Edição nº 558

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 22 de abril de 2013 a 29 de abril de 2013 – ANO 2013 – Nº 558

Desvendando a radiação do Sol

Detector construído a partir de estudo da Unicamp será usado
para medir emissões solares na frequência dos tera-hertz

A pesquisa desenvolvida para a dissertação de mestrado do engenheiro eletricista Luis Olavo de Toledo Fernandes, defendida na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp, proporcionou subsídios para a construção de um protótipo para detecção de radiação na faixa de frequência dos tera-hertz (1 trilhão de Hertz), situada entre o limite superior do rádio (micro-ondas) e o limite inferior da luz visível (infravermelho). A tecnologia serviu de base para a concepção de um experimento espacial, construído posteriormente, que será embarcado em balões estratosféricos que sobrevoarão a Antártica e o território da Rússia. O objetivo do projeto, batizado de Solar-T, é promover medições da radiação solar na faixa dos tera-hertz. Os parâmetros que dimensionaram o conceito de concentração de radiação presente no aparato foram objeto de pedido de depósito de patente por parte da Unicamp.

Os estudos e experimentos que deram origem ao protótipo caracterizado por Fernandes foram realizados no contexto de uma parceria entre o Centro de Componentes Semicondutores (CCS) e o Centro de Rádio Astronomia e Astrofísica Mackenzie (CRAAM), da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). O orientador acadêmico do trabalho foi o professor Jacobus Swart, enquanto a coorientação científica coube ao professor Pierre Kaufmann, que é docente da UPM e pesquisador sênior do CCS. Kaufmann explica que a dissertação foi desenvolvida como parte de uma linha de pesquisa que já soma dez anos e que tem sido financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“O objetivo dessa linha de pesquisa é desenvolver sensores, detectores e filtros que possam detectar radiações na frequência dos tera-hertz, faixa esta muito pouco explorada pela ciência. A motivação científica para atuar nessa área é a observação de explosões solares. Resultados obtidos pelo nosso grupo de pesquisa, e também por outros colegas, indicam que existe uma emissão importante nessa faixa. Ao estudarmos mais detalhadamente esse fenômeno, nos capacitamos para desenvolver novas tecnologias que podem ser aplicadas em diferentes áreas, como civis, militares, aeroespaciais e médicas”, detalha Kaufmann.

Um exemplo de aplicação desse conhecimento, conforme o docente, está na eventual concepção de técnicas de diagnóstico por imagem para uso na medicina. Na área militar, é possível desenvolver detectores para identificar remotamente o transporte de materiais perigosos, como explosivos e armas químicas. “Atualmente, o CCS está na fronteira do conhecimento nessa área. Estamos pesquisando em pé de igualdade com os nossos colegas estrangeiros”, garante Kaufmann. De acordo com ele, a versão de voo do detector foi construída na Rússia e integrada no Brasil, a partir dos parâmetros estabelecidos nos laboratórios do Centro, caracterizados pelo seu orientado.

Até chegar ao modelo que serviu de base para o equipamento que será embarcado nos balões estratosféricos, o autor da dissertação teve que resolver diversos problemas. Ademais, ele participou da construção de algumas versões preliminares do protótipo do aparelho. “Nós tivemos que desenvolver e caracterizar alguns materiais, bem como os filtros e sensores que são utilizados no detector. Os filtros de frequência tera-hertz foram inteiramente desenvolvidos e fabricados pelo CCS. Durante os ensaios que realizamos em laboratório, o equipamento demonstrou grande sensibilidade. Conseguimos registrar a variação de 1 Kelvin [unidade que mede a grandeza da temperatura termodinâmica], o que é muito bom. Isso representa uma sensibilidade cerca de 100 vezes maior que a dos detectores conhecidos”, compara Fernandes.


