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‘Trabalho e capital no século XXI’ é tema de evento com convidada internacional

A socióloga Helen Sampson, da Universidade de Cardiff, lança livro e participa de seminário amanhã no IFCH

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A socióloga Helen Sampson, da Universidade de Cardiff, é a convidada do seminário “Trabalho e capital no século XXI”, organizado pelo “Núcleo de Estudos sobre o mundo do trabalho e suas metamorfoses”, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. O evento acontece amanhã (6), no Auditório Fausto Castilho, e conta com o apoio do Programa de Pós-graduação em Sociologia do IFCH, do Laboratório de Estudos do Trabalho, Profissões e Mobilidade (LEST) da UFSCar, e do Newton Fund / British Academy.

A partir das 13hs acontece a exibição do filme “O custo do transporte global”.  Logo em seguida, a professora da Cardiff faz a conferência de abertura “Um panorama do trabalho na indústria naval”. Após apresentações de professores da Unicamp, UFRJ e Unesp – entre os quais Ricardo Antunes (mediador), Ângela Araújo, João Ricardo Ramalho, Rodrigo Salles Pereira dos Santos e Fernando Ramalho Martins – , Helen Sampson encerra o evento às 18 horas com uma sessão de autógrafos do seu livro “Trabalhadores marítimos internacionais e transnacionalismo no século XXI”, publicado pela Editora da Unicamp. Veja abaixo entrevista com a autora.

A socióloga Helen Sampson, que participa amanhã de seminário na Unicamp
A socióloga Helen Sampson, que participa amanhã de seminário na Unicamp

Conte-nos um pouco sobre a sua carreira acadêmica, explicando como e por que você escolheu a sociologia.

Em 1985, quando eu ingressei na universidade, na Inglaterra, era bastante incomum ter estudado sociologia durante a escola, então eu nunca havia tido contato com a matéria. Eu havia estudado Economia básica (juntamente com Geografia, Biologia e Arte) e meu plano era continuar nela na Universidade. Entretanto, logo descobri que não gostava tanto assim do assunto enquanto graduação e que, por outro lado (e com certa surpresa), eu realmente gostava do módulo de Sociologia no qual havia me inscrito. O módulo tratava de questões de desigualdade social, mobilidade e estratificação, e esses são temas que continuam centrais no meu interesse pela Sociologia – mesmo hoje.

Por que você “dedicou” seu livro a Richard Brown?

Eu conheci Richard Brown no dia da matrícula na Universidade de Durham. Os novos estudantes tinham de ir até um grande salão escolher as disciplinas nas quais iriam se inscrever, e eu me sentia muito perdida e sem confiança. Durham tinha a reputação de ser uma universidade de elite (logo atrás de Oxford e Cambridge). Quando eu cheguei, me senti um peixe fora d’água, como se os corredores estivessem cheios apenas de estudantes de famílias ricas e oriundos das mais prestigiosas escolas privadas. Eu era também um pouco mais nova que a maioria dos estudantes, tinha acabado de completar 17 anos (a maioria dos estudantes tinham 18 ou mais quando entravam na Universidade). Então eu me sentia bem pouco confiante em mim mesma, me sentia sobrecarregada. Richard estava sentado atrás da mesa de matrícula para Sociologia quando eu cheguei nela. De alguma maneira acabei mostrando para ele que não me sentia boa o suficiente para estar ali – nos sagrados salões de Durham – e ele foi tão gentil, conversou comigo imediatamente e me confortou. Ele me fez sentir muito melhor e me designou para a sua própria classe. Foi o Richard que lecionou o primeiro ano do módulo de Sociologia, e por isso sempre senti que ele foi o responsável por eu ter seguido neste caminho e que lhe devo agradecimentos. Muito mais significativo, entretanto, é que eu pude conhecê-lo como pessoa, e ele era genuinamente uma das pessoas mais gentis que já viveram neste mundo. Ele deu tanto para os outros (e especialmente para seus alunos) e merecia muito mais crédito que uma mera dedicatória de livro. Fiquei muito triste quando ele morreu.

