Edição nº 650

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 21 de março de 2016 a 03 de abril de 2016 – ANO 2016 – Nº 650

Técnica permite aproveitamento
integral de sementes de urucum

Engenheira de alimentos testa, com sucesso, tecnologia limpa

O urucum é o fruto do urucuzeiro, planta nativa da América tropical, que atinge de três a cinco metros de altura, tem grandes folhas verde-claro e flores rosadas. Os frutos são constituídos por cápsulas arredondadas, revestidas de espinhos moles, que se tornam vermelhas na maturação, contando de 30 a 40 sementes pequenas e duras. Estas sementes utilizadas pelos indígenas como corante são tradicionalmente empregadas também em cosméticos, contra picadas de insetos e na elaboração de certos pratos tradicionais. O urucum, empregado na culinária para realçar a cor dos alimentos, é conhecido como colorau.

As sementes de urucum (Bixa orellana L.) são hoje amplamente exploradas industrialmente com vistas à obtenção do pigmento bixina que possui aplicações em produtos cosméticos, farmacêuticos, têxteis, alimentícios - como carnes, embutidos, sucos, entre outros. O pigmento, que vai da coloração amarela ao vermelho intenso passando pelo laranja, passou a ter particular importância com o advento de legislações que impõem a substituição de corantes artificiais, grande parte deles lesivos à saúde, por outros de origem natural.

Pesquisa desenvolvida no Laboratório de Tecnologia Supercrítica: Extração, Fracionamento e Identificação de Extratos Vegetais (LASEFI) da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) Unicamp, especializado em extrações de compostos de origem vegetal, por Sylvia Carolina Alcázar Alay, graduada no Peru em engenheira em indústrias de alimentos, usou como matéria-prima sementes de urucum que resultam do processo que utiliza CO2 supercrítico - Supercritical Fluid Extraction using CO2 (SFE-CO2 ) - com a finalidade de extrair a fração lipídica (gorduras) que as constitui, rica em tocotrienóis, antioxidantes importantes na indústria química, farmacêutica, de alimentos e de cosméticos.

Os pigmentos, devido a pouca afinidade com o CO2, permanecem nas sementes após a extração da porção lipídica. Desse processamento resultam sementes de muito valor em termos de bixina, pigmento com grande potencial de coloração e múltiplos empregos. O resíduo resultante da extração dos lipídeos mostra-se rico no pigmento, em carboidratos, proteínas e material lignocelulósico e livre de contaminantes nocivos à saúde humana.

O trabalho, orientado pela professora Maria Angela de Almeida Meireles Petenate e coorientado pela professora Tania Forster Carneiro, desenvolvido com a aplicação de tecnologias limpas para o aproveitamento integral das sementes de urucum de reduzido teor lipídico, decorreu da constatação de que atualmente em escala industrial são utilizadas técnicas rudimentares e ineficientes para o aproveitamento integral e sustentável das sementes de urucum.

O resíduo sólido derivado da SFE-CO2 é constituído de materiais ainda passíveis de aproveitamento porque contém polissacarídeos como amido, celulose, hemicelulose e lignina. Estes polissacarídeos constituem as chamadas fibras alimentares, que não são metabolizados pelo organismo mas contribuem em diferentes formas com a saúde. Além disso, estes componentes do material vegetal são considerados fontes de energia renovável. Hoje pesquisas apontam na direção do aproveitamento dessas fontes de energia para a produção de combustíveis e açúcares fermentescíveis, que podem ser utilizados para a síntese de biocompostos ou produção de energia.  

A pesquisadora propôs-se a estudar, então, técnicas que envolvem tecnologias limpas que possibilitem o máximo aproveitamento das sementes de urucum, segundo uma política de sustentabilidade que elimine ou minimize a geração de resíduos. Frise-se que, atualmente, extraída a bixina, o material residual é em grande parte descartado.

No processo adotado, as sementes de urucum – resíduo do processo de extração da fração lipídica – foram moídas e separadas em função do tamanho das partículas resultantes. Na fração de partículas de menor tamanho constatou-se uma concentração relevante de bixina e que, por isso, foi direcionada para obtenção de extratos com maior concentração desse pigmento.

Verificou-se, paralelamente, que as partículas maiores não continham uma concentração relevante de bixina, mas nelas eram importantes os teores de amido, proteína e material lignocelulósico - constituído de hemicelulose, celulose e lignina, o que levou a pesquisadora a tratá-las hidrotermicamente, usando água pressurizada assistida por CO2 supercrítico, com vistas a obter modificações na estrutura e propriedades dos seus componentes, visando novas aplicações na indústria.

Como resultados desses processos, os produtos gerados na pesquisa foram: 1) pó rico em bixina, composto pela fração de partículas de tamanho menor; 2) farinha de urucum, resultantes das partículas de maior tamanho após tratamento hidrotérmico, com características modificadas e adaptáveis a diferentes processos de aproveitamento, rica em fibra alimentar e com cor característica; 3) carboidratos hidrolisados que podem ser usados como suplemento alimentar ou na produção de energia.

