Edição nº 582

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 01 de novembro de 2013 a 10 de novembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 582

Adriana e as portas da Unicamp

A trajetória da funcionária que começou na Biblioteca Central e hoje atua na Secretaria-Geral

Na entrada na nova casa, onde passaria a viver novamente com as irmãs Raquel e Renata, o quarto de meninas com três colchas idênticas e meticulosamente esticadas, sem nenhuma ruga, chamou a atenção de Adriana do Carmo, hoje assistente técnica de direção da Secretaria-Geral da Unicamp. Passou seis anos de sua vida separada das irmãs, pois era comum, há alguns anos, quando a esposa falecia, o viúvo dividir a criação dos filhos com outras pessoas da família. Renata foi morar com a avó paterna, Raquel, com a tia Shirley, e Adriana, com a avó materna, dona Merentina. Quando se reuniram, porém, foi como se fizessem um acordo de nunca mais ficarem tanto tempo longe.

– É assim até hoje, mesmo morando em bairros diferentes, procuramos estar sempre próximas, seja para a diversão ou para dar apoio uma à outra.

O toque de mãe alegrou os olhos de Adriana. Tinham novamente um quarto para três meninas. Os lençóis e as colchas para receber as três filhas do ex-jogador de futebol campineiro Geraldo do Carmo, conhecido como Geraldo Macacão, tinham sido esticados por dona Aurora, falecida em dezembro de 2012, de quem Adriana confessa sentir muitas saudades. O que era um recomeço a todos era apenas o início de uma história para dona Aurora e, aos olhos da filha mais nova, Adriana, já começou se saindo bem, oferecendo, na entrada, o aconchego da casa localizada no Jardim Garcia, em Campinas, onde passariam a viver todos juntos por muitos anos. 

– Imagine a coragem de uma mulher em começar uma vida ao lado de um homem e assumir suas três filhas, que por muito tempo se reencontravam somente aos finais de semana. Aceitamos, mas tinha o ciúme do pai, as brigas de irmãs adolescentes (eu brigava um pouco com a Renata), e ela soube administrar e conduzir muito bem. Fomos muito felizes. No começo, estranhei. Achava-a meio brava, mas com o tempo, vi que nos tratava como mãe. Eu tinha apenas 5 anos quando minha mãe faleceu. Então, para mim, ela foi uma mãe.

Por ser a mais nova daquela nova organização familiar, Adriana estimulou-se a repetir algumas habilidades de Aurora, como a culinária e o artesanato. Vinha de Aurora também a motivação para o trabalho, o curso universitário e a importância de prestar um concurso público para a Unicamp.

– Quando completei 18 anos, lembro-me de ela e meu pai insistindo para eu prestar o concurso, balizados pela bem-sucedida trajetória da Raquel na Universidade. Eu não tinha muita iniciativa, mas lembro de eles me darem dinheiro para fazer inscrição, que naquela época ainda era feita no Colégio Técnico da Unicamp [Cotuca]. Eles percebiam, pela estabilidade da Raquel, que aqui eu estaria segura, e eles poderiam ficar sossegados em relação a mim, como acontecia com minhas irmãs.

Dos pais também partiu a ideia de Adriana prestar vestibular para artes plásticas na Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

– Entrei, mas desisti porque engravidei do Alexandre Júnior, meu primogênito, em 1986.

E foi grávida de sete meses que Adriana assumiu o cargo de oficial de administração na Biblioteca Central da Unicamp, na época dirigida por Leila Mercadante. Como assim? Nem ela sabia. Desconhecia a lei e, como a barriga mal aparecia, foi contratada, para sair de licença depois de três meses.

– Foi uma das portas abertas pela mão de Deus, porque, quando engravidei, não era casada. Foi um ano de muitas mudanças, casei em junho de 1986 e, em 21 de julho, entrei na Universidade, com sete meses de gravidez. Engordei muito pouco. Quando conto, ninguém acredita. A Diretoria Geral de Recursos Humanos tomou um susto quando dei entrada no pedido de licença maternidade, pois teriam de esperar o bebê nascer para me admitirem, mas Deus sabe o que faz. Ele sabia que eu precisaria muito do emprego.

Sim, porque caberia a ela a sobrevivência dos meninos após a separação conjugal depois do nascimento de seu terceiro filho, Gabriel.

