Edição nº 550

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 17 de dezembro de 2012 a 31 de dezembro de 2012 – ANO 2012 – Nº 550

EUSTÁQUIO GOMES, um Servidor Emérito

Jornalista e escritor implantou e coordenou a Ascom por trinta anos

O jornalista e escritor Eustáquio Gomes, ex-coordenador da Assessoria de Comunicação e Imprensa (Ascom) da Unicamp, recebeu em 14 de dezembro o título de Servidor Emérito da Universidade. A cerimônia, presidida pelo reitor Fernando Ferreira Costa, foi realizada na residência do homenageado, em Campinas, na presença de familiares e amigos. Durante a solenidade, Fernando Costa destacou a valiosa contribuição dada por Eustáquio Gomes ao longo da sua trajetória profissional na Unicamp, iniciada em 1982. “É uma justa e merecida homenagem a um dos servidores mais dedicados e comprometidos com a Unicamp”, afirmou o reitor.

A proposta de concessão do título de Servidor Emérito a Eustáquio Gomes foi apresentada pelo próprio Fernando Costa ao Conselho Universitário (Consu), órgão máximo deliberativo da Unicamp, que a aprovou por unanimidade no dia 29 de novembro de 2011. Na oportunidade, diversos conselheiros manifestaram verbalmente apoio à iniciativa. Antes do ex-coordenador da Ascom, somente outros dois funcionários foram contemplados com a mesma láurea: a ex-secretária geral da Universidade, Arlinda Rocha Camargo, e o coordenador da Diretoria Acadêmica (DAC), Antonio Faggiani.

De acordo com Fernando Costa, Eustáquio Gomes sempre soube aliar, no exercício de suas atividades, uma admirável capacidade intelectual ao espírito de serviço, com plena fidelidade à instituição. “Bastariam estas qualidades para credenciá-lo à homenagem, mas destaco, ainda, a integridade, a dedicação e a honestidade como características marcantes de sua personalidade, que extrapolaram, em muito, as tarefas a que estava diretamente ligado na área de comunicação”, completou o reitor.

Segundo Leandro Gomes, filho de Eustáquio, a oportunidade de ter contribuído para o engrandecimento da Unicamp, na condição de coordenador de imprensa, é motivo de muito orgulho e satisfação pessoal para seu pai. “É notória sua admiração pela Unicamp e pelas pessoas que a integram. Ele sempre ressalta o quanto aprendeu com a diversidade de ideias e conhecimentos que circulam no meio universitário e com os quais teve contato ao longo dos anos. Este reconhecimento por parte da instituição à qual consagrou parte significativa da sua vida é uma grande honra para meu pai e nossa família, coroando uma carreira dedicada à divulgação da Universidade e do conhecimento nela produzido”, declarou.

Eustáquio Gomes, que atualmente se recupera de um problema de saúde, implantou e organizou a Ascom na gestão do então reitor José Aristodemo Pinotti. O órgão, comandado por ele de março de 1982 a setembro deste ano, é responsável pela interface entre a Unicamp e a mídia externa. Também responde pela publicação do Jornal da Unicamp  e pela produção de conteúdo noticioso para o Portal da Unicamp. O jornalista e escritor nasceu no povoado de Campo Alegre, no oeste de Minas Gerais, em 1952. Filho de lavradores, contou com a ajuda de amigos para realizar seus primeiros estudos, inicialmente na cidade de Luz (MG) e depois em Assis (SP).

Posteriormente, bacharelou-se em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Mais tarde, tornou-se mestre em Letras pela Unicamp. Sua dissertação teve como tema os modernistas de província. Como jornalista, trabalhou em jornais do interior, principalmente nos diários de Campinas. Atuou, ainda, nas áreas de comunicação das empresas Bosch do Brasil e White Martins. Como colaborador regular do campineiro Correio Popular, publicou cerca de 800 crônicas, além de reportagens especiais, entrevistas culturais e outros textos.

Apesar da importante produção jornalística, Eustáquio Gomes escreveu certa vez em uma crônica, intitulada A harpa e o beijo: “Apesar de tudo nunca fui um grande repórter, talvez nem mesmo um bom repórter. Era dado a divagações e contemplações, esquecia o principal e preferia os temas leves”. Via-se muito mais como escritor, e não por acaso.

Seus primeiros escritos, no formato de crônicas, datam ainda da infância. E foi na condição de escritor que produziu obras de destaque, como o romance A Febre Amorosa, de 1994, possivelmente o seu livro mais conhecido, adaptado posteriormente para o teatro em 1996 e traduzido para o russo em 2005. Ao todo, Eustáquio Gomes produziu 16 livros. Entre eles estão: Cavalo Inundado (poemas, 1975), Mulher que Virou Canoa (contos, 1978), Os Jogos de Junho (novela, 1982), Hemingway: sete encontros com o leão (ensaio biográfico, 1984), Jonas Blau (romance, 1986), Ensaios Mínimos (ensaios, 1988) e Os Rapazes d’a Onda e Outros Rapazes (ensaio, 1992).