Voos estratosféricos

O trabalho realizado pelo estudante de pós-graduação motivou participações em congressos internacionais e artigos científicos que foram publicados em revistas de alto impacto. A divulgação chamou a atenção da comunidade científica. Graças a essa repercussão, os pesquisadores brasileiros receberam propostas de colaboração de seus pares em outros países. Duas dessas ofertas, que foram aceitas, referiam-se ao acoplamento do detector em balões estratosféricos, que alcançarão a altitude de 40 quilômetros acima da superfície terrestre. Em outros termos, o equipamento pegará carona nesses veículos, para poder promover a medição da radiação solar na faixa dos tera-hertz.

Para isso, o modelo final de voo foi construído por uma empresa russa para suportar as condições desfavoráveis durante a subida do balão, entre elas o frio intenso, que pode atingir 60 graus negativos. “Todo o aparato de voo foi integrado e testado por uma empresa brasileira. Ele está pronto, à espera dos voos. Um deles deverá durar entre sete e dez dias e percorrerá o território da Rússia de leste a oeste. Nesse caso, vamos contar com a colaboração do Instituto de Física Lebedev, de Moscou, e da Universidade da Califórnia, de Santa Barbara. O outro voo será sobre a Antártica e deverá durar duas semanas. Neste experimento, teremos a colaboração da Universidade da Califórnia, de Berkeley”, informa Kaufmann. As partidas devem ocorrer entre o ano que vem e 2015.

O docente esclarece que a experiência tem que ser realizada no plano estratosférico porque a atmosfera terrestre é “opaca”, bloqueando quase toda radiação tera-hertz recebida na superfície do planeta. A uma altitude de 40 quilômetros, esse tipo de absorção não ocorre. Segundo Fernandes, autor da dissertação, o modelo de voo do detector foi dotado de novos dispositivos, de modo a possibilitar a captura, armazenamento, tratamento e envio dos dados. Conta, por exemplo, com um sistema de telemetria, que será responsável pela transmissão à base terrestre, via satélite, das informações colhidas.

São esses dados, esperam os pesquisadores da Unicamp e do Mackenzie, que possivelmente jogarão novas luzes, sem trocadilho, sobre os fenômenos envolvidos na emissão de radiação na faixa dos tera-hertz. O tema das explosões solares, observa Kaufmann, permaneceu “fora de moda” por muito tempo, por razões inexplicáveis. O assunto voltou a merecer atenção da comunidade científica em tempos recentes, em razão do trabalho realizado por pesquisadores brasileiros no Complexo Astronômico de El Leoncito, instalado nos Andes Argentinos. Lá, os cientistas associaram pela primeira vez as explosões solares às emissões em tera-hertz.


Mecanismos misteriosos

O coorientador científico da dissertação esclarece que os mecanismos físicos de produção de energia solar continuam tão misteriosos como quando foram descobertos há 70 anos. “Nós conseguimos observar e diagnosticar muito bem os subprodutos das explosões solares, como a geração de partículas ou a produção de raios X e gama. Entretanto, o mecanismo que gera a energia permanece desconhecido. As pesquisas têm demonstrado que na região entre o rádio e o visível existe uma emissão de radiação. Isso nos fornece indícios da produção de partículas com energias extremamente elevadas, que até há pouco tempo eram insuspeitadas. Ou seja, há muito mais energia nesse acelerador de partículas que está no Sol. Atualmente, o diagnóstico se apresenta como muito mais importante do que a modelagem. Ocorre que, para fazermos o diagnóstico, nós precisamos de sensores e detectores nessa faixa de tera-hertz”, pormenoriza Kaufmann.

O docente do Mackenzie e pesquisador da Unicamp assinala, ainda, que esse tipo de pesquisa se reveste de dois aspectos fundamentais. Um deles é colocar a ciência a serviço da inovação tecnológica, de modo a fazer com que o Brasil não se torne dependente de outros países. O outro é a formação de recursos humanos qualificados para trabalhar tanto na academia quanto no setor produtivo. Kaufmann lamenta, porém, que por estas plagas não tenha ocorrido o mesmo que aconteceu na Coreia do Sul, onde o crescimento da produção científica foi acompanhado pela ampliação do número de patentes. “Aqui, nós temos publicado bastante e com qualidade, mas nossa capacidade de transformar o conhecimento em produtos e processos ainda não foi suficientemente maximizada”, considera.