– Minha cabeça naquela época da separação era de que precisava ser muito severa. Até hoje sou meio rígida porque tinha muito medo que meus filhos enveredassem para algo ruim. Achava que não podia rir muito para eles. Sentia-me protegida porque minha família sempre amparou, deu força, foi meu arrimo mesmo, mas fui morar num lugar com muita droga e alto índice de criminalidade, tinha muito medo. Vi muitos jovens que estudaram com eles morrendo, sendo encarcerados.

Foi no complexo de literaturas, hoje chamado de Biblioteca Central Cesar Lattes (BCCL), que, por 20 amos, Adriana aprendeu a organizar periódicos e, nos últimos anos por lá, a secretariar a diretoria, na época já administrada por Luís Atílio Vicentin.

– E quando a BCCL começou a abrir à noite, passei a trabalhar horas a mais para complementar o orçamento familiar. Separada e com três filhos, aos 39 anos, precisava pensar na família.

Decidiu, então, dar nova direção a sua vida para, em seguida, poder realizar os sonhos dos filhos. Retomou os estudos, em 2004, mas, desta vez – muito distante do sonho de ser artista plástica –, pensou na organização da Unicamp, na valorização e na avaliação de títulos prometida pela Universidade e buscou meios que pudessem melhorar sua condição econômica. Inscreveu-se no vestibular para o curso de recursos humanos em uma faculdade particular.

– O que estou fazendo aqui?, indagava a mim mesma nos primeiros dias. Foi uma surpresa no começo, aos 40 anos, encontrar tantos jovens e até patrulheiros da Unicamp na faculdade. Mas encarei e vi o quanto foi positivo. Não foi fácil. Colocava o Gabriel, com 11 anos de idade, no transporte fretado, e pedia para o Val, na época namorado, hoje atual marido, correr em casa para vê-lo, já que meus filhos mais velhos estudavam à noite.

Mais que ampliar a renda, Adriana queria ser espelho para os filhos. Assim que a graduação começou a trazer bons frutos, pôde garantir curso superior a Alexandre Júnior, e hoje capitania a graduação de Diego, seu segundo filho. E como conseguiu tudo isso?

– Pelas portas abertas pelas mãos de Deus, nas quais acredito.

A BCCL, apesar da acolhida e das oportunidades inesquecíveis, tornou-se pequena para os sonhos da mãe que não estudou biblioteconomia. Adriana sabia que para validação de seu diploma, deveria desenvolver atividades compatíveis à formação. Então, preparou o coração e foi em busca de nova colocação profissional dentro da Universidade.

– Eles tinham de estudar, e eu queria mostrar isso para eles a partir de meu exemplo. E, mais uma vez, a porta da frente se abriu, pois, antes de me formar, encontrei a doutora Patrícia Lopes Moretto e, como estava sabendo de uma vaga na Secretaria-Geral, fui fazer entrevista. Foi outra coisa que Deus pôs a mão, porque ela nem me conhecia como profissional. A entrevista foi tão simples e, ao final, ela disse: “Vou falar com Atílio e você vem trabalhar aqui”. A vaga estava contingenciada, demorou, mas depois de quatro meses estava na Secretaria.

Para desespero de iniciante, Adriana começou em 1º de outubro e, no dia 2, foi trabalhar em uma reunião na Câmara de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe), na qual atuaria como secretária.

– Nunca tinha ouvido falar sobre a Cepe, mas fui, corajosamente. Foi meu primeiro teste, e fiquei maravilhada com os discursos, os debates. Como a Reitoria parecia algo distante de minha realidade, antes, achei linda a forma como falavam de suas pesquisas. Pensei que não daria conta, mas decidi continuar.

Decisão acertada, pois, em 2007, em sete meses, lhe foi oferecido um cargo de chefia. E ela mais uma vez ficou sem entender como poderia uma funcionária recém-chegada ser convidada para assumir a Cepe. Para maior surpresa, em 2009, assumiu a direção do Conselho Universitário (Consu) da Unicamp e, em seguida, agregou a Câmara de Administração (CAD) também.

Adriana não imaginava que uma prece para conseguir tocar sua vida lhe garantiria tantas oportunidades. Hoje, ela é assistente técnica de Direção da Secretaria-Geral da Unicamp.

– Em 2010, a doutora Patrícia foi convidada para dirigir a área de Recursos Humanos (DGRH) da Universidade, e, ao assumir o cargo de secretária-geral, a Leda me convidou para ser assistente técnica de Direção. Não podia imaginar, pois, com a saída da doutora Patrícia, ela não tinha compromisso de me manter no cargo, que dirá me oferecer promoção.

No momento, mais que as reuniões da Cepe e do Consu, Adriana é responsável pela área de recursos humanos, pela pauta de eleição de representação e até mesmo pela própria consulta para reitor.

