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ENTREVISTA: RICARDO CARNEIRO

O 'recuo tático' como estratégia e a desestruturação do estado

ÁLVARO KASSAB


O economista e professor Ricardo Carneiro: "Com taxa de câmbio muito instável e taxa de juros elevada, não há crescimento econômico"A ausência de diretrizes alternativas motivou a saída de Ricardo Carneiro da equipe que formulou a política econômica do governo Lula. Passados nove meses, o economista e professor do Instituto de Economia da Unicamp está convicto de que sua decisão foi acertada. Para Carneiro, o recuo tático levado a cabo pelo governo, por força das pressões do mercado, acabou constituindo-se em estratégia, cujo ideário está longe daquele sonhado por intelectuais e por boa parte dos militantes do PT, e muito próximo da linha adotada pelo governo anterior. "Uma política alternativa teria que estar clara na cabeça dessas pessoas que compõem o governo. Não vejo essa clareza", critica Carneiro, para quem a adoção de uma política compensatória, mesmo que "louvável" sob alguns aspectos, não vai dar conta de atender aos problemas de ordem social, sobretudo num cenário marcado pela ortodoxia.

Na entrevista que segue, Carneiro avalia os primeiros meses do novo governo, a começar das reformas. Considera "ruim" o projeto elaborado para a Previdência, por vê-lo como instrumento que pode culminar na desestruturação do estado e, conseqüentemente, de suas carreiras. "Acabar com a paridade e com a integralidade é um absurdo". O resultado, ao seu ver, será o esvaziamento da universidade pública e de outros setores. O economista discorda também do calendário das reformas, por não considerá-las essenciais. "Poderiam ser fatiadas ao longo da gestão".

Em sua análise, o professor prega a necessidade de o próximo acordo com o FMI ser firmado sobre novas bases, declara ser favorável ao controle de capitais e comenta as análises e as projeções contidas no boletim quadrimestral lançado recentemente pelo Cecon (Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp), do qual é diretor. Entre outras coisas, o grupo de economistas que formula o documento condiciona o crescimento à retomada dos investimentos do setor público, prega o controle de capitais especulativos, sugere a extinção das contas CC5 e projeta um crescimento do PIB entre 0% e 0,5% neste ano. Revela também que as famílias que sobrevivem com até dois salários mínimos são as mais atingidas pelas altas inflacionárias.


Jornal da Unicamp – Quais os fatores que motivaram sua saída da equipe que formulou o programa econômico do governo?

Ricardo Carneiro – Essa equipe dava continuidade ao programa que foi feito no Instituto da Cidadania, uma ONG ligada ao Lula. Havia um grupo de economistas que se reunia para discutir uma política econômica alternativa desde o início de 1999. Eram economistas de várias tendências, não só do PT, mas ligados ao pensamento progressista. Na época foi produzido um documento importante, que se chamava "Outro Brasil é possível". Depois, fui convidado pelo Palocci, quando este assumiu a coordenação da área econômica. Participei da formulação do capítulo sobre economia do programa de governo. Já eram registradas naquela época algumas divergências sobre algumas concepções, mas permaneci na equipe. Terminado o programa, em julho de 2002, eu e um grupo de economistas [Mantega, Beluzzo, Sayad, Coutinho, Singer] fomos convidados a assessorar a coordenação da campanha. As divergências sempre existiram.

JU – Divergências de que ordem?

Carneiro – Foi ficando claro que a orientação era de se preservar a política econômica do governo anterior. Mais do que isso: além de preservar – talvez até fosse necessário em alguns pontos –, foi ficando clara a ausência de compromisso com políticas alternativas. Por não ver na equipe clareza sobre como formulá-las e implementá-las, preferi não participar do governo.

JU – Passados nove meses, o senhor acha que a decisão foi acertada?

Carneiro –Sim, acho que a política econômica está equivocada e precisa ser mudada. Desse ponto de vista, entendo que fazer essa crítica é um papel importante, e a faço de uma forma não-partidária. Não cabe à universidade adotar uma postura partidária. Temos no Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da Unicamp [Cecon] pessoas de diversas linhas e tradições. Mas há, também, uma certa convergência em torno de uma crítica à política econômica. Não a do governo Lula em abstrato, mas sim àquela cuja formulação vem do Fundo Monetário Internacional.

JU – Nota-se que existe hoje um fosso cada vez maior entre os intelectuais petistas e o governo federal. Como o senhor vê esse movimento?

Carneiro – Essa questão é bastante complexa. Em primeiro lugar, vejo um problema de correlação de forças – você ganhou a eleição, mas não o poder real, seja do ponto de vista nacional ou internacional. Temos os grandes grupos financeiros, os grandes países, as instituições multilaterais. Isso tudo não mudou porque o Lula assumiu a presidência. Acho que taticamente teria de alguma forma de se compor. A minha crítica, na verdade, é que não vejo estratégia.

JU – Que tipo de estratégia?

Carneiro –Fiz a seguinte pergunta em vários momentos críticos da campanha, na discussão do programa e em alguns momentos em que essas concessões foram feitas: "qual é o projeto alternativo e como vai ser implementado?". Continuo fazendo a mesma pergunta. O que vai distinguir este governo do anterior, que era de inspiração liberal? A resposta para isso não pode ser a política social, que por si só não vai dar conta de uma política econômica ortodoxa, conservadora. Dificilmente você vai dar conta da questão social– desemprego incluído – com uma política compensatória. Uma política alternativa, mesmo que implementada de forma gradual, teria que estar clara na cabeça dessas pessoas que estão no governo. Não vejo essa clareza.

JU – Em outras palavras, o senhor acredita que o governo está trilhando um caminho já percorrido?

Carneiro – Acho ruim que o governo tenha ido por um caminho exclusivo de acumular credibilidade com os mercados. Isso teria que ser feito em parte. A credibilidade se justifica nela mesma, não traz uma conseqüência maior.

Costumo dizer que a credibilidade, na economia, é como a virtude para o cristão – a recompensa da virtude é a própria virtude. Independentemente de ter feito concessões – repito, algumas até necessárias – teria de deixar claro qual é a sua estratégia, e isso desde o primeiro momento. Acho que, no fundo, a negociação que foi feita com os mercados – com o poder real – foi uma negociação na qual o governo só cedeu.

JU – Qual a medida dessas concessões? A reforma da previdência está incluída nessa estratégia?

Carneiro – Nesse caso, terminou prevalecendo um projeto da previdência ruim. Não acho isso porque ele corrige algumas distorções. Elas precisavam ser corrigidas. Em primeiro lugar, acho que o projeto é ruim porque ele não preservou as carreiras de estado. Historicamente, o país de certa forma sempre teve no estado nacional