Como a indústria naval entrou na sua vida?

De certa forma isso foi mais um “acidente do destino”. Em 1998, eu vivia em Manchester e trabalhava parte do tempo no meu doutorado, ao mesmo tempo em que produzia pesquisas qualitativas para o serviço público (eu tinha fundado minha própria pequena empresa). A pesquisa estava indo muito bem e depois de cerca de quatro anos fui procurada por um amigo, Tony Lane, que era o diretor do Centro Internacional de Pesquisas dos Marítimos (Seafarers International Research Centre – SIRC), então estabelecido no Departamento de Estudos Marítimos na Universidade de Cardiff. Tony me perguntou se eu consideraria ajudá-lo a sair de uma difícil situação. Na época ele havia obtido um Projeto do Conselho de Pesquisa Econômica e Social ( Economic and Social Research Council – ESCR), que envolvia um número significativo de viagens de campo. Havia dois pesquisadores contratados no projeto e um deles nunca tinha tido nenhuma experiência de pesquisa embarcada. Infelizmente, na sua primeira viagem este pesquisador teve uma péssima experiência e não desejava repeti-la. Tony perguntou se eu poderia fazer uma viagem pelo projeto como freelancer, e ele estava tão entusiasmado pelo mar e pela experiência de estar em um navio que eu imaginei que seria uma grande experiência de pesquisa. A viagem aconteceu em 1999 e decorreu tão bem que o Tony quis que eu entrasse para a equipe de Cardiff permanentemente. E eu não teria ido se não fosse pelo fato de meu marido ter sido convidado para ir para Cardiff mais ou menos na mesma época, e também porque me atraía a perspectiva de trabalhar na academia (em uma instituição) mais uma vez. No final das contas, ambos começamos oficialmente nossos novos empregos com a diferença de apenas um mês entre um e outro, e dentro de cerca de um ano o Departamento de Estudos Marítimos foi fechado, e o SIRC incorporado à Escola de Ciências Sociais da universidade.

Por que você optou pela etnografia na sua pesquisa? Quais foram os principais desafios que você enfrentou durante seu trabalho de campo?

Quando você entra em um campo de pesquisa que é completamente novo para você penso que faz muito sentido imergir nele, e realmente compartilhar as experiências das pessoas nas quais você está interessado – respirar o mesmo ar que eles, por assim dizer. No caso de pessoas que vivem e trabalham em navios de carga isso faz ainda mais sentido, porque poucos de nós já tiveram contato com o trabalho e a vida de um marítimo. Eu acho que ao estar embarcada, ao trabalhar com os marinheiros, ao juntar-se a eles em terra durante suas saídas, e ao conhecer cada canto e cada fresta de um navio comercial (compartimentos de carga, sala de máquinas, tanques de lastro, etc.) você consegue a mais rápida e impressionante visão da indústria naval. Existem muitos desafios em ir para o mar, seja você marinheiro ou pesquisador. Você entra em um navio no qual não conhece ninguém, e onde as pessoas podem inicialmente desconfiar de você (especialmente se se é um pesquisador). Você fica bastante isolado no mar e precisa logo desenvolver resiliência física e mental. Durante meu tempo no mar experimentei várias situações difíceis e uma ou duas perigosas.  Não há tempo aqui para te contar tudo sobre aquelas situações, mas eu posso dizer que elas ganharam grande destaque no meu próximo livro, que já está quase terminado, e que eu espero publicar em janeiro de 2021.

Quão difícil foi para você, enquanto mulher, ter acesso a uma indústria dominada por homens? Foi desafiador conquistar a confiança dos trabalhadores?

