de alimentos, transporte, saúde e industrialização.

 

Mudanças climáticas

As mudanças climáticas, como o aquecimento global e seus efeitos visíveis no mundo inteiro provocou a criação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), em 1988, com a participação de cientistas de 195 países. O IPCC foi criado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), e é responsável por pesquisar e simular futuros cenários ambientais para várias regiões do planeta.

O IPCC divulga, regularmente, importantes Relatórios de Avaliação (AR) com cenários futuros de mudanças climáticas no mundo, tais como aumento extremo de temperatura, variações extremas de precipitação, frequentes e extremos eventos climáticos, entre outros.

 

Eco-92

O Brasil, pela sua importância na área ambiental, tem sido palco de importantes reuniões internacionais, com a participação de cientistas e lideranças mundiais, com efeitos importantes de mobilização da sociedade. Um deles foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, conhecida também como Cúpula da Terra ou Eco-92, que aconteceu no Rio de Janeiro, em 1992.

A Eco-92 reuniu 108 chefes de Estado ou de Governo, aproximadamente 2.400 representantes de Organizações Não Governamentais (ONGs), e teve a participação de 17 mil pessoas em outros fóruns paralelos. Além de ampla participação da sociedade, o evento conseguiu atrair grande cobertura da mídia nacional e internacional, colocando a questão ambiental em pauta.

A Eco-92 gerou condições para várias decisões e para a criação de importantes tratados internacionais, tendo como principal compromisso a redução dos gases de efeito estufa. A seguir, um resumo das decisões e tratados:

Agenda 21 - Criada com a assinatura de 179 países. Entre as ações propostas, estão a conservação dos recursos ambientais, que abrangeria a proteção da atmosfera; o combate ao desmatamento, à perda de solo e à desertificação; a prevenção da poluição da água e do ar; a detenção do extermínio das populações de peixes; e o estímulo de uma gestão segura dos resíduos tóxicos.

Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - Compromisso mundial para o cumprimento dos acordos internacionais, respeitando os interesses de todos e a integridade do meio ambiente.

Declaração de Princípios sobre Florestas - Recomendações sobre o aproveitamento dos recursos florestais para o desenvolvimento sustentável.

Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima - O objetivo era paralisar as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera.

Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica - Traçar diretrizes jurídicas e políticas para as outras convenções e acordos ambientais mais específicos, destacando a biodiversidade.

Foto: Adriana Menezes
Igreja da comunidade de Paracatu de Baixo | Foto: Adriana Menezes

 

Um alerta: o que se opõe aos acordos

O economista Ignacy Sachs trabalhou na Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972, também conhecida como Conferência de Estocolmo. Ele apontou três controvérsias demográficas: a) o controle populacional não reduziria o uso dos recursos e do meio ambiente, uma vez que há países ricos em que a população consome mais que a dos países pobres; b) as políticas de controle de natalidade nos países em subdesenvolvimento para a redução das taxas de crescimento seriam ineficientes; e c) a necessidade de educação para mulheres, a política de saúde para redução da mortalidade, a proteção aos idosos, a distribuição de alimentos a grupos que não dispõem de meios para adquiri-los e, por último, a má distribuição populacional nas zonas urbanas e rurais (SACHS, 2007).

Para Sachs, o termo sustentabilidade, restrito às questões ecológicas, é limitado. Ele adota “desenvolvimento sustentável”, que considera um conceito mais amplo, pois abrange também aspectos éticos, sociais e econômicos.

Os estilos de vida e modos de consumo propiciados pelas tecnologias e mudanças culturais provocaram, gradativamente, o consumo dos recursos naturais do nosso planeta. Mas acompanhando esse consumo está a degradação ambiental.

Como ensina Sachs (2007), em nome do crescimento industrial e da urbanização, as populações se submeteram às diversas situações inconvenientes e até mesmo desumanas nos ambientes de trabalho, com prejuízo à saúde. Além disso, as condições de moradia eram péssimas, e o transporte coletivo, associado ao aumento da frota de automóveis particulares, insuficiente para atender à população.

Assim, o desenvolvimento e o crescimento aplicados de forma irresponsável trazem danos prejudiciais e irreparáveis ao meio ambiente e à sociedade. Apesar das organizações ambientais, acordos e legislação, ainda é expressiva a irresponsabilidade de empresas, governos e órgãos de fiscalização.

 

Referências

ART, Henry W (Coaut. de). Dicionário de ecologia e ciências ambientais. 2. ed. São Paulo, SP: Melhoramentos, c2001. 583 p. Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. (1988) Relatório Brundtland - Nosso Futuro Comum, Editora da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 1988.

CORAZZA, Rosana Icassatti. Inovação tecnológica e demandas ambientais: notas sobre o caso da indústria brasileira de papel celulose. 1996. 163 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Política Científica e Tecnológica, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1996.

DULLEY, R. D. Noção de natureza, ambiente, meio ambiente, recursos ambientais e recursos naturais. Agricultura em São Paulo, São Paulo, v. 51, n.2, p. 15-26, 2004.

SACHS, I. Rumo à Ecossocioeconomia. Teoria e Prática do Desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2007.


Josiane dos Santos - Graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pelo Centro Universitário do Norte. Especialização em Divulgação e Jornalismo Científico em Saúde e Ambiente na Amazônia pelo Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD) FioCruz Amazônia (2013-2014). Mestranda em Divulgação Científica e Cultural no Labjor/IEL/Unicamp. Estagiária de jornalismo no Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM). Trabalhou como jornalista na Assessoria de Comunicação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e foi editora-chefe da revista institucional  Ciência para Todos. Foi repórter na cobertura de eventos e pautas de pesquisas, e fez atendimento à imprensa. Bolsista do Programa de Comunicação Científica do Departamento de Difusão do Conhecimento (DECON) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) trabalhando na produção de reportagens para a revista Amazonas Faz Ciência. Vencedora do Prêmio FAPEAM de Jornalismo Científico na categoria Impresso Revista em 2010, 2011 e 2013, e na categoria Impresso Jornal em 2011 e 2012. Email: sjosiane09@gmail.com

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Prefácio

Agradecimentos

Os desafios da construção coletiva

Nossa interminável redescoberta

 

Imagem de capa JU-online
Pescador no Rio Doce dias depois do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana | Foto: Leonardo Merçon | Acervo ARFOC MG

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