Mesa-Redonda
 
        A IRREDUTIBILIDADE DO PÚBLICO
Eduardo Guimarães
DL-IEL-UNICAMP
 
    Estabelecer políticas públicas é, do ponto de vista da sociedade, uma ação do Estado que estabelece normativamente quem pode e quem não pode se colocar na posição de assumir a palavra enquanto cidadão que busca apoio do Estado em suas ações na sociedade. E é, do ponto de vista do Estado, a ação de orientar o modo de tomar decisões sobre a organização e funcionamento da sociedade.

    Esta diretividade do sentido, segundo o Estado, se fundamenta na necessidade de o Estado e suas instituições estabelecerem políticas como parte de sua racionalidade.

    É fundamental expor uma política pública ao fato político, ou seja, à discussão, ao conflito, à história. À oposição própria de seu funcionamento que expressamos acima, entre a posição vista da sociedade e a posição vista do Estado.

    Se pensarmos a questão Política científica, como a comunidade de pesquisadores e a universidade deve responder a este princípio de racionalidade?

    Sustentando a posição segundo a qual as políticas de organização social precisam ser públicas, de responsabilidade do Estado. Isto porque o Estado, na nossa sociedade, é o lugar do público. Não se pode abrir o espaço social para que a posição que formula princípios de políticas públicas seja um lugar privado. Ou seja, o fato político fundamental não pode deslocar-se da relação entre a sociedade e o Estado para uma relação entre a sociedade e um lugar privado, no interior desta sociedade. Este deslocamento do eixo do político produz pela própria natureza da relação uma desigualdade hierarquizada, e assim um mecanismo de exclusões que podem funcionar a partir de uma racionalidade do privado.

    Isto se torna importante formular porque de um lado o Brasil não tem se caracterizado por ser um país com uma política científica clara, e por outro porque hoje em nome de se buscar uma política científica clara se tem, com freqüência, formulado o apagamento do que é próprio do político neste caso: o confronto entre as razões do Estado e da sociedade. É preciso, então, que trabalhemos, insistentemente, o sentido de que o que é público deve ser tratado como público.

    O problema  no plano das políticas científicas é que, como dissemos, o Brasil não tem se caracterizado por ser um País com uma clara política científica. A oscilação dos recursos destinados à ciência e tecnologia são um dos índices fortes disso. Lembremos aqui a oscilação relativamente ao Percentual do PIB destinado pelo Governo Federal investiu 0,64% do PIB em ciência e tecnologia, em 1982, 0,69%; Estes recursos caíram para 0,38% em 1985, retornaram a 0,60 em 1988, caindo novamente até 0,31% em 1992, crescendo ligeiramente em seguida até o patamar de 0,40%.

    Deste modo as exclusões produzidas por esta falta de política corre o risco de atender mais a grupos que têm posição nos organismos de financiamento, do que qualquer planejamento social, bom ou ruim que seja. E deste modo não há como responsabilizar o estado por direção alguma.

    O problema de uma falta de posição do Estado é que na medida em que ele não assume papel efetivo de formulador de políticas os mecanismos de atribuição da palavra indissociáveis das políticas públicas ficam invisíveis e o silêncio assim produzido no plano da produção do conhecimento acaba sendo um resíduo de posições de poder não formulados de modo público.

    Desta maneira a produção de conhecimento no Brasil tem se mantido porque há instituições, como as universidades públicas, nas quais, localizadamente, há uma história específica que formula alguma política localizada, que produz resultados. Há ainda o caso de São Paulo onde não só as universidades estaduais, mas também a FAPESP, tem investido consistentemente, com critérios visíveis, no desenvolvimento científico. Isto é de tal modo importante se se leva em conta que no decorrer do tempo o Estado de São Paulo passou a deter a vanguarda da produção científica brasileira. E é mais significativo quando se considera que as universidades de outras regiões do País que têm produção comparável à do Estado de São Paulo são universidades Federais, como as do Estado do Rio, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, por exemplo, cuja história resiste às oscilações  dos governos, às vezes  a duras penas.

    Para refletir sobre o investimento regional para produção de conhecimento no Brasil, podemos observar que pouco se tem investido nesta direção. Senão, vejamos o que dizem os dados a seguir, tirados da páginas do CNPq na Internet em 30 de abril de 1997.
 
 

FUNDAÇÃO
1994 - Orçamento executado(*)
1995 - Orçamento estimado
1996 - Orçamento 
previsto
CADCT-BA
400
800
2.000
FACEPE-PE
-
-
-
FAPEL-AL
344
11.885
20.200
FAPDF-DF
9.259
8.698
9.300
FAPEMIG-MG
7.567
20.000
28.000
FAPESP-SP
120.818
121.971
140.000
FAPERJ-RJ
3.300
21.000
40.000
FAPERGS-RS
4.309
38.137
38.137
FAPEMA-MA
418
623
5.418
FAPESQ-PA
330
1.000
2.500
FADECT-MS
-
-
-
FUNCITEC-SC
-
-
-
FUNCAP-CE
819
45.123
27.049
CNPq
395.434
529.127
854.970
CAPES
231.343
332.480
593.544
FINEP
321,0
299,3
184,1
 
 (*) valores em mil reais
 

    O que estes números nos mostram? Uma grande distância entre o que São Paulo investe e o que os outros estados investem;

    No plano de formulação de uma política, a não destinação de recursos é um modo de dizer que não é dado lugar à ciência e tecnologia como algo que possa afetar a organização da sociedade brasileira e seu desenvolvimento. Ou ainda, o conhecimento, o saber não é parte fundamental do funcionamento da sociedade.

    É especialmente notável observar que um estado como o Paraná, tido como um Estado cujo poder tem sido exercido de modo esclarecido, não tenha nenhum investimento em Ciência e Tecnologia. Ressalta também o caso do Rio de Janeiro, que é um dos estados de maior atividade econômica do Brasil e que, no entanto, só em 1996 previu investir mais que Minas Gerais em Ciência e Tecnologia, e que investiu menos, nos três anos, que o estado do Rio Grande do Sul.

    A tudo isso se acresce que há, também no caso dos Estados, segundo informações da comunidade científica, uma forte oscilação dos recursos destinados, assim como uma oscilação no cumprimento regular dos compromissos assumidos orçamentariamente.

    A se ressaltar positivamente em tudo isso é que a partir de 1995 há uma mudança evidente em todos os dados para mais. Se esta tendência se tornar consistente, então se estará projetando um lugar real para que a questão do conhecimento signifique, seja fundamentalmente predicada como necessária, e nesta linha, estará, inclusive construindo uma situação em que Ciência e Tecnologia participem da formulação de melhores condições de existência no futuro brasileiro.
  



 
Conclusão
    Nós da área de ciências Humanas precisamos assumir a posição de formular  políticas e propô-las em todos os níveis que nos for possível propôr, e implementá-las onde nos couberem posições de decisão de política científica.

    E isto com a perspectiva de que decisões neste campo são decisões de natureza histórica, são decisões que podem catalizar questões relevantes ou silenciá-las pela acomodação, pela repetição ou pela mera adesão ao que é mais fácil dizer em algum momento.

    Uma questão historicamente relevante não é a que é fácil formular. Não é aquela que está formulada de um modo diferente em um lugar próximo.

    Uma questão historicamente relevante envolve saber que a verdade da ciência não universal, não é um valor transcendental a ser alcançado, não é uma evidência do mundo. O Conhecimento a ser produzido, como algo que se produz porque circula, é aquele que se mostra necessário nas condições históricas em que se o busca.


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