Não acho que tenha sido mais difícil ganhar a confiança dos trabalhadores por conta do meu gênero – na verdade, de certa forma isso provavelmente tornou minha presença menos ameaçadora. Durante as minhas primeiras viagens acho que os marítimos reagiram bem ao meu interesse genuíno em seu trabalho e em todas as coisas relativas aos navios. Mais tarde, as coisas que aqueles trabalhadores me ensinaram me ajudaram a conversar com outros marítimos sobre o seu trabalho e as suas vidas de uma maneira que permitiu que confiassem em mim e me aceitassem como alguém com conhecimento “de dentro” e experiência, mesmo não sendo eu mesma marítima. Eu diria que eles entenderam que eu compartilhava com eles a difícil experiência de vida a bordo, embora não o trabalho de fato. No quadro institucionalizado de um navio é essa experiência de vida compartilhada que é provavelmente mais significativa em unir as pessoas do que o compartilhar de um mesmo ofício. Assim, já tendo estado no mar, de certa maneira me foi concedido o status de marítima, o que ajudou muito nas negociações para ter acesso tanto aos barcos, quando estavam no porto, quanto aos trabalhadores, quando eu estava embarcada. 

Você poderia resumir o impacto da globalização nas vidas daqueles envolvidos (direta e indiretamente) na indústria naval?

Na industrial naval, embarcações de propriedade e registro nacional “viraram casaca” para outros países. Isso significa que navios de proprietários do Reino Unido, por exemplo, podem ser registrados sob a bandeira das Bahamas ou do Panamá, ou por qualquer registro comercial de navios. É o país de registro que determina a regulação do navio – o que quer dizer que navios sob a bandeira das Bahamas têm de obedecer às regras das Bahamas, por exemplo. Na maioria dos casos, os países de registro “aberto” (chamados de Bandeiras de Conveniência [Flags of Convenience] pela Federação de Trabalhadores do Transporte Internacional [International Transport Workers Federation]) atraem navios para eles porque oferecem regulações menos restritivas para os operadores, particularmente com relação ao trabalho. Eles também oferecem impostos baixos (ou inexistentes). As empresas são, portanto, livres para tripular seus navios com marítimos de qualquer país, e elas procuram montar a tripulação mais barata possível que consigam encontrar, da qualidade que possam aceitar. Isso tornou os marítimos muitos mais conscientes da precariedade de sua posição enquanto empregados. A maioria está empregada via contratos temporários (por viagem) e ao final de cada contrato temem serem substituídos por alguém mais barato de algum novo país fornecedor de mão de obra. O impacto disso é a pressão para baixo nos salários e nos termos e condições de contratação. Além disso, a falta de fiscalização pelos países que adotam a Bandeira de Conveniência pode levar a condições de trabalho e vida não seguras, naquilo que já é reconhecido por ser uma ocupação perigosa. Então, em linhas gerais, é razoável dizer que o impacto direto da globalização sobre os marítimos é imensa. Existem, claro, muitas consequências indiretas também... mas talvez isso seja algo que devamos guardar para uma discussão mais longa...


Tiago Magaldi Granato Silva é doutorando em Sociologia no na UFSCar.


SERVIÇO

LivroTrabalhadores marítimos internacionais e transnacionalismo no século XXI
Autora: Helen Sampson
Tradutor: Fernando Ramalho Martins
ISBN: 978-85-268-1476-9
Edição: 1ª
Ano: 2018
Páginas: 336
Dimensões: 14x21 cm
R$ 72,00

 

 

Imagem de capa JU-online
Em um navio, no mar, imagem de corpo inteiro e de costas, foto em preto e branco de homem inclinado para a direita na imagem, deitado sobre uma grande peça de um navio, sendo que apoia nela com a mão direita, como se estivesse realizando algum tipo de manutenção nela. Ele mantém a perna esquerda apoiada sobre enormes cordas esticadas, e usa capacete branco e macacão. À frente dele, um parapeito de ferro tubular branco e o mar. Um espesso cabo de aço transpassa a imagem em diagonal. Imagem 1 de 1.

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