Comunicação apresentada no XIV Encontro Nacional de Filosofia da ANPOF, realizado em Águas de Lindóia, de 4 a 8 de outubro de 2010, no quadro de atividades do GT-Rousseau e o Iluminismo.

Música e Política em Rousseau: afinidades e implicações

José Oscar de Almeida Marques
Departamento de Filosofia - UNICAMP
jmarques@unicamp.br

RESUMO:

 

Quando Rousseau instalou-se em Paris, em 1742, trazia consigo as duas chaves com que pretendia franquear sua entrada na república das letras: sua peça Narciso e seu projeto de uma reforma da notação musical. Mas o que veio finalmente a trazer-lhe a fama literária foi a premiação pela Academia de Dijon, em 1750, de seu ensaio histórico-crítico, o Discurso sobre as Ciências e as Artes, cujo impacto deveu-se não tanto ao prêmio provinciano - em si mesmo de pouca relevância -, mas à curiosa ironia, que não passou despercebida ao público parisiense, de que um dos enciclopedistas tivesse produzido uma diatribe que contestava ponto por ponto as otimistas teses do prospecto preliminar da Enciclopédia que Diderot publicara exatamente à mesma época.

 

As polêmicas desencadeadas pelo Discurso mantiveram Rousseau ocupado nos anos seguintes, refinando e desenvolvendo suas idéias e argumentos e, principalmente, preparando uma obra de muito maior fôlego e ousadia, seu magistral Discurso sobre a Desigualdade, concluído em 1754. Mas mesmo durante período em que esteve profundamente imerso em temas ligados à política e à sociedade, Rousseau continuou dedicando tanta ou mais atenção aos temas musicais caros a seu coração. O lado público dessa produção é conhecido: a composição de sua ópera Le Devin du Village (1752), sua participação na "Querela dos Bufões" e, principalmente, sua Carta sobre a Música Francesa (1753), que produziu um escândalo ainda maior que o do Primeiro Discurso. Mas houve um lado "silencioso" destinado a ter consequências ainda mais importantes para o amadurecimento do sistema filosófico de Rousseau: os textos que ele redigiu em 1755 (mas não publicou) em resposta às severas críticas que Rameau havia feito a seus verbetes musicais escritos para a Enciclopédia.

 

No preparo de suas respostas, Rousseau desenvolveu sua teoria da expressividade musical em termos radicalmente diferentes dos de Rameau, estabelecendo uma conexão crucial entre a música e a linguagem enquanto expressão originária das paixões humanas, e da paralela degradação de ambas na história da civilização, temas que constituem o núcleo do Ensaio sobre a Origem das Línguas, redigido provavelmente entre 1756 e 1761 com base nesses materiais. Nesta comunicação pretendo examinar as consequências  dessa articulação entre música e política e as afinidades e implicações recíprocas entre elas no pensamento de Rousseau.