Hoje, ao olhar a trajetória, a assistente somente agradece.

– A Unicamp, para mim, foi uma mãe. Criei meus filhos aqui. Os três ficaram aqui do berçário até a Escola Estadual de Ensino Fundamental Sérgio Porto.

 

Ponte Preta

Do pai, Adriana herdou o gosto por futebol. É capaz de passar as tardes de domingo ao lado dos filhos e do atual marido não somente assistindo, mas também comentando algumas partidas.

O sonho dos três filhos era ter o futebol como empregador, mas não foi por falta de dedicação de Adriana. Pessoalmente, ela levava às “peneiras” [testes para se tornar atleta em algum clube] não somente os filhos, mas o sobrinho Lucas, filho de Raquel e atualmente aluno do segundo ano de educação física na Unicamp. 

Semelhança ou coincidência? O bisavô desses garotos, Miguel do Carmo, pai de seu Geraldo, pode vir a ser reconhecido como o primeiro jogador negro a jogar no Brasil, pela Associação Atlética Ponte Preta (AAPP), de Campinas. A família se envolve na campanha, inclusive Adriana, ainda que de forma tímida.

– Não conhecemos nosso avô. Meu pai conviveu pouco com o pai, pois ele morreu jovem, provavelmente por um erro cirúrgico. O fonoaudiólogo Carlos Burghi (torcedor e membro da família Burghi, também fundadora da AAPP) levanta esta história e faz circular um abaixo-assinado entre torcedores e campineiros em geral para que o nome de meu avô seja citado como o primeiro jogador negro, na próxima Copa do Mundo. Enquanto isso, a família colabora, levando uma faixa ao estádio em dias de jogo da Ponte Preta. A Raquel é a mais animada, mas todos colaboram.

E não é assim somente no futebol. Sempre com palavras de gratidão, Adriana ressalta algum momento importante no qual recebeu apoio da “superfamília”.

– Sempre me apoiaram. Quando separei de meu primeiro marido, tive uma paralisia facial e foi difícil, pois nem queria sair à rua. Mas minha família acompanhou até que eu melhorasse. Morei com meus pais por algum tempo, mas logo consegui mudar de lá e, mesmo morando longe e num lugar complicado, eles estavam sempre por perto. Temos este zelo. Outro momento emblemático foi no tratamento de Aurora. Quando ela ficou doente, nos dedicamos quatro anos de cuidados e atenção. Devíamos isso a ela. Foi uma santa por assumir a educação de três adolescentes.

E, diante de tantos nomes a agradecer, dentro e fora da família, Adriana ainda ressalta:

– Se tivesse de escolher uma família, ela seria formada por Geraldo, Aurora, Renata, Raquel, eu e Carla. Porque a Carla, filha única de tia Shirley, acabou entrando para o time das irmãs, pois cresceu conosco. Renata é a mais velha, aquela com instinto protetor. Sempre presente. Raquel é a líder, seja para a festa ou para acontecimentos não alegres. É quem dá força para a família toda; meu espelho. Minha vontade de fazer faculdade partiu do orgulho que eu e as outras pessoas têm dela. Eu observava e pensava: “Quando crescer, serei igual a ela”, brinca Adriana.

Comentários

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PARABÉNS VOCÊ MERECE..... FORAM MUITAS LUTAS ATÉ CHEGAR AI

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Parabéns! Mais uma linda história publicada pelo jornal da UNICAMP.Qual será a próxima? emociono-me com todas, pelo fato de serem simplesmente exemplos de vida.

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Parabens Dri, acompanhei uma pequena parte da sua vida aqui na BCCL...Te admiro muito, você foi a melhor e talvez a única amiga que eu tive..foi uma amizade linda, voce é uma pessoa muito especial e te desejo tudo de melhor. Deus abençoe sua vida e sua família,
muito sucesso, voce é uma guerreira....

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Parabéns, Adriana. Voce e uma vencedora, criou os filhos com amor e sabedoria e hoje colhe os frutos.Fico feliz de conhecer a sua historia.Deus abencoe sempre vocês!

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Parabens, Deus sempre olha para os seus filhos e você faz parte.
Você merece fica com Deus.

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Eu gostei muito da história de sua vida e sua sinceridade, parabéns pela sua coragem e determinação.

adeoliveira63@uol.com.br

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Querida Adriana,

Que lindo ver esta história publicada assim, simples e transparente como você sempre foi. Você é uma guerreira... Sempre tive a mais profunda admiração por vocês todas. Parabéns!