Eustáquio Gomes também escreveu O mandarim: história da infância da Unicamp (biografia, 2006), que conta como foram os primeiros anos da vida da Universidade, a partir do levantamento de documentos históricos e do depoimento de personagens que ajudaram a construir a instituição. Por ocasião da publicação de fascículos do livro pelo Jornal da Unicamp, no início de 2006, antes de seguir para o prelo, o autor fez o seguinte comentário sobre o desafio que se impôs: “Um livro como este nunca é definitivo, porque com frequência as pesquisas e os depoimentos colhidos para escrevê-lo são incapazes de levar à convergência das versões existentes, por vezes numerosas, sobre um mesmo fato, por simples que seja”. 

Pausa para o Almoço
Clayton Levy

Na hora do almoço, ele passa na minha sala e seguimos de carro para uma cantina próxima à Universidade. Durante a refeição, ele conta os sonhos da noite anterior. Impressiona-me sua facilidade para achar o significado de cada vivência onírica. Aprendeu isso com Jung, de quem se tornou admirador. Também acostumou-se a anotar os sonhos assim que abre os olhos, quando as imagens ainda estão frescas na memória. Até pouco tempo, vinha colhendo material para um novo livro cujo título, a princípio, seria Sonhos Constelados.

Entre uma garfada e outra, a conversa muda de rumo. Agora falamos sobre a morte. Não de um jeito tétrico, mas com a naturalidade que o assunto pede. Uma de suas preocupações é saber se poderá continuar escrevendo. Outra é saber se no além haverá bibliotecas, pois sem bibliotecas nem o paraíso valeria a pena. Tudo isso porque, entre outras coisas, mesmo depois de morto, não pretende interromper o hábito de escrever diários.

Essa coisa de diários vem de longe. É um jeito de “filtrar os venenos” do cotidiano. Boa parte dos livros que publicou, 16 ao todo, nasceram desses manuscritos íntimos. Até pouco tempo ainda registrava tudo a mão. Um dia abriu o armário e mostrou-me mais de 20 cadernos recheados de anotações. O segredo está em não banalizar o dia a dia. Miudezas opacas ganham brilho após ser banhadas na riqueza intelectual de seus neurônios. Personagens apagados emergem do anonimato de um jeito que jamais foram vistos.

A conversa dá mais algumas voltas, e ele agora fala do passado. Atravessou parte da infância num seminário, mas desistiu da vida eclesiástica a tempo de tornar-se escritor. No início, temeu que Deus punisse a falta mandando-o para o inferno. Mas depois, ao saber que o inferno estava cheio de escritores, passou a olhar o problema com outros olhos. Afinal, se já estavam aceitando essa gente por lá, não devia ser tão mal assim. Conta-me essas histórias e ri do tom caricato com que descreve a si mesmo.

Depois do almoço, caminhamos até o sebo que fica ali perto. Ele adora sebos. Conhece todos os que há na cidade, bem como os inquilinos ilustres que habitam cada uma de suas prateleiras. Com paciência e generosidade, apresenta-me um a um: Kafka, Camus, Mann... Pode ter desistido do seminário, mas mantém uma relação religiosa com a literatura. É devoto de Machado de Assis.

Corre o dedo pelas lombadas e puxa um volume: O eu profundo e outros eus, de Fernando Pessoa. Abre uma página ao acaso e começa a ler em voz alta: “Toda a gente que eu conheço e que fala comigo nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipe, todos eles príncipes, na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana...” Dois estudantes param de conversar e olham com o rabo do olho. A gerente estica o pescoço para certificar-se do que está acontecendo.

Ele não dá bola e segue adiante: “...Quem me dera ouvir de alguém a voz humana, que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; que contasse, não uma violência, mas uma covardia! Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos...”

A essa altura, já há uma rodinha de curiosos ao nosso redor. Eu, que não sou escritor nem sei declamar, sinto que estou sobrando na cena. Tento esgueirar-me, sair de fininho, mas estou encurralado por pilhas de livros. A plateia entra numa expectativa muda, esperando o próximo ato. Ele se empolga:

“... Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? Poderão as mulheres não os terem amado, podem ter sido traídos, mas ridículos nunca! E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que tenho sido vil, literalmente vil, vil no sentido mesquinho e infame da vileza.”

