J.-J. Rousseau e o Discurso sobre a origem e 
os fundamentos da desigualdade entre os homens.
 

Adivaldo Sampaio de Oliveira
adivaldooliveira@ig.com.br
Formado em História pela Universidade de São Paulo
Introdução

Tendo consciência de que não possuo conhecimento suficiente para criticar um filósofo da grandeza de Rousseau, objetivo apenas realizar reflexões sobre o texto Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens à luz principalmente das apresentações realizadas durante o curso. 

A escolha do Discurso deve-se ao fato de acreditar que esta obra, que causou uma reviravolta na vida de Rousseau, é também a porta de entrada para o desenvolvimento de seu pensamento. Após alcançar sucesso e fama com a publicação do Discurso sobre as ciências e as artes, Rousseau voltou a escrever para a Academia de Dijon, porém desta vez sem almejar prêmios, pois como escreveu em Confissões "...não é para obras dessa categoria que são instituídos os prêmios das Academias".

Rousseau tem a convicção de que o homem é bom por natureza, e em seu primeiro discurso afirma que os costumes degeneram à medida que os povos desenvolvem o gosto pelos estudos e pelas letras, neste novo trabalho procurará mostrar as causas desta degeneração. Segundo Jean Jacques o homem natural é bom, e no isolamento é igual a todo homem. É a partir do momento que resolve viver em sociedade que as desigualdades aparecem.

Desenvolvimento

O Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens é dividido em 3 partes, sobre as quais apresentarei uma síntese a seguir: a primeira é a Dedicatória, seguida do Prefácio e por último o próprio Discurso, .

Dedicatória: O Discurso foi publicado em 1750, período em que Rousseau ainda contava com grande prestígio na sociedade - pois é a partir da publicação desta obra que começa a formar-se "o grande complô" do qual Rousseau sentia-se vítima – portanto sua dedicatória aos cidadãos de Genebra e aos representantes do Estado é natural e aparentemente sincera, pois para ele sua pátria era "...a imagem mais aproximada do que pode ser um Estado virtuoso e feliz, democrático e solidamente estabelecido..." (pág. 21). 

A louvação a seu pai e uma exaltação do papel das mulheres dentro da sociedade completam o contido na dedicatória.

Prefácio: Neste item Rousseau nos apresenta o método que irá utilizar para desenvolver o pensamento que servirá de resposta à pergunta da Academia: a priori tem-se que descobrir o que é o homem; "Como conhecer, pois, a origem da desigualdade entre os homens, a não ser começando por conhecer o próprio homem?" (pág. 40). Para realizar tal empreitada é necessário se chegar ao homem natural, e neste ponto surge um paradoxo, pois para se alcançar o homem natural é necessário despir-se do conhecimento do homem civilizado, ou seja, quanto mais utilizamos a razão para entender o homem natural mais distante nos colocamos dele. Para resolver este problema Rousseau propõe uma meditação "...sobre as mais simples realizações da alma humana," (pág. 44). Através desta meditação Rousseau chega a conclusão de que mesmo antes da razão, dois princípios básicos regem a alma humana: um é o sentimento de autopreservação e o outro é o sentimento de comiseração. 

O Discurso – 1a parte: Rousseau inicia o discurso fazendo uma distinção das duas desigualdades existentes: a desigualdade natural ou física e a desigualdade moral ou política. A desigualdade natural (sexo, idade, força, etc.) não é o objetivo dos estudos de Rousseau, pois como o próprio nome já afirma, esta desigualdade tem uma origem natural e não foi ela que submeteu um homem a outro. A origem da desigualdade moral ou política é o que interessa para Rousseau. 

Jean-Jacques trata em toda a primeira parte do Discurso sobre o homem natural rebatendo as teses de Hobbes, Buffon e outros que tratam do mesmo assunto, mas que enxergavam o homem natural a partir da visão do homem social (o homem do homem). Partindo de sua teoria dos dois princípios básicos que regem a alma humana, Rousseau descreve o homem natural como um ser solitário, possuidor de um instinto de autopreservação, dotado de sentimento de compaixão por outros de sua espécie, e possuindo a razão apenas potencialmente. O sentimento de comiseração pode ser visto também como instinto ou um mecanismo de autopreservação da espécie. 

Rousseau não vê na vida do homem natural, motivos que o levem à vida em sociedade. O homem natural vive o presente, é robusto e bem organizado, apesar de não possuir habilidades específicas, pode aprendê-las todas, é inocente não possuindo noções do bem e do mal e possui duas características que o distingue dos outros animais que são a liberdade e a perfectibilidade. A perfectibilidade é um neologismo criado por Rousseau para exprimir a capacidade que o homem possui de aperfeiçoar-se.

Utilizando como exemplo o estudo sobre a origem da linguagem, Rousseau tenta demonstrar a falta de ligação entre o homem natural e o homem social. Termina esta parte afirmando que a passagem do homem natural ao homem social, que é a origem das desigualdades, não pode ser obra do próprio homem, mas sim de algum fator externo.

O Discurso – 2a parte: Após descrever o homem natural, Rousseau utiliza uma história hipotética para descrever como se deu à passagem do estado natural para o estado social, mostrando desta forma como surgiu a desigualdade entre os homens. A idéia de perfectibilidade está na base de todo esta transformação.