Procedimentos

Em vista disso, diz a pesquisadora, “o nosso intuito inicial era o de aproveitar esse resíduo e submete-lo à hidrólise, pois a reação com a água leva a um processo de partição das grandes moléculas de polissacarídeos, constituídas por unidades de glicose unidas por diferentes tipos de ligações. Dessa partição resultam os chamados açúcares fermentescíveis, de que os micro-organismos conseguem se alimentar”. Com base nesse foco, ela pretendia obter um produto hidrolisado com açúcares que pudessem ser utilizados na produção de energia ou de alimentos, embora seu foco maior, como especialista em alimentos, estivesse particularmente centrado neles.

Mas a ideia era extrair o máximo do pigmento da semente antes da hidrólise. Já existiam estudos para extração desse pigmento com água ou etanol, usando a tecnologia de extração com líquidos pressurizados e a baixa pressão, mas como os resultados direcionaram novos estudos sobre o tema, a pesquisadora considerou que seria melhor realizar o processo à pressão ambiente, utilizando como solvente o álcool, substância aceita no processamento de alimentos e com maior afinidade pela bixina do que a água.

Para conseguir aumentar a superfície de contato das sementes com o solvente elas foram moídas. Após a moenda as partículas sólidas foram submetidas a sucessivas peneirações de forma a separá-las em várias granulações. Nesse processo ela se deu conta de que nas partículas menores concentrava-se 80% do pigmento, e o restante distribuía-se por outras granulações. Além do que, essas partículas pequenas não podiam ser levadas ao equipamento de tratamento hidrotérmico pelas caraterísticas técnicas do procedimento.

Estas constatações levaram a pesquisadora a repensar o trabalho, separando inicialmente as partículas finas do resíduo resultante da mistura das partículas maiores. A partir do granulado mais fino, com vistas à obtenção de um extrato com maior concentração de bixina, ela aplicou um procedimento de extração com etanol que demanda baixa pressão em leito agitado. Foi quando verificou que para a indústria o custo seria mais viável se o pigmento fosse fornecido já na forma granulada, sem necessidade de passar por um processo de extração e evaporação do álcool.

No passo seguinte Sylvia submeteu a mistura de partículas maiores a um processo hidrotérmico que viabilizasse seu aproveitamento na área de alimentos. Essas partículas grossas, resultantes da moagem, constituídas de cerca de 80 a 90% da massa das sementes, que contêm ainda reduzida porcentagem do pigmento, amido, material lignocelulósico e também um importante conteúdo de proteínas, passou a ser chamada de farinha de urucum. A ideia era tratá-la de forma a que pudesse ser usada, por exemplo, na panificação ou na produção de macarrão, em mistura com a farinha comum. Para tanto, haveria necessidade de um tratamento hidrotérmico que, sem destruir o amido presente, modificasse as propriedades reológicas da farinha tendo em vistas as aplicações desejadas.

Resultados

A pesquisadora conseguiu então através de tratamento hidrotérmico, sem a utilização de produtos químicos, produzir modificações simples, de baixo custo, viabilizando a utilização da farinha de urucum na produção de alimentos. Essas modificações centraram-se na modificação do amido e os atributos que a farinha passa a ter viabilizam seu uso nas indústrias de alimentos, tornando o resíduo aproveitável. Os subprodutos derivados do tratamento hidrotérmico são monossacarídeos, oligossacarídeos, ácidos orgânicos e outros de interesse comercial para a indústria de alimentos, química e energética.

Sylvia enfatiza: “Essa farinha poderá ser usada para substituir nos farináceos, por exemplo, 10% do trigo, reduzindo custos. Hoje as sementes de urucum são usadas em rações ou descartadas, pois seu aproveitamento não é considerado na indústria de alimentos. Ao usar a farinha de urucum aproveita-se ainda uma matéria-prima benéfica para a saúde rica em fibras e que, mesmo depois de desengordurada, contém ainda certa quantidade de lipídeos e antioxidantes, além de cor caraterística”.

A opção de tratamento apresentada é sustentável porque não gera resíduos, diferentemente de processos químicos muitas vezes utilizados para os mesmos fins. Além do que, o processo sugerido abre caminho para o aproveitamento de outras fontes de amido não convencionais, provenientes de outros produtos de origem vegetal.

Publicação 

Tese: “Aplicação de tecnologias limpas para o aproveitamento integral das sementes de urucum (Bixa orellana L.) de reduzido teor lipídico”
Autora: Sylvia Carolina Alcázar Alay
Orientadora: Maria Angela de Almeida Meireles Petenate
Coorientadora: Tania Forster Carneiro
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)