Edição nº 657

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 30 de maio de 2016 a 05 de junho de 2016 – ANO 2016 – Nº 657

Reuni transformou ensino superior, defende pedagoga

Apesar dos avanços, programa não pode ser considerado
inovador no âmbito da estruturação curricular

O programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), implementado em 2007 pelo Governo Federal, imprimiu com grande amplitude transformações na educação pública superior do país. Para a pedagoga Ana Paula Silveira, pesquisadora da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, além da expansão no número de matrículas, o Reuni colaborou para a reestruturação curricular e também favoreceu a interiorização da educação superior federal.

Apesar disso, o programa, cujos investimentos foram reduzidos a partir de 2013, não pode ser considerado como uma inovação na estruturação curricular do ensino superior público. A pedagoga pondera que, diferentemente do que foi publicado no documento que contém as diretrizes gerais do Reuni, a estrutura curricular do programa não é pioneira, nem inédita.

As considerações de Ana Paula Silveira fazem parte de dissertação de mestrado defendida por ela junto a FE. A autora do estudo promoveu uma extensa análise do Reuni, considerando-o como uma política de estruturação da educação superior. A pedagoga se baseou em fontes documentais, tendo como período de análise os anos de 2003 a 2013.

Dados levantados pela autora do estudo apontam que o Reuni mais que dobrou o número matrículas em cursos presenciais de graduação em universidades federais, a partir da sua implementação em 2007. A expansão registrada até o momento foi de 55,84%.

Ao mesmo tempo, Ana Paula Silveira relata uma expansão do ensino privado com fins lucrativos, impulsionado por políticas públicas como o Prouni (Programa Universidade para Todos) e FIES (Fundo de Financiamento Estudantil). Tal expansão representou um crescimento de 7,30% ao ano, no período de 10 anos.

Ainda de acordo com a pesquisadora, o Reuni promoveu a cooperação e mobilidade acadêmica nacional e internacional, estabelecendo interfaces com as agendas internacionais para a educação em consonância com as propostas da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e do Banco Mundial, por meio da publicação Construir Sociedades de Conocimiento: Nuevos Desafíos para la Educación Terciaria.

“Por outro lado, esta política de expansão e estruturação nacional da educação superior não pode ser considerada como inovadora. O programa foi um despertar de modelo de educação superior pública, preconizando a mobilidade acadêmica, empregabilidade e educação inclusiva. Mas devido à diminuição de investimentos também podemos dizer que a educação superior brasileira ainda permanece em constantes estruturações”, acrescenta.

O estudo, conduzido junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da FE, foi orientado pela professora Debora Mazza, que atua no departamento de ciências sociais na educação da Unidade. O trabalho insere-se no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Educação (GPPE) da FE, coordenado pela orientadora da pesquisa.

Bacharelados interdisciplinares
Ana Paula Silveira constatou no estudo que o Reuni promoveu os chamados bacharelados interdisciplinares como proposta de inovação curricular prevista no documento com as diretrizes gerais do programa. Os bacharelados interdisciplinares propõem a formação geral e flexível, se articulando em torno de três ciclos. O primeiro prevê uma formação universitária generalista, como pré-requisito para progressão aos ciclos seguintes; o segundo, uma formação profissional em licenciaturas ou carreiras específicas; e, por último, a formação acadêmica científica, artística e profissional da pós-graduação.

Tais programas apresentam, de acordo com a pesquisadora, similitudes com as políticas educacionais do Espaço Europeu para o Ensino Superior e com os Colleges norte-americanos. Neste ponto, a pedagoga explica que a interdisciplinaridade, flexibilização curricular e formação generalista proposta pelos bacharelados interdisciplinares estiveram presentes, com objetivos específicos, ao longo da história da educação superior brasileira.  Por isso, não se constituem como inovação, no caso do Reuni.

Ana Paula Silveira exemplifica, citando os casos, na década de 1960 da Unicamp, com as propostas de Fausto Castilho pela educação geral e ciclo básico; e da Universidade de Brasília (UNB), com as ideias de Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira. Houve também concepções similares na década de 1940 com a criação do Instituto de Tecnologia Aeronáutica (ITA), e a concepção de uma escola moderna presente no Relatório Smith, escrito pelo educador norte-americano Richard H. Smith, professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), em parceria com o tenente-brigadeiro Casemiro Montenegro Filho.

“O propósito acadêmico presente em cada uma dessas instituições foi diferenciado pelos objetivos. No ITA e na Unicamp a formação generalista compareceu como reparação do déficit escolar oriundo da formação do estudante durante o segundo grau. Já na UNB, Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira tinham a concepção de uma formação geral enquanto oportunidade de universalizar os conhecimentos adquiridos pelos estudantes durante o período escolar e universitário. O fato é que a estrutura pedagógica dita como inédita no Reuni já estava presente anteriormente”, confirma.

Ainda de acordo com ela, os bacharelados interdisciplinares, antes de ser tornarem uma característica específica do Reuni, já estavam constituídos na Universidade Federal do ABC (UFABC), desde sua criação em 2005; na Universidade Federal da Bahia (UFBA), a partir de 2010; na Universidade do Oeste do Pará (UFOPA), em 2009; na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), em 2007; e na Universidade Federal do Jequitinhonha e Murici (UFVJM) em 2006.

Conforme a pesquisa, os bacharelados interdisciplinares estão presentes, atualmente, em 19 universidades federais brasileiras. “Devemos reconhecer que, apesar de não se constituir numa inovação no caso do Reuni, este tipo de formação promove o fortalecimento da pedagogia do ‘aprender a aprender’ na educação superior. Isso permite que o aprendizado ocorra ao longo da vida do indivíduo. A ideia é a de que a universidade não forme simplesmente especialistas, mas aprendizes que respondam rapidamente às necessidades sociais e econômicas”, avalia.

Embora a adesão ao Reuni tenha sido opcional para as universidades federais, no geral a maioria aderiu ao programa, afirma Ana Paula Silveira. “Já as chamadas universidades novas surgem com as propostas do Reuni. Estas universidades foram criadas majoritariamente em regiões afastadas dos grandes centros urbanos, com o objetivo de levar para o interior o conhecimento necessário para o desenvolvimento socioeconômico”, acrescenta.

Além dos bacharelados interdisciplinares, a pesquisadora da Unicamp afirma que o Reuni promoveu a articulação entre graduação e pós-graduação, manteve a relação proporcional de um professor universitário para dezoito estudantes, estimulou a contratação de novos servidores públicos e professores universitários para atuarem nas universidades federais, e promoveu a chamada política de inclusão de pessoas com necessidades especiais e a reestruturação curricular.

“Na pesquisa eu aponto que a reestruturação da educação superior deve acontecer concomitante à criação do Sistema Nacional de Educação e que o Reuni pode, no âmbito pedagógico e curricular, afirmar-se como um modelo desta reestruturação”, ressalta.

Publicação

Dissertação: “Reuni: senta que lá vem história...”
Autoria: Ana Paula Silveira
Orientadora: Débora Mazza
Unidade: Faculdade de Educação (FE) da Unicamp