O homem natural tinha como única preocupação sua subsistência, contudo à medida que as dificuldades do meio se apresentavam ele era obrigado a superá-las adquirindo, portanto novos conhecimentos. O homem natural aprendeu a pescar, caçar e por vezes a associar-se a outros homens, tanto para defender-se como para caçar, mas estas associações eram sempre aleatórias. Neste ponto é que surge a primeira "revolução": a construção de abrigos. O surgimento das casas faz com que o homem natural permaneça mais tempo em um mesmo lugar e na companhia de seus companheiros, nascendo assim as famílias e com elas os "...sentimentos mais ternos que são conhecidos dos homens, o amor conjugal e o amor paterno."(pág. 88)*. Ao passo que as pessoas passam a viver por mais tempo juntas começa a surgir formas de linguagem. Uma noção precária de propriedade passa a fazer parte deste novo universo. Por motivos de segurança, hábitos alimentares e influência do clima, as famílias passam a conviver próximas surgindo as primeiras comunidades.

Para Rousseau este era o estágio no qual o homem deveria ter parado. Vivendo em sociedade, com poucas necessidades e com condições de atendê-las o homem teria tudo para ser feliz. Mas a perfectibilidade não o permitiu. A pequena comunidade sentada a volta da fogueira cantando e dançando começa a se enxergar. Os homens passam a se compararem: o melhor caçador, o mais forte, o mais bonito, o mais hábil começa a se destacar, e o ser e o parecer tornam-se diferentes. Os homens agrupados ainda sem nenhuma lei ou líder têm como único juiz a sua própria consciência. E cada qual sendo juiz a sua maneira tem inicio o estado de guerra de todos contra todos. Paralelamente surge a agricultura e a metalurgia, evento ao qual Rousseau nomeia de "a grande Revolução". Com estes eventos surge a divisão do trabalho, a noção de propriedade se enraíza e passa a existir homens ricos e homens pobres, que dependeram doravante uns dos outros. É dentro desta situação caótica que os homens resolveram estabelecer leis para se protegerem; uns para protegerem suas propriedades e outros para se protegerem das arbitrariedades dos mais poderosos.

Rousseau passa a indagar que tipos de governos podem ter surgido. De antemão descarta a possibilidade de um governo despótico ter sido o iniciador do processo, pois o sentimento de liberdade do homem não o permitiria. Jean-Jacques diz que os governantes devem ter surgido de forma eletiva, isto é, se em uma comunidade uma única pessoa era considerada digna e capacitada para governá-la surgiria um estado monárquico; se várias pessoas gozavam ao mesmo tempo de condições para tal surgiria um estado aristocrático, porém se todos as pessoas possuíam qualidades homogêneas e resolvessem administrar conjuntamente surgiria uma democracia. O desvirtuamento dessas formas de governo pela ambição de alguns é que deram origem a estados autoritários e despóticos.

Rousseau conclui mostrando como os acontecimentos citados deram origem as desigualdades entre os homens. O surgimento da propriedade divide os homens entre ricos e pobres, o surgimento de governos divide entre governantes (poderosos) e governados (fracos) e o surgimento de estados despóticos divide os homens entre senhores e escravos. 

Conclusão

Como homem de seu tempo (século XVIII), Rousseau procura realizar uma análise científica da sociedade, e a exemplo dos físicos que criaram a teoria dos gases perfeitos, que em natureza não existe, mas servem para o estudo de todos os outros gases através do método de comparação, Rousseau utiliza a "noção de estado de natureza", que nunca existiu efetivamente, mas que serve de patamar de comparação para verificarmos o quão distante uma sociedade está do estado natural. 

Rousseau tem uma preocupação lateral no Discurso que esta ligada a sua religiosidade. Em alguns pontos lembra que o homem natural é uma ficção criada por ele para explicar sua teoria, que tal homem não existiu em época alguma da história, portanto seu texto não estaria desta forma contrariando as escrituras sagradas.

Durante todo o nosso curso, nos foi apresentado um Rousseau controverso, polêmico, uma pessoa que nasceu protestante, converteu-se ao catolicismo e mais tarde retorna ao protestantismo; um autor de peças teatrais que combate o teatro; um crítico dos romances que escreve uma obra como Julia ou A Nova Heloísa. Contudo ao avaliar sua obra e teoria, o que se vê é muita coerência. No Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Rousseau nos mostra um problema – a degeneração social provocada pelo distanciamento que o homem social está do homem natural. No Contrato Social ele nos apresenta uma solução – já que não podemos viver como o homem natural, pois a evolução da sociedade é inevitável (perfectibilidade), que constituamos uma sociedade harmoniosa, que tenha como ponto de partida uma relação entre governantes e governados baseada na liberdade. E em Emilio Rousseau nos mostra como chegar a tal sociedade - através da educação por um método bem específico que deve formar cidadãos livres. A educação de Emílio visa a construção do governante ideal, resolvendo um dos problemas da sociedade cujos vícios "...não pertencem tanto ao homem, mas fundamentalmente ao homem mal governado."(pág. 8).

Bibliografia:

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Editora Universidade de Brasília – Brasília/DF; Editora Ática – São Paulo/SP – 1989.