Sergio Salles-Filho responde

JU - Passado quase um ano desde a chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil, o cenário ainda é incerto quanto à retomada das atividades acadêmicas de forma presencial, em seus diversos segmentos. Como enfrentar essa realidade sem colocar em risco a saúde de estudantes, professores e funcionários e, ao mesmo tempo, preservar o andamento das atividades de ensino, pesquisa, assistência e administração?

Sergio Salles-Filho - A possibilidade de retorno às atividades presenciais ainda é muito incerta diante da evolução da pandemia e seus indicadores, associada às perspectivas de ampla vacinação da população. Por isso, continuaremos com atividades predominantemente remotas no 1º semestre de 2021, esperando poder programar o retorno presencial progressivo assim que o acesso à vacina e/ou a mudança do comportamento da doença permitirem.

Vamos trabalhar para que nossa comunidade de docentes, pesquisadores, discentes e servidores e toda a população sejam vacinados. Reconhecemos as dificuldades acadêmicas, o atraso na formação e o efeito para a saúde mental de toda a comunidade que a pandemia vem causando. Isso ocorre em todas as áreas e é particularmente agudo para os profissionais que estão trabalhando presencialmente.

Para enfrentar o retorno aos campi, vamos criar um Comitê de Ações Pós-Pandemia, dando sequência aos trabalhos que tiveram início em 2020 em GT específico. Esse Comitê abrangerá as atividades que foram afetadas: ensino (nos diferentes níveis), pesquisa, extensão, serviços e administração.

Os diagnósticos, soluções e identificação de oportunidades, deverão incluir as consequências sobre as atividades da Universidade e sobre as comunidades de estudantes, funcionários (Unicamp e terceirizados), docentes e pesquisadores e do público externo com o qual a Unicamp interage.

No ensino deverá identificar perdas e planejar a recuperação por meio de propostas de ajustes para a educação infantil e complementar, ensino médio, graduação e pós-graduação. Será necessário diagnosticar e implementar soluções para defasagens de aprendizado, represamento de demandas em disciplinas, avaliar e minimizar o impacto sobre o tempo de integralização e sobre as dificuldades de elaboração e conclusão de dissertações e teses.

Nessas iniciativas, é fundamental considerar as necessidades específicas dos estudantes (mães, pessoas com vulnerabilidade socioeconômica e dificuldades de acesso e permanência, portadores de deficiências, indígenas, estrangeiros etc.), docentes e funcionários. O suporte à recuperação de problemas psicológicos e psiquiátricos também deve ser parte integrante das ações de retomada.

Especial atenção deve ser dada às competências em letramento digital e investimentos nos ambientes virtuais de aprendizagem, oferecendo cursos, equipamentos e estrutura para apoiar a utilização de estratégias de ensino com uso da tecnologia.

É necessário ação especial para fortalecimento de vínculos e identidades com os estudantes ingressantes na graduação, pós-graduação e no ensino médio nos anos de 2020 e 2021 que foram impactados de forma inédita pela ausência forçada e consequente falta de integração ao campus e às pessoas. Nesse sentido, atividades direcionadas à integração e convívio acadêmico, esportes e ações culturais, precisam ser implementados para esse público em particular.

Na pesquisa e na extensão, de forma similar, será necessário avaliar os impactos e propor ações que apoiem projetos e atividades que sofreram com atrasos e que tiveram que ser redirecionadas ou mesmo canceladas.

A Unicamp mostrou sua capacidade de dar respostas rápidas e efetivas à pandemia da Covid-19 graças à dedicação de seus profissionais e ao reconhecimento de que a interação entre ciência e prestação de serviços à comunidade é fundamental.

Ofereceu o atendimento de qualidade a toda a população, com extraordinário empenho dos profissionais que atuam nas áreas da saúde, segurança, manutenção, TI, alimentação, dentre outras, amplificando a importância e reafirmando para a população e para a própria Universidade o seu papel.

A Unicamp precisa agora buscar formas de reconhecer o esforço de todos que contribuíram, atender demandas que ficaram muito evidentes e sensíveis e avançar em oportunidades abertas pela crise epidemiológica. Em particular, temos que providenciar:

  • Fortalecimento de vínculos e identidades com os estudantes ingressantes na graduação, pós-graduação e no ensino médio nos anos de 2020 e 2021.

  • Investimento em programas de saúde emocional, buscando adaptá-los para as demandas específicas dos diferentes grupos da nossa comunidade, aproveitando as bases do projeto Bem-Estar e seu Guia de Boas Práticas.

  • Investimento na ampliação e no alcance do atendimento em saúde que a Universidade oferece aos funcionários e docentes em todos os campi.

  • Investimento no atendimento do SAE e SAPPE, em resposta ao aumento de demanda entre estudantes de ensino médio, graduação e pós-graduação.

  • Retomar e ampliar benefícios aos servidores, em especial àqueles em condições de maior vulnerabilidade e que tiveram que seguir trabalhando presencialmente.

Ao mesmo tempo, vamos aproveitar e avançar nas experiências positivas conquistadas no período, tais como:

  • Realização de reuniões, defesas de tese online ou híbridas.

  • Disseminação de atividades e técnicas de apoio ao ensino que se utilizem de recursos digitais e de novas tecnologias.

  • Ampliação das ações e da interação do EA2 e do GGTE junto às unidades com atividades de ensino e capacitação.

  • Ampliação da oferta e do uso de centrais e equipamentos multiusuários para atividades de pesquisa.

  • Ampliação do alcance das ações de extensão e cultura pelo emprego de tecnologias digitais de acesso e difusão.

  • Aproveitamento das atividades remotas ocorridas recentemente por causa da pandemia, incentivando a participação em Programas de Intercâmbio Virtual conhecidos como Collaborative Online International Learning (COIL), desenvolvidos por várias universidades

  • Ampliação da digitalização e do acesso das bibliotecas, acervos e arquivos da Unicamp para atividades de ensino, pesquisa e extensão.

  • Instituição de programa de transformação digital da Unicamp em direção a uma universidade digitalmente moderna, com processos mais ágeis e fáceis de encaminhar, que impliquem em menos trabalho burocrático e reduzam de forma consistente e permanente o retrabalho e o tempo dispendido por funcionários, docentes e discentes com os processos administrativos.

  • Investimento em letramento digital das comunidades da Unicamp.

  • Regulamentação do teletrabalho na Unicamp.

 

JU - A pandemia também afetou drasticamente a economia, com redução da atividade econômica e consequente queda na arrecadação de ICMS, principal fonte de recursos destinados às universidades públicas de São Paulo. A recessão econômica, que já era significativa antes desse cenário, agravou-se ainda mais. Como preservar a qualidade do ensino, da pesquisa e dos serviços prestados pela Unicamp à comunidade, principalmente no setor de saúde, num contexto de aprofundamento da restrição orçamentária?

Sergio Salles-Filho - A crise econômica no País, que já vinha se arrastando há cerca de seis anos e impondo restrições orçamentárias e financeiras à Universidade, agravou-se substantivamente no ano de 2020. Em meados daquele ano as previsões eram sombrias e o receio de não se conseguir fechar as contas do ano foi concreto. O esforço interno para não colocar em risco o pagamento de pessoal e dos demais itens de custeio da Unicamp foi severo.

Em paralelo, restrições legais foram impostas pelo governo federal aos estados e municípios como contrapartida de ajuda econômica durante a pandemia. A Lei Complementar 173 de 27 de maio de 2020 impôs a estagnação dos investimentos em pessoal, particularmente em promoções, progressões, novas contratações e mesmo contagem de tempo no serviço público.

Em resumo, estamos passando por um momento de estrangulamento financeiro para o qual precisamos de ações urgentes que, sim, cuidem com responsabilidade do orçamento e das reservas financeiras, mas que também busquem amenizar o problema e retomar, gradativamente, os investimentos na Universidade.

A responsabilidade com que a Unicamp trabalhou seu orçamento nesses anos possibilitou chegarmos agora, no início de 2021, a uma situação financeira relativamente equilibrada. Terminamos o ano de 2020 com reservas próximas às que tínhamos quando iniciamos aquele ano. Pagamos todos os salários e demais despesas em dia e entramos no presente ano com uma situação que se não chega a ser entusiasmante, é positiva.

Em paralelo ao esforço interno de equilíbrio financeiro em plena crise, houve recuperação da economia nos últimos meses do ano passado – verdade que ainda não estabilizada – permitindo a elaboração e aprovação de um orçamento para 2021 que apresenta uma situação de relativo equilíbrio financeiro. Ainda temos previsão de déficit contábil para 2021, mas em patamar bem menor do que o que vínhamos tendo nos últimos anos. Todo cuidado segue sendo importante, até porque a pandemia continua e a incerteza sobre o comportamento da economia do País e do estado de São Paulo segue elevada.

Dentre as possibilidades que se vislumbram no momento em que esse texto é escrito, há no orçamento valores importantes que podem ser aplicados em pessoal e em infraestrutura. Isso será possível sob condições que hoje ainda não dispomos, mas que podem ser alteradas: o devido suporte jurídico sobre a Lei Complementar 173 (que deve ser discutido no âmbito do CRUESP) e a evolução do comportamento da economia. Em outras palavras, temos que nos preparar – e a chapa Uma só Unicamp já está preparada – para revisar o orçamento e realocar recursos em itens de despesa atualmente não previstos.

Concretamente, contaremos com cerca de 133 milhões de reais que estavam condicionados até o fim de janeiro e agora confirmados no Decreto de Execução Orçamentária. Isso vai requerer discussão e priorização na Universidade, o que poderá ser feito nos momentos de revisão orçamentária (maio e agosto, em princípio).

Como apontamos no nosso programa de gestão, a prioridade numa possível revisão será o Grupo Pessoal do orçamento de 2021, seguido pelos investimentos em infraestrutura.

Sabemos que as demandas por investimento são elevadas, há represamento de progressões, carência de contratações, falta de previsão de sistema de progressão em carreiras, e necessidades urgentes de infraestrutura e obras. Para dar conta dessas demandas faremos planejamento detalhado junto às unidades e órgãos da Universidade e implementaremos orçamentos plurianuais nos quais recursos para contratações, reposições de vagas e progressões de docentes e pesquisadores e investimentos em infraestrutura sejam planejados para quatro anos.

Orçamentos plurianuais permitem visualizar investimentos que não são possíveis de atender em um ano apenas e, feitos de forma coordenada e planejada, permitem atender parte importante das demandas.

Trabalharemos com cenários para planejar como agir nas oscilações da arrecadação, para cima e para baixo. É preciso projetar valores sabendo o que devemos fazer caso haja frustração ou elevação da receita da Unicamp.

É preciso também realizar imediatamente estudos sobre possíveis impactos da reforma tributária sobre a principal fonte de receita da Unicamp, o ICMS e o Tesouro do Estado de forma a nos prepararmos para alterações que possam exigir novo pacto junto ao governo do estado.

Monitorar e administrar com responsabilidade o orçamento e as reservas financeiras da Unicamp é o básico. A Unicamp tem ampla tradição de busca de recursos complementares para desenvolvimento de suas atividades de pesquisa, mas também de ensino e extensão.

Tal prática existe em todas universidades públicas do País e do mundo e se deve sobretudo à atuação de docentes, pesquisadores, funcionários e discentes. Mais recentemente, muitas universidades passaram a contar com política institucional de busca e captação de recursos complementares.

Vamos criar na Unicamp um Escritório de Captação de Recursos e de Apoio a Projetos de pesquisa, ensino e extensão, que deverá amplificar a captação de recursos de diferentes fontes de financiamento, abrir novos canais de financiamento para projetos e programas, apoiar negociação de convênios e contratos e orientar pesquisadores. Atualmente a Unicamp tem valores substantivos de recursos extra-orçamentários (cerca de 650 milhões de reais ao ano em média nos últimos 10 anos).

Qualquer iniciativa nesse sentido deve também considerar o financiamento ao atendimento em saúde ofertado pela Unicamp a uma população de cerca de 3 milhões de habitantes. Hoje cerca de 70% dos recursos empregados para viabilizar atendimento público gratuito em saúde à população vêm do orçamento da Unicamp, ficando o restante com recursos do SUS e de fontes complementares, tais como emendas parlamentares.

Há um estrangulamento financeiro que freia o desenvolvimento das áreas de serviços de saúde da Unicamp. Precisamos eliminar ou reduzir esse estrangulamento, podendo ampliar os investimentos e o atendimento ao público. Em nosso programa de gestão fazemos várias propostas sobre esse assunto (https://www.sergioeliana21.com.br/nossas-ideias).

Conforme colocado em nosso programa, nossa gestão identificará e implantará modelos (jurídicos, gerenciais e de financiamento) que sejam coerentes com a tripla função exercida pelas áreas da saúde: o atendimento de qualidade à população, o ensino e formação de profissionais e a pesquisa em vários segmentos das ciências da saúde.

Deve-se registrar que a atual situação de restrição financeira também afeta o próprio ambiente de aprendizagem para cerca de 1.300 estudantes de Graduação da Medicina, Fonoaudiologia, Enfermagem, Farmácia e Nutrição, 750 profissionais da saúde em programas de Residência Médica e Multiprofissional, além daqueles em especialização e aprimoramento.

 

JU - As Universidades e a Ciência têm sido duramente atacadas por setores da sociedade alinhados a posturas negacionistas de viés ideológico. Em sua opinião, como a Unicamp deve se posicionar diante desses ataques e que papel deve desempenhar na defesa de seus propósitos?

Sergio Salles-Filho - Essa é uma questão de enorme importância. Esses ataques têm sido muito fortes e visam valores dos quais a legitimidade da universidade e da ciência dependem. Nós, o sistema universitário e a comunidade científica do País, não podemos perder a legitimidade que possuímos na sociedade e que foi duramente conquistada. Então, se existe uma disputa que nos ameaça, mais do que nunca é preciso enfrentar esse debate público e defender a importância do que fazemos para o desenvolvimento social, econômico, político e ambiental do Brasil e do mundo. A Unicamp, por sua história e sua relevância, deve ser uma das protagonistas dessa disputa.

Quando decidimos nos apresentar à comunidade como candidatos à reitoria, tínhamos consciência de que os próximos anos apresentarão à universidade e à ciência desafios grandes e com contornos inéditos na história do País. Nós estamos convencidos de que as nossas trajetórias profissionais, que sempre estiveram baseadas na importância da ciência e de seus inúmeros desdobramentos sociais, e o nosso compromisso com a democracia como valor político maior nos dão a base de que precisamos para enfrentarmos esses desafios.

Um dos fundamentos do nosso Programa de Gestão da Universidade é a defesa de seu caráter público, gratuito e plural, com autonomia acadêmica e administrativa. Entendemos que são condições para que a universidade possa evoluir e cumprir suas missões de ensino, pesquisa e extensão, com engajamento com diversos segmentos da sociedade. Então, estamos convencidos de que o desenvolvimento da universidade está intrinsecamente ligado à busca de valores democráticos e de liberdade de pensamento. Dessa maneira, a Unicamp deve fortalecê-los internamente e deve se posicionar publicamente em defesa desses valores.

Dito isso, como enfrentar o negacionismo, o ataque à ciência, o desprezo às evidências científicas, a prática da desinformação e a contestação do papel da universidade? Por um lado, com mais informação, com mais evidências e com o fortalecimento na sociedade de fundamentos da argumentação acadêmica, que se sustenta em teorias e está apoiada em evidências empíricas. Precisamos demonstrar à sociedade que todos se beneficiam desses valores e que todos podemos ser entregues a sérios riscos quando eles se perdem. Por outro lado, com atuação política estrategicamente pensada, articulando-se com outras universidades e instituições científicas atuar junto a agentes da sociedade e a atores políticos que têm papel chave nas disputas que nos afetam.

Muitas ações podem ser realizadas para a promoção, de forma ampliada e sistemática, da comunicação com os diversos segmentos da sociedade e do espaço político. Nós devemos interagir mais com diferentes agentes, devemos nos comunicar mais e melhor. Essa é uma via de mão dupla, pois é preciso não apenas transferir o que fazemos para fora, mas também abrir a universidade para que o olhar e as demandas externas, de diferentes agentes, possam entrar e alimentar o que fazemos.

Nesse sentido, vamos promover:

  • A defesa incondicional dos valores acadêmicos e do respeito às práticas e instâncias democráticas, liderando pelo exemplo, e buscando promover movimentos alinhados com as demais universidades públicas estaduais.

  • O engajamento de mão dupla da Universidade com diversos segmentos da sociedade.

  • O exercício da autonomia acadêmica e administrativa com responsabilidade e comunicação sistemática de seus benefícios à sociedade.

  • A implantação de uma política permanente de defesa da autonomia junto a segmentos-chave da sociedade.

  • A valorização da comunicação interna da instituição e externa, com diferentes comunidades e com formatos variados.

É preciso um esforço permanente para garantir que a Unicamp participe dos debates relevantes e para identificar oportunidades de construir intersecções entre os interesses estratégicos da Unicamp e as pautas que são objeto da atenção de membros do legislativo e executivo estadual, municipal e federal, assim como de diferentes segmentos da sociedade.

Ampliar o engajamento com a sociedade é uma das exigências do mundo contemporâneo e uma condição para alcançar a qualidade que almeja no desenvolvimento de suas missões. É um dos fatores de sucesso que precisam ser planejados e implementados e que podem contribuir sobremaneira com a sustentabilidade da universidade.

 

JU - Nos últimos anos, uma expressiva parcela de docentes e funcionários chegou à aposentadoria. Ao mesmo tempo, as restrições orçamentárias resultantes da conjuntura econômica dificultam a reposição de quadros no mesmo ritmo. Como minimizar os danos e manter a qualidade?

Sergio Salles-Filho - Este é um assunto da maior importância e prioritário em nosso Programa de Gestão. Nosso compromisso é buscar desde o primeiro momento, os meios jurídicos, políticos e financeiros necessários para retomar o mais rapidamente possível progressões e contratações de docentes, pesquisadores e funcionários e simultaneamente promover o desenvolvimento das diferentes carreiras para torná-las mais atrativas.

Nossa ideia é buscar medidas que permitam contornar a crise financeira e os limites dados pelas mudanças estruturais recentes (tais como alterações nas regras previdenciárias e do funcionalismo público) e conjunturais (crise financeira prolongada, acentuada no último ano pela pandemia e pela Lei Complementar 173, que proibiu crescimento de despesas com pessoal em estados e municípios em troca de apoio financeiro federal).

Uma das estratégias para estas ações é a nossa proposta de trabalhar com planejamento e orçamentos plurianuais, que nos permite uma visão de médio prazo sobre as possibilidades de investimento, contratação, promoção e progressão (ver resposta à questão 2 acima). Neste contexto, trabalharemos com medidas concretas para zerar o represamento existente na Unicamp para progressão horizontal e vertical em todos os níveis e para estabelecer uma política sistemática e regular de recomposição do quadro de docentes, pesquisadores e funcionários.

Aqui cabe também destacar a importância do planejamento e negociação “na ponta”, para que as demandas das diferentes unidades e órgãos sejam identificadas e para que ocorra um processo conjunto de priorização, planejado para 4 anos, cobrindo assim o mais rápido possível as demandas justificadas, conforme apontado na resposta da questão 2.

Outra forma de reduzir impactos da falta de reposição de quadros é elaborar e implementar uma Política Integrada de Gestão de Pessoas, porque acreditamos que permanecer na Unicamp depende não só de uma carreira atraente e remuneração justa pelo trabalho, mas também de projetos pessoais e da satisfação em estar nesta instituição. Tudo isso contribui para a qualidade da Universidade como um todo e a qualidade de vida de cada um daqueles que compõem nossa comunidade.

Sob a perspectiva dos docentes e pesquisadores, isso passa pela revisão das carreiras, com representação dos diversos níveis e segmentos, visando torná-las mais adequadas e recompensadoras do esforço e desempenho nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, assim como nas atividades administrativas, por meio de mecanismos adequados de incentivo.

Inclui-se aqui também a consideração das diferentes vocações e formas de dedicação de docentes e pesquisadores dentro do amplo espectro das missões da universidade, assim como pela valorização das especificidades das diferentes áreas do conhecimento para que estas missões se desenvolvam de forma equilibrada. Isso passa evidentemente pela revisão de critérios de avaliação.

Importa, também, aliviar o excesso de demandas burocráticas sobre docentes e pesquisadores e criar mecanismos que os auxiliem na busca de recursos, de cooperação e parcerias, bem como na elaboração de convênios e contratos para desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão.

Sob a ótica dos funcionários, a Política Integrada de Gestão de Pessoas deve incluir o aprimoramento e desenvolvimento da carreira, criando novas condições para a valorização do trabalho desenvolvido e das competências de cada um, além de mudanças na avaliação de desempenho e no sistema de progressão. Importa, também, criar mecanismos eficazes de mobilidade, bem como ampliar as oportunidades de adquirir e compartilhar conhecimentos, que favoreçam o crescimento pessoal e profissional.

Nossa visão de futuro, além de solucionar problemas imediatos e administrar com qualidade o dia a dia, tem por horizonte o desenvolvimento de uma universidade com ampla liderança acadêmica e administrativa. Para tanto, é preciso assegurar contingente de mão de obra ajustado às demandas. Temos reafirmado que é preciso contribuir para a qualidade de vida e a busca por uma cultura de paz sob todos os aspectos, inclusive o da condição de trabalho. Neste sentido, vamos apoiar a implantação da Câmara de Mediação e Ações Colaborativas como medida essencial para qualificar a gestão de pessoas, atuando na prevenção e condução de situações de conflitos.

Dentro deste escopo, é importante destacar que vamos implantar uma política institucional de inclusão e valorização da diversidade que deve orientar os processos de contratação, assim como deve oferecer condições para que todos possam se desenvolver profissionalmente. Da mesma forma, estaremos atentos para dar maior diversidade de gênero e raça aos cargos de chefia e que sejam preenchidos com consulta aos pares

Finalizamos aqui com o nosso compromisso de retomar contratações a partir de planejamento plurianual, com alocação de recursos no orçamento. Vamos também reorganizar, recuperar e ampliar a atratividade das diferentes carreiras para garantir a permanência dos profissionais que temos hoje e reforçar dois dos princípios que norteiam o nosso Programa de Gestão, a saber:

• A busca permanente por excelência e liderança no ambiente acadêmico, em todas suas frentes, com foco na qualidade, inclusive na gestão e administração da Universidade.

• A valorização das pessoas, suas competências e perspectivas, em todas as comunidades.

 

JU - Uma das questões mais sensíveis aos servidores técnico-administrativos diz respeito ao quadro de carreiras em diversos segmentos. Como conduzir esse tema de maneira a reduzir as tensões internas?

Sergio Salles-Filho - A Unicamp tem uma má tradição de instabilidade de carreira e de dificuldade de implementar sistemas de avaliação e de promoção e progressão que sejam eficazes e deem tranquilidade a quem está nas carreiras.

A carreira dos funcionários sofreu uma série de descontinuidades ao longo dos anos, tanto em termos de estruturação, quanto em relação aos mecanismos de avaliação e progressão. Atualmente, os funcionários técnico-administrativos atuam em cerca de 360 funções diferentes na Unicamp e trabalham em regimes distintos (CLT e Esunicamp), mas estão integrados em uma única carreira, que não atende essa diversidade, tanto em termos de funções quanto de profissões. A carreira PAEPE não deve sofrer descontinuidades que deixem funcionários apreensivos e sem perspectivas objetivas de crescimento profissional, mas precisa ser desenvolvida para dar conta dessa diversidade.

Nenhuma organização sobrevive bem sem uma carreira que seja suficientemente abrangente para dar conta das diferentes funções e profissões que mantém em seus quadros, permitindo algo elementar ao funcionário: saber até que ponto pode evoluir na carreira e o que tem que fazer para chegar lá.

A Universidade tem esse passivo, que precisa ser rapidamente superado. Duas frentes serão desenvolvidas simultaneamente em nossa gestão: desenvolver a carreira para que dê conta da diversidade de funções e profissões e definir, com clareza, os mecanismos e critérios necessários para progressão.

Em todas as carreiras da Unicamp, observa-se uma mudança geracional devido ao grande volume de aposentadorias dos últimos anos. Nas carreiras docentes cerca de 50% dos docentes foram contratados na última década. Já entre os funcionários da carreira PAEPE, cerca de 40% dos funcionários técnico-administrativos estão na Unicamp há menos de 10 anos. Estes servidores foram admitidos em um contexto de novas regras previdenciárias e de funcionalismo público, que restringem direitos e garantias, especialmente aqueles contratados após 2013. Eles também sofrem, de forma mais acentuada, o impacto da prolongada crise financeira que o País atravessa.

Os funcionários que trabalham na Unicamp há mais tempo, por sua vez, sofreram um achatamento em suas referências salariais e se ressentem da perda de reconhecimento e da valorização de sua trajetória na Universidade.

Além disso, há uma demanda importante de toda a comunidade da Unicamp para que sejam zerados os represamentos e retomados os processos de progressão das carreiras docentes, de pesquisadores e de funcionários. Nosso compromisso, como dito em questões acima, é o de zerar e dar fluxo contínuo para esses processos com alocação de recursos baseada no planejamento das unidades e órgãos.

Como discutido na questão anterior, permanecer na Unicamp depende não só de uma remuneração justa pelo trabalho, mas também de projetos pessoais e da satisfação em estar nesta instituição. Nesse sentido, é imprescindível discutir, elaborar e implementar uma Política Integrada de Gestão de Pessoas. Ela deve incluir a revisão da carreira, criando novas condições para a valorização do trabalho desenvolvido e das competências de cada um, além de mudanças na avaliação de desempenho e no sistema de progressão. A ideia é desenvolver horizontalmente os níveis de complexidade para cobrir a diversidade de funções e profissões da carreira PAEPE.

Dessa forma, é nosso compromisso implementar a avaliação com instrumentos adequados aos diferentes níveis e funções, assegurando um processo justo, isento e que resulte no reconhecimento efetivo do esforço e do desempenho dos funcionários.

Um bom processo de avaliação deve levar em conta os resultados obtidos dentro do contexto em que o trabalho foi executado, deve prever feedbacks positivos e negativos, permitindo que o servidor oriente ações de desenvolvimento, planeje sua trajetória na Universidade e busque a autogestão da sua carreira.


JU - Em escala global, a ênfase nas avaliações de qualidade de pesquisa vem se deslocando da mera atenção à produtividade para questões de impacto e relevância. Como a Unicamp deve responder a essa mudança cultural?

Sergio Salles-Filho - Entendemos a avaliação de resultados e impactos - da pesquisa, mas não somente – como uma prática necessária na rotina da universidade. A avaliação tem um papel fundamental no planejamento, no autoconhecimento e na prestação de contas à sociedade sobre o que a universidade faz. Sempre escutamos que a comunidade identifica a Unicamp ao Hospital, que presta serviços valiosíssimos, mas a falta de divulgação dos resultados das atividades de ensino, pesquisa e extensão é, em grande parte, responsabilidade nossa. Temos que melhorar nossa comunicação com a sociedade, pois a própria legitimidade social de ser uma universidade pública e gratuita e plural, que recebe R$ 2,5 bilhões anuais de impostos, passa por isso.

Ao ser compreendida como uma prática, a avaliação precisa ser constantemente atualizada em relação aos indicadores e métricas que emprega, assim como em relação aos instrumentos de coleta e análise de dados. Em todos estes aspectos, há uma importante evolução nas últimas décadas e cabe também à Unicamp contribuir para essa evolução.

Como ponto central desse movimento está a perspectiva de mensurar impactos, ou seja, os efeitos dos resultados da pesquisa, sempre considerando que tais impactos se manifestam em diferentes dimensões. É possível ver este movimento nos rankings internacionais das universidades, que estão agregando dimensões de impacto aos tradicionais indicadores de produção acadêmica e reputação. Outro ponto importante é a crescente disponibilidade de dados e a necessidade também crescente de capacidade de processamento destes dados para fins de avaliação.

Inicialmente consideramos que a avaliação da pesquisa deve ir além da contabilização da produção científica e tecnológica. Devemos sim medir o número de artigos em periódicos – mas também de artigos em eventos, livros e capítulos de livros, patentes e obras artísticas, até porque diferentes áreas de conhecimento têm dinâmicas específicas para a publicação de seus resultados de pesquisa.

Devemos também usar indicadores para qualificar estes números, tais como fator de impacto das revistas, citações, colaborações nacionais e internacionais, mais uma vez sem desconsiderar as especificidades das áreas. Mas devemos ainda estar atentos a novos indicadores associados à produção científica, como é o caso, por exemplo, da proeminência, que classifica de forma dinâmica tópicos de pesquisa a partir de citações e visualizações recentes e impacto das revistas e permite ter uma visualização de relevância da pesquisa que temos realizado. Ou ainda, da altimetria, um conjunto de métricas alternativas que identificam principalmente como as pessoas interagem em torno de um trabalho acadêmico em ambientes online, tais como redes sociais, blogs e gerenciadores de referências bibliográficas, ou ainda se, e como, essas publicações são citadas em patentes, documentos de políticas públicas ou ensaios clínicos, só para trazer alguns exemplos.

O mesmo cabe para a produção tecnológica que decorre das atividades de pesquisa. Devemos, da mesma forma, medir o número de depósitos de direitos de propriedade intelectual, mas também acompanhar licenciamentos e outros acordos de transferência de tecnologia, o que é essencial para ir além da contabilização. A mesma lógica vale para as inovações sociais voltadas a políticas públicas, assim como as que envolvem a formulação e implementação de novos produtos, processos, serviços ou modelos (organizacionais, de gestão, de governança, de relacionamento) orientados especificamente ao atendimento de necessidades e ao enfrentamento de problemas sociais (Relatório de Avaliação Institucional Unicamp 2014-2018).

A mensuração de outros tipos de impacto da pesquisa e da extensão – sociais, econômicos, ambientais – são igualmente relevantes e impõem desafios metodológicos maiores, justamente porque é preciso estar atento para a atribuição da causalidade entre as atividades de pesquisa e extensão e seus desdobramentos, seja para a qualidade de vida, formulação de políticas públicas, geração de empregos, competitividade entre outros. No entanto, apesar dos desafios, a mensuração de impactos é importante para compreender que para além de pesquisa de excelência que a Unicamp produz, temos uma pesquisa responsável e relevante para o desenvolvimento social, econômico, ambiental em âmbitos regional, nacional e mesmo internacional.

Recentemente, a CAPES anunciou que os Programas de Pós-Graduação precisarão realizar auto-avaliação, além de planejamento, o que pode ser um bom piloto para avaliações de impacto da pesquisa no âmbito da Unicamp, a serem posteriormente organizadas em âmbito institucional.

Entende-se que a mudança de cultura no que se refere à avaliação da pesquisa passa também pela inclusão de indicadores relacionados ao processo de fazer pesquisa na Universidade. Identificar práticas de Open Science e diversidade das equipes de pesquisa são, dentre outros, elementos fundamentais nesta vertente.

Para viabilizar e sistematizar essa prática de avaliação de impactos, é de extrema relevância que a Unicamp seja capaz de organizar seus dados internamente e ter acesso às bases e plataformas de dados variadas, que possam ser integradas para gerar as informações desejadas. Complementarmente, é preciso mobilizar competências – dentre tantas que já existem na própria Unicamp e de parceiros nacionais e internacionais – para a realização das diferentes etapas envolvidas nestes exercícios.

Nossa gestão dará apoio aos programas e às unidades para que as metodologias de avaliação tragam informações relevantes para as diferentes áreas do conhecimento, úteis para conhecermos mais e melhor o que fazemos e os efeitos do que fazemos.

 

JU - Ainda no âmbito da avaliação de qualidade de pesquisa, as medidas de impacto e relevância usuais são as mais adequadas, considerando a missão da Unicamp?

Sergio Salles-Filho - Para responder essa questão é preciso compreender a missão da Unicamp. Como explícito em nosso Programa de Gestão, compreendemos que a Unicamp deve evoluir de forma equilibrada e interativa em suas três missões constitucionais: ensino, pesquisa e extensão. Ademais, entendemos que não basta enunciar a indissociabilidade das missões, é preciso praticá-la como política institucional, incluindo todas as áreas do conhecimento.

Outro fundamento de nossa proposta é o engajamento de mão dupla da Universidade com diversos segmentos da sociedade. Ao associar estes dois fundamentos, podemos compreender que tal engajamento se dá primordialmente por meio das três missões da Universidade, e então pensar as implicações para a prática da avaliação na Unicamp.

A primeira delas é a necessidade de que a avaliação não se restrinja à pesquisa. Ou seja, se queremos uma evolução equilibrada das três missões, é preciso também considerar os pesos das avaliações e compreender ensino e extensão em suas especificidades, para que sejamos capazes de traduzir e mensurar também a relevância destas atividades.

Vale aqui especial atenção à extensão, área em que há menos desenvolvimento em termos de indicadores e métodos de avaliação em comparação com as áreas de ensino e pesquisa. Ou seja, a avaliação da extensão é uma prática mais recente e não menos complexa que avaliações de ensino e pesquisa, pois abrange uma diversidade de ações e de relações com diferentes grupos sociais e carece de bases de dados abrangentes e disponíveis.

Isto posto, podemos dizer que se sob a ótica da avaliação institucional na Unicamp, o balanço de avaliação das três missões parece mais claro. Sob a ótica da avaliação das carreiras docentes e de pesquisadores, é necessária uma revisão que permita enxergar efeitos de cada missão e da interação entre elas. Sabemos que produção original de conhecimento é essencial, resta saber como isso se amplifica e se alimenta nas ações de formação e extensão.

A segunda implicação dos fundamentos colocados é a necessidade de que as avaliações considerem a mensuração de impactos para além dos resultados mais imediatos de suas atividades. Se o engajamento com a sociedade nos é tão caro, é preciso compreender de que forma somos alimentados pelas demandas da sociedade e quais os efeitos de nossas atividades na própria Universidade e nas diferentes esferas sociais.

Na questão anterior, este aspecto foi discutido para a área de pesquisa. É preciso que a avaliação da pesquisa vá além dos indicadores tradicionais circunscritos no universo da ciência e da tecnologia (publicações, citações, fator de impacto) e que seja capaz de mensurar a contribuição da pesquisa para a resolução de problemas e proposição de soluções.

O mesmo vale para ensino e extensão. Além de contabilizar ações – disciplinas, alunos, convênios, cursos, atendimentos –, precisamos evoluir para melhor identificação de resultados e mensuração de impactos.

Uma vertente importante de impacto da Universidade na sociedade advém de sua missão de ensino. A Unicamp forma quase 8 mil estudantes todos os anos nos colégios técnicos, cursos de graduação, dos programas de pós-graduação stricto e lato sensu e dos cursos de extensão. O recente estudo feito com os egressos entre 2009 e 2018 na Avaliação Institucional mostrou que eles atuam em mais de 400 áreas da Classificação de Atividades Econômicas (CNAE/IBGE), com concentração em estabelecimentos da administração pública geral nas três esferas de governo e em entidades de ensino superior formando então novos profissionais. Os impactos da formação oferecida pela Unicamp merecem ser melhor conhecidos.

Uma ação já em andamento na Unicamp e que vai nesta direção é o mapeamento dos egressos dos cursos de ensino médio técnico, graduação e pós-graduação, com ênfase na análise de suas trajetórias profissionais. Expandir esse mapeamento para os egressos de cursos de extensão, compreender as transformações nas rotinas de organizações com as quais a Unicamp colabora (sejam elas da administração pública, empresas privadas, organizações não governamentais), mensurar a contribuição do complexo hospitalar da Unicamp no enfrentamento de questões críticas de saúde (como no caso da pandemia da Covid-19) são alguns exemplos de como se pode evoluir nesta direção e de quanto avaliações podem auxiliar a Unicamp a subsidiar seu planejamento e, não menos importante, a estabelecer uma comunicação mais efetiva com a sociedade.

Uma terceira implicação de nossos fundamentos para a avaliação está na consideração das interações entre ensino, pesquisa e extensão. Medir o efeito das atividades de pesquisa e extensão na qualidade do ensino ou mesmo o quanto nossas atividades de extensão impactam a agenda de pesquisa são iniciativas bastante promissoras no fortalecimento da integração entre as missões da Unicamp.

Sendo assim, reforçamos medidas de impacto e relevância na prática avaliativa, indo além do universo da pesquisa, para que possamos caminhar mais efetivamente na direção de uma só Unicamp.


JU - Qual deve ser o papel do reitor frente a situações de conflito na comunidade interna, envolvendo estudantes, funcionários e docentes, levando em conta o histórico de ocupação da Reitoria num passado recente?

Sergio Salles-Filho - Em ambientes plurais sempre haverá conflitos e a universidade é uma instituição que deve cultivar a pluralidade. A diversidade de culturas e de opiniões representa um dos nossos diferenciais e nossa riqueza. A universidade é, por tudo isso, um lugar de fricção, de contraposições, de embate de ideias e de interesses. Sempre haverá diferenças, tensões e conflitos. O que devemos é transformar essa fricção em oportunidade para aprimorarmos a construção da nossa experiência democrática, cultivando os princípios de respeito mútuo e de exercício do contraditório e fortalecendo canais institucionais de explicitação de diferenças e de construção de soluções negociadas. Nosso esforço será sempre em nos manter na esfera do diálogo entre as partes e, quando necessário, com instâncias de mediação de conflitos.

Um dos fundamentos de nossa proposta é o de conduzir uma gestão baseada no diálogo, na busca de convergências e na construção de um ambiente de convívio saudável, empático e de confiança institucional. Este princípio deve ser respeitado nas diferentes situações vividas e nos diferentes espaços institucionais da Universidade, sempre no espírito do bem comum e da integração que nos motivam para a construção de Uma Só Unicamp.

Um princípio que tem guiado nossa atuação na Universidade, em todas as posições que assumimos, é a escuta. Quando um reitor estabelece permanentemente uma relação de aproximação com a comunidade, qualquer situação de conflito se torna mais fácil de ser equacionada e de encontrar uma solução pactuada. Ou seja, um bom relacionamento deve ser desenvolvido a todo instante, não apenas no Conselho Universitário e em suas câmaras e nem somente quando surgem situações de conflito.

Damos muita importância à institucionalização de uma cultura de diálogo na Universidade. É importante revisar e reforçar a participação dos diferentes grupos nas instâncias cabíveis, considerando a diversidade presente em nossa comunidade. A representação desses grupos em espaços institucionais é fundamental para que os conflitos encontrem soluções adequadas. Aqui estamos falando de garantir, em diferentes instâncias, representatividade das três comunidades, assim como, quando necessário representatividade de gênero, raça, carreira, áreas de conhecimento, entre outros aspectos que nos caracterizam.

A Unicamp tem investido na cultura de paz. Criou uma Câmara de Mediação e Ações Colaborativas, vem formando pessoas em mediação de conflitos. Daremos muita ênfase a esses canais pois acreditamos que são a forma adequada de construção de convergências para termos ambientes empáticos e confiáveis.

 

JU - A relação recente do governo do Estado com a comunidade acadêmica tem sido tumultuada, com ameaças de corte no orçamento das instituições, o que exigiu grande mobilização para evitar medidas que, caso aprovadas, colocariam em risco as atividades de ensino e pesquisa. Em sua opinião, como a reitoria deve ser portar diante dessas ameaças e qual a sua política de interação com o governo estadual?

Sergio Salles-Filho - É importante antecipar potenciais crises e ataques por parte dos diversos órgãos de governo (e de fora do governo). E isto deve ser feito de maneira institucional, com pessoal capacitado em treinamentos e de forma sistemática, não esporádica ou apenas em atitude de defesa.

Em nosso Programa de Gestão, um dos 13 temas é exatamente a articulação com os níveis de governo e órgãos de controle com o objetivo de contar com canais institucionais de comunicação e interação.

A Unicamp tem e já teve várias iniciativas isoladas, algumas bem-sucedidas, outras nem tanto. É fundamental contar com canais de interlocução, que nos permitam acompanhar ações, prevenir ataques, reduzir ameaças e ampliar a presença da Unicamp na formulação e implementação de políticas públicas. Temos muito o que pautar e isso depende de ações proativas de nossa parte.

É necessário um investimento e atenção permanentes para que a Unicamp faça parte de debates relevantes e assim identificar riscos e desafios, bem como oportunidades de construir intersecções entre os interesses estratégicos da Unicamp e as pautas que são objeto da atenção de membros do legislativo e executivo estadual, municipal e federal.

Ao observar atentamente as recentes relações tumultuadas e seus desdobramentos, depoimentos nas CPIs e visitas de parlamentares, percebemos que as atividades da Unicamp são bastante desconhecidas por vários representantes políticos do estado, da região metropolitana de Campinas e mesmo das cidades nas quais a Unicamp tem campi. Precisamos abrir mais as portas da Unicamp para diferentes segmentos da sociedade, inclusive parlamentares e agentes de governo.

Investiremos na criação e consolidação de um Escritório de Relações Institucionais que terá como função criar, manter e desenvolver canais de comunicação e interação com os diferentes níveis de governo.

Podemos dar exemplos concretos de ações preventivas de curto e médio prazos. A pandemia da Covid-19 vai deixar muita gente com dependências de tratamentos terapêuticos e com dificuldades financeiras, com possível agravamento de crises. Devemos antecipar prováveis ataques ao funcionalismo público que ficou blindado de muitas destas consequências, quer seja por ter possibilidade de trabalho remoto, quer seja por manutenção de seus salários.

