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Corte em censo afetará diagnóstico da agricultura familiar, alerta pesquisadora

Medida que atinge levantamento agropecuário foi anunciada pelo IBGE em razão de contingenciamento imposto pelo governo

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A redução do questionário do Censo Agropecuário 2017, previsto para ser iniciado no próximo mês de outubro, representará um retrocesso em relação à construção da série histórica sobre o setor, o que trará enormes prejuízos às pesquisas científicas. A análise é da professora Sonia Maria Bergamasco, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp. De acordo com ela, questões fundamentais sobre temas importantes como agricultura familiar e assentamento rural foram cortadas do levantamento censitário. “A impressão que temos é de que este corte não foi feito de maneira isenta”, desconfia a docente.

O enxugamento do Censo Agropecuário foi definido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por causa do contingenciamento de recurso imposto pelo governo federal. O IBGE conseguiu assegurar somente R$ 505 milhões para a realização do levantamento censitário, praticamente metade do que projetava gastar – cerca de R$ 1 bilhão. Com isso, o número de trabalhadores temporários que participarão da coleta de dados deverá ser diminuído de 80 mil para 26 mil.

Dedicada há 40 anos às pesquisas sobre agricultura familiar e assentamentos rurais, Sonia Bergamasco vê evidências da presença de critérios ideológicos no enxugamento do questionário. “Historicamente, a agricultura familiar sempre foi colocada em segundo plano. Essa situação começou a mudar a partir de 2006, quando foi promulgada a chamada ‘Lei da Agricultura Familiar’. Agora, porém, vemos um movimento que pode promover novamente o ‘apagamento’ desse segmento”, lamenta a professora da Unicamp.

Segundo ela, ao contrário do que determinadas correntes difundem, a agricultura brasileira não é constituída somente pelos grandes empreendimentos. A agricultura familiar tem grande importância para o setor e, consequentemente, para o Brasil. “As pequenas unidades respondem pelo sustento de 4,3 milhões de famílias e representam 84% de todos os estabelecimentos rurais do país. Embora ocupem somente 24% das áreas agriculturáveis, essas propriedades são responsáveis pela produção de 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros!”, elenca Sonia Bergamasco.

Foto: Antonio Scarpinetti
A professora Sonia Bergamasco, da Feagri/Unicamp: para a pesquisadora, corte não foi feito de maneira isenta

E os números não param por aí. A agricultura familiar também responde por 90% da produção de mandioca, 80% da de feijão, 60% da de arroz, entre 50% e 60% da de milho e 15% da de soja. “Se deixarmos de ter dados precisos sobre a realidade desse setor, não teremos como continuar desenvolvendo nossas pesquisas, que ao longo do tempo têm subsidiado políticas públicas que ajudaram a agricultura familiar a alcançar a dimensão que ela tem hoje”, adverte a pesquisadora.

Ainda de acordo com a especialista, o corte no questionário do Censo Agropecuário também atingiu temas como o uso de agrotóxicos por parte dos estabelecimentos rurais e a agricultura orgânica, entre outros. “Nós, da comunidade científica, estamos indignados com o enxugamento do censo e temos denunciado esta situação em todas as instâncias, seja por meio da mídia, seja durante nas nossas atividades científicas e acadêmicas. Nosso objetivo é sensibilizar o governo federal para que volte atrás na sua decisão”, afirma.

Rovena Rosa/Agência Brasil
Produtores na 4ª Feira da Agricultura Familiar, realizada em dezembro passado, em São Paulo: setor é responsável por 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros

Diversas entidades representativas da comunidade científica têm protestado contra o corte no questionário do Censo Agropecuário. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), por exemplo, divulgou carta, disponível no seu site, criticando a medida. Em um dos trechos, o documento, assinado pela presidente Helena B. Nader, afirma que “a supressão dessas questões por certo prejudicará a caracterização da agricultura familiar em aspectos essenciais para sua compreensão e consequente adoção de políticas públicas que possam envolver seu universo”.

Em outra parte da carta, Helena Nader pondera “ser desnecessário enfatizar aqui a importância da agricultura familiar para o Brasil, nos aspectos econômicos, sociais e ambientais, para solicitar ao IBGE que restabeleça as questões suprimidas ou em estudos para supressão, relativas à agricultura familiar, do censo agropecuário. Do contrário, o IBGE estará deixando de cumprir sua missão de ‘Retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da cidadania’”. A carta pode ser acessada por meio deste link. http://www.sbpcnet.org.br/site/arquivos/arquivo_687.pdf
 

PNAG

Para tentar preencher possíveis lacunas deixadas pelo censo, em virtude do seu enxugamento, o IBGE anunciou que realizará uma pesquisa amostral, a partir de 2019 e com periodicidade anual, para obter as informações que ficarão de fora do levantamento censitário. Este levantamento funcionará nos moldes da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios (Pnad), mas voltada exclusivamente para a agricultura.

Questionada se esta “PNAD da Agricultura” seria suficiente para reparar a ausência de dados gerada pela redução do Censo Agropecuário, a professora Sonia Bergamasco respondeu com desconfiança. “O problema é que nós ouvimos falar sobre esse tipo de pesquisa amostral há dois anos ou mais, mas ela nunca saiu do campo da intenção. Será que agora vai sair”, indaga?

 

Imagem de capa JU-online
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

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