Um dos estudantes começa a bater palmas. Os demais vão atrás. Aliviado, porém orgulhoso, sigo a plateia. Ele ajeita os óculos, fecha o volume e devolve-o à prateleira. Depois, dá uma risadinha sardônica e começamos a sair.  Lá fora, o ruído de um monomotor chama nossa atenção. Como num sonho, ganha altura, faz uma curva e some atrás das nuvens. 
Clayton Levy é assessor-chefe da Assessoria de  Comunicação e Imprensa (Ascom) da Unicamp

 

Depoimentos de ex-reitores


“Conheci o Eustáquio nos anos 1980, durante a gestão do professor Pinotti. Trabalhamos juntos em vários projetos de interesse institucional e em tantos outros de interesse artístico e literário. Em comum, compartilhamos o gosto pelas coisas e pelas razões da vida universitária e a paixão pela efemeridade perene da vida, da literatura e da vida literária. Seguimos trabalhando juntos quando fui vice-reitor e depois reitor da Unicamp no início dos anos 1990 e depois ainda, ao longo dos mandatos seguintes, em que ele continuou a chefiar o setor de imprensa da Universidade. Fico feliz pela homenagem que o escolhe como servidor emérito da Unicamp e que, desse modo, registra, pelo reconhecimento institucional, aquilo que todos, que com ele convivemos, já reconhecíamos na prática afetiva de nossas relações de trabalho, de amizade, de companheirismo e de generoso desprendimento.”
Carlos Vogt (1990-1994)

 

 




“Um grande ser humano, um excelente jornalista e alguém com um imenso amor à coisa pública e especialmente à Unicamp. Eustáquio conhecia a Unicamp com toda a sensibilidade de sua alma simples, bondosa e competente... Como reitor da Unicamp, sempre encontrei nele uma palavra amiga, um conselho e principalmente uma orientação essencial para essa difícil tarefa de administrar a Unicamp. Muito obrigado pela ajuda que sempre me deu no exercício de meu reitorado, Eustáquio.”
José Martins Filho (1994-1998)

 

 

 



“Jovem chegou à Unicamp. Rápido de cabeça e objetivo nas ações, dedicou sua vida à nossa instituição. Revelouse jornalista competente e um chefe organizado, granjeando o respeito dos seus colegas. Escreveu livros cativantes que prendem a atenção do leitor da primeira à última página. Parabéns Eustáquio, Você merece.”
Hermano Tavares (1998-2002)

 

 

 

 



“Além de sua paixão pela literatura, Eustáquio amava a  

Unicamp e contribuiu com o desenvolvimento da Universidade de forma fundamental. Conhecia como poucos a história da Universidade e das pessoas na Universidade. Sua 

sabedoria e sua pena ajudaram a formar boa parte da imagem  

externa da Unicamp.”

 

Carlos Henrique de Brito Cruz (2002-2005)


 

 


“Escrever sobre o meu amigo Eustáquio, o cronista da Unicamp, que produzia textos passeando com as palavras para colocá-las em seus lugares mais adequados? Seria eu tão pretensioso? Não, prefiro lembrar palavras dele próprio, escritas há quase 19 anos e publicadas em Viagem ao Centro do Dia - um diário (2007): “E assim me coloco na situação do sujeito que, aos 41 anos, tendo já gasto metade da vida, espera o dia seguinte para começar a viver. Já escrevi sobre isso: a sempiterna sensação de não ter passado ainda da antessala da vida. É como uma infância que não termina, um estado de sono que não passa, uma realidade que não chega. Será ruim? Percebo que todos os meus irmãos reagem como se fossem viver a partir do dia seguinte, e também meu pai, que fazia planos indefinidamente, e sabe-se lá se esse traço não se perde nas brumas da ancestralidade, uma espécie de sortilégio familiar.”

José Tadeu Jorge (2005-2009)

Comentários

Comentário: 

Eustáquio, parabéns pela merecida homenagem.
Com admiração, Cleonice Bassi.

Comentário: 

Acabo de comentar uma matéria publicada, impressionado com a qualidade não apenas da pesquisa desenvolvida, mas da matéria jornalística. Agora, me deparo com a história de Eustáquio, a quem não conhecia. Parabéns por essa construção comunicacional ímpar. Se como leitor sou tão beneficiado ao me deparar, neste momento, com os textos escritos pela equipe de comunicação da Unicamp, reconheço agora a autoria-primeira, o legado desse homem, filho de gente da terra, formado em Luz. Não sabia, agora sei. A Unicamp é invenção de Eustáquio. Eu a conheço pela escrita, ela se apresenta pela palavra. Pelo verbo, a ciência se corporifica diante de mim. Diferentemente do texto sagrado, ela não salva, mas ensina, resolve, inquieta. Semelhantemente ao texto sagrado, a escrita surge de quem a cria. Antes de todos, está ele, Eustáquio.