Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 264 - de 30 de agosto a 12 de setembro de 2004
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Tese mostra que usuários de substâncias
psicoativas têm cinco vezes mais chances de desenvolver problema

Dependentes de drogas são mais suscetíveis a transtorno do pânico



MANUEL ALVES FILHO


A psicóloga Maria Piedade de Araújo Melo: "O diagnóstico correto contribui para um tratamento mais adequado" (Fotos: Antoninho Perri)Os dependentes de substâncias psicoativas lícitas (álcool) e ilícitas (maconha, cocaína, crack etc) têm cinco vezes mais possibilidades de desenvolver transtorno do pânico (TP) do que a população em geral, na qual a prevalência do distúrbio gira em torno de 3%. Além disso, a chance dessas pessoas experimentarem um ataque de pânico durante o uso da droga é de 7,97%. As conclusões constam da tese de doutorado da psicóloga Maria Piedade de Araújo Melo, apresentada à Faculdade de Ciências Médica (FCM) da Unicamp, sob a orientação do professor Evandro Gomes de Matos. A pesquisa foi feita junto a 163 pacientes do Centro de Referência e Informação em Alcoolismo e Drogadição (Criad), em Campinas. O alto índice de indivíduos com TP, conforme a autora do trabalho, indica a necessidade de uma avaliação e tratamento integral dos drogadictos, como preconiza a Organização Mundial da Saúde (OMS). “O diagnóstico correto contribui para um tratamento mais adequado e um prognóstico mais realista”, afirma a psicóloga.

Uso de álcool também é recorrente

Dos pacientes investigados, 143 eram homens e 20, mulheres. A idade variou entreO professor Evandro Gomes de Matos: "É preciso verificar se a dependência química tem caráter primário ou secundário" 18 e 64 anos. Os instrumentos utilizados na pesquisa foram: Questionário Estruturado e Entrevista Clínica Estruturada para o DSM-IV [Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais, da Associação Psiquiátrica Americana]. Segundo Maria Piedade, 25 pessoas apresentaram TP, sendo que 12 sem agorafobia [medo de lugares públicos] e 13 com agorafobia. “Um dado que chamou a atenção é que o uso de álcool está presente em todos os casos de TP, na maioria das vezes associado a outras substâncias. Apenas em quatro deles é que a bebida surge como única droga consumida”, aponta a autora da tese. O estudo revelou, ainda, um aspecto que contrasta com as informações contidas na literatura.

De acordo com Maria Piedade, entre os pacientes com TP, houve um equilíbrio em relação aos gêneros. Ou seja, o problema atingiu, proporcionalmente, homens e mulheres em patamares semelhantes. Pelos dados internacionais, o distúrbio é mais comum entre representantes do sexo feminino. “Muito provavelmente, isso se deveu ao reduzido número de mulheres tomadas para estudo”, imagina a psicóloga. Os solteiros, diz ela, parecem ser mais suscetíveis ao problema do que os casados, numa proporção de dois para um. “Embora não seja possível fazer afirmações conclusivas, esse dado indica que a estruturação familiar possivelmente interfere no surgimento ou não de determinados comportamentos e patologias”, pondera.

A pesquisa também apurou que a presença de TP entre evangélicos e pacientes que professam outras religiões é um pouco menor do que entre os que afirmaram não manter vínculo com qualquer instituição do gênero. “Aqui, não se pode afirmar que foi encontrada contribuição da religião para a ausência do pânico, mas também não é possível concluir o contrário”, adverte a autora da tese de doutorado. O índice de pessoas sem ocupação encontrado no grupo que apresenta o distúrbio, conforme Maria Piedade, foi significativo. Quanto a isso, a pesquisadora afirma que os dados não permitem uma discussão sobre a incapacitação causada pela dependência de drogas e/ou pelo TP. “Entretanto, não há dúvida de que as comorbidades [doenças paralelas] interferem na qualidade de vida desses indivíduos”, analisa.

Em sua investigação, Maria Piedade também apurou que os pacientes com TP passaram a apresentar os ataques de pânico depois que começaram a se drogar. Ela verificou, adicionalmente, que quanto menor o tempo de consumo de substâncias psicoativas, maior a presença de TP e vice-versa. “Muito provavelmente, os sujeitos do estudo têm alguma predisposição para desenvolver o pânico”, esclarece. A pesquisadora revela que em nenhum dos casos analisados havia o diagnóstico prévio do distúrbio. Isso ocorre, conforme o professor Evandro de Matos, porque o diagnóstico da dependência química muitas vezes encobre o de TP.

O professor da FCM explica que as razões para essa sobreposição estão freqüentemente relacionadas com o olhar que os médicos ainda lançam sobre os pacientes. Não raro, os profissionais são muito específicos, deixando de considerar o estado global daqueles a quem atendem, procedimento que não coincide com o que preconiza a OMS, como já mencionado. “No que se refere à dependência química, é preciso verificar se ela tem caráter primário ou secundário, por exemplo. O médico não pode se satisfazer apenas com dados preliminares. Tomados esses cuidados, o diagnóstico será mais preciso e o paciente terá um tratamento mais adequado e uma recuperação mais rápida”, analisa o docente.

Para ele, o trabalho da sua aluna de pós-graduação pode vir a ser uma valiosa ferramenta para os profissionais de Medicina. “Trata-se de um instrumento cuja metodologia é relativamente simples de ser aplicada por pessoas bem treinadas. Ele poderá ajudar a tornar os diagnósticos mais precisos”, prevê. Maria Piedade lembra que o método aplicado na pesquisa é novo no Brasil, mas vem sendo muito usado na Europa e Estados Unidos. “A partir dos nossos dados, teremos condições de comparar a realidade de lá com a daqui, o que certamente vai enriquecer o conhecimento acerca dos diversos aspectos que envolvem o consumo de drogas lícitas e ilícitas”, assinala. Para desenvolver sua tese de doutorado, Maria Piedade contou com bolsa do CNPq. Além de co-orientador da tese, o professor Luís Alberto Magna, do Departamento de Genética Médica, fez toda a análise estatística dos dados.


O que é


O transtorno do pânico (TP) atinge perto de 3% da população mundial, na maioria pessoas jovens, na faixa etária de 20 a 45 anos, sendo observado um grau de incidência maior nas mulheres, na proporção de três para um. Entre os sintomas provocados pelo distúrbio estão: sensação de morte iminente, vertigens, calafrios ou ondas de calor, medo de enlouquecer, palpitações ou ritmo cardíaco acelerado, dor ou desconforto no peito, sensação de falta de ar, boca seca, confusão e pensamento rápido, dor de cabeça, espasmos musculares e sensação de terror, de que algo horrível está prestes a acontecer. O tratamento consiste na administração de medicamentos, entre outros métodos terapêuticos, variando conforme o caso.

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