Temos que planejar abordagens construtivas para evitar animosidades de parlamentares e governantes populistas, descrevendo e apresentando sistematicamente todas as atividades mantidas durante a pandemia. Para isso é preciso ter um planejamento de comunicação e marketing direcionado, que passe pelo fortalecimento do nome Unicamp, incremento no uso de redes sociais e divulgação de indicadores e dados que revelem as diferentes contribuições que fazemos para a sociedade.

Outro exemplo claro da necessidade de termos interlocução institucional consistente com o poder público está relacionado às reformas tributária e administrativa atualmente em discussão e que terão impacto importante sobre as pessoas e sobre toda a Universidade. A Unicamp precisa estar nas discussões, participar dos debates, das formulações, fazer cenários e desenhar soluções para uma situação que desconhecemos mas que sabemos será impactante.

Em resumo, a nossa gestão vai implementar, com os recursos humanos que dispomos, com capacitação apropriada, mobilização constante para evitar medidas que coloquem em risco a instituição Unicamp.

 

JU - Como avalia a importância das políticas de ações afirmativas e de inclusão social na Unicamp e como lidar com o desafio das políticas de permanência e de apoio ao estudante, levando em consideração o crescimento de discentes com menor renda?

Sergio Salles-Filho - O nosso Programa de Gestão tem por base dez fundamentos que norteiam todas as nossas propostas, entre eles está a busca ativa pela diversidade étnico-racial, de gênero, cultural e social como elemento de promoção da qualidade e da inclusão.

As políticas de ações afirmativas e inclusão são fundamentais para que a Unicamp cumpra a sua missão. A Universidade e toda a sociedade só têm a ganhar com essas políticas. Todos os segmentos da comunidade Unicamp - estudantes, docentes, pesquisadores e funcionários - devem ter uma composição que seja representativa da diversidade existente na sociedade brasileira. Dessa forma, a Unicamp poderá contar, em todas as suas atividades, com um espectro amplo de talentos, com grande variedade de experiências, saberes, inquietações e interesses.

Ao mesmo tempo em que é fator de inclusão, as ações afirmativas, ao trazerem diversidade, contribuem para a qualidade das atividades acadêmicas. Há estudos que oferecem evidências concretas sobre o impacto dessa diversidade na qualidade das atividades da universidade. A diversidade é um caminho para a criatividade, a inventividade e a abertura cultural. Em primeiro lugar, porque amplia as possibilidades de contar com profissionais talentosos; em segundo lugar, porque permite a expressão e a integração de pontos de vista diversos, originais, pouco explorados nos processos de pesquisa, ensino e extensão. A diversidade do corpo estudantil, docente, de pesquisadores e funcionários é uma condição, também, para a formação de alto nível para o mercado de trabalho contemporâneo.

Postos de trabalho no mundo corporativo, no serviço público e no terceiro setor exigem cada vez mais preparo para atender adequadamente às necessidades e demandas de uma população diversa e que é sujeito de direitos. Ao mesmo tempo, uma universidade do porte da Unicamp tem a responsabilidade de contribuir para o avanço da democracia no nosso País, o que pressupõe a formação para o exercício da cidadania em uma sociedade plural, a formação de pessoas preparadas para lidar com os desafios da superação das desigualdades e da reparação de injustiças históricas de promoção da justiça social.

Como se vê, então, a realização da missão da Universidade depende do compromisso com a inclusão e diversidade. Em outras palavras, exige sucesso das políticas de inclusão, de permanência de estudantes e do desenvolvimento das carreiras acadêmicas e profissionais de grupos hoje menos representados na Universidade.

Sabemos que há muitos desafios e que eles são diferentes quando se pensa em estudantes nos vários níveis de ensino (da educação infantil à pós-graduação), em docentes, pesquisadores e funcionários. Também são distintos quando se pensa em ensino, pesquisa e extensão. Existem, na Universidade, muitas iniciativas nessa direção, algumas já antigas, existentes há décadas, e outras de implementação mais recente.

Todas elas precisam se tornar visíveis, fortalecidas e assumidas como valor por toda a comunidade acadêmica. No conjunto, essas políticas precisam, também, contar com instâncias de articulação para que seus efeitos sejam eficazes e duradouros. Essas instâncias poderão, ainda, identificar lacunas e desenhar respostas institucionais adequadas. Em suma, precisamos avançar na institucionalização dessas políticas para que elas sejam estruturais, para que deixem suas marcas positivas em todas as atividades da Unicamp e nas pessoas que nela atuam, em todos os segmentos.

Há um aspecto muito importante que gostaríamos de salientar: para que sejam efetivas e produzam efeitos duradouros, as políticas de inclusão devem contar com o protagonismo dos diferentes grupos em sua formulação e implementação.

Em nosso programa, detalhamos uma série de propostas, tais como: o fortalecimento dos programas de saúde psicoemocional e das políticas de permanência, como as bolsas e auxílios, a moradia e outras; medidas para assegurar a plena inclusão dos estudantes indígenas; a consolidação da Diretoria Executiva de Direitos Humanos; a promoção da luta antirracista por meio de medidas concretas de combate ao racismo estrutural e de políticas para a promoção da igualdade de gênero; políticas de combate às formas de assédio e violência; políticas de acolhimento de estudantes e profissionais em situação de refúgio; ações afirmativas para ampliar a representatividade de grupos sub-representados nos diversos segmentos; promoção da reflexão continuada os nossos currículos e práticas pedagógicas inclusivas e sobre regras, normas e procedimentos acadêmicos que necessitem adequação por prejudicarem a inclusão; fortalecer as políticas de acessibilidade, para garantir a participação plena das pessoas com deficiências em todas as instâncias da Unicamp, incluindo os aspectos culturais, curriculares, pedagógicos, arquitetônicos e de comunicação.

Essa é a visão que temos para a nossa Universidade. Uma Universidade diversa, inclusiva que produz uma pesquisa de excelência, oferece uma formação de altíssimo nível em todas as áreas e está engajada com a sociedade. Portanto, qualquer que seja o cenário financeiro, essas políticas devem estar presentes de modo satisfatório no orçamento da Universidade.

 

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