Foto: ReproduçãoCristiane Delfina é mestra em Divulgação Científica e Cultural pela Unicamp e master of arts em documentary practice pela Brunel University London, em projeto financiado pelo programa de bolsas britânico Chevening. Realizou documentários no Brasil, Inglaterra e Islândia, participando de festivais nacionais e internacionais, entre os quais a mostra VerCiência e Cannes Short Film Corner, para o qual levou o seu documentário A Mulher Original, sobre a arqueóloga Niède Guidon. Este filme integrou também parte do seu projeto de mestrado no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Foi selecionada, em julho de 2017, pelo edital Capes-IODP, para ser a primeira agente de divulgação brasileira a participar de uma expedição marítima do programa Expedição 369-Australia Cretaceous Climate and Tectonics, tema desta coluna nas próximas oito semanas. Portfolio cristianedelfina.com

Sobre Pokémons e foraminíferas

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Foto: Reprodução Você deve saber o que são Pokémons, aqueles personagens coloridos e variados criados em 1996 pela Game Freak e pela Nintendo. Ao menos do Pikachu tenho certeza de que você já ouviu falar. Aquele...coelho (!?) amarelo com bochechas vermelhas, que pula, grita e solta raios. Muitas pessoas colecionam, trocam e disputam as cartas dos mais de 700 personagens, detentores de poderes, níveis de força e outras qualidades.

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Imagem ampliada de foraminífera flutuante encontrada em amostras da primeira escavação da Expedição 369 do navio JOIDES Resolution

Você já ouviu falar de foraminíferas? Pois bem, são seres unicelulares envolvidos por conchas, com dezenas de milhares de espécies, e que existem há milhões de anos, podendo variar de espécie a cada era geológica e cujas condições de sobrevivência são valiosas fontes de informação sobre a profundidade da água, o clima, os níveis de oxigênio, as idades geológicas e os tipos de nutrientes existentes na água nos períodos em que viveram.

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Ilustração: Cristiane Delfina

Por essas razões, a Expedição 369 possui uma equipe de micropaleontólogos focada em buscar e estudar estes seres e também nanofósseis calcários nas amostras retiradas do subsolo oceânico. Um dos co-chefes da expedição, Brian Huber, é micropaleontólogo especialista em foraminíferas e, junto com David Watkins (EUA), Maria Petrizzo (Itália), Erik Wolfgring (Áustria), Rodrigo Guerra (Brasil), Kristy Edgar (UK) e Trine Edvardsen (Dinamarca), analisa as amostras atentamente para identificar e interpretar o que encontram.
As forams, como são apelidadas, podem ser de solo (benthics) ou flutuantes (planktics), suas conchas podem ter composições diferentes e podem possuir “pseudopés” para se locomover ou se alimentar. A história da descoberta da primeira espécie é igualmente curiosa. Amostras da foraminífera, posteriormente denominada Nummulites, encontradas nos blocos que formam as pirâmides do Egito, foram apresentadas ao viajante e escritor grego Strabo o geógrafo (63 AC-21 DC) como sendo fósseis de lentilhas usadas para alimentar os escravos que construíram as pirâmides.

O que difere o interesse das pessoas pelos personagens dos jogos ou por estas criaturas reais?

O criador do Pokémon, Satoshi Tajiri, contou em uma entrevista, concedida em 1999 para a Time, que a ideia para a criação do jogo veio de sua atração por insetos. Quando criança, Tajiri foi até mesmo apelidado de Mr. Bug, por manter uma coleção de bichos. Essa curiosidade poderia ter levado o designer a estudar Ciências Biológicas, como ouvi de muitos cientistas falando sobre suas motivações para escolherem suas carreiras, mas ao invés disso levou-o para a área criativa, que lhe deu liberdade para misturar imaginação ao que aprendia sobre formigas, gafanhotos e libélulas. Seus conhecimentos foram aplicados para os momentos de lazer e distração das pessoas.

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Erik Wolfgring, paleontólogo austríaco, mostra seu caderno de estudos

O que quero dizer aqui é que, talvez, mesmo as foraminíferas sendo variadas e fascinantes como os Pokémons (a meu ver muito mais), e que suas propriedades possam revelar muitas informações sobre o passado do planeta, talvez a forma e as ocasiões em que são abordadas e apresentadas não sejam atraentes ao grande público. Não vemos imagens das complexas conchas de milhões de anos fora de ambientes educacionais. Também existe, em alguns segmentos, uma certa formalidade científica em se abordar os temas de maneira muito responsável para que equívocos sejam evitados. Uma quase tensão envolve os temas científicos, não? Mas é importante o reconhecimento de que eles são inspiração para muitas coisas legais que fazemos em nosso tempo livre.

A Ciência não seria Ciência sem o seu rigor, mas a maioria das coisas que temos em nosso planeta e que levam a pesquisas científicas são extremamente interessantes e poderiam conquistar muito mais pessoas se abordadas também de formas mais atraentes e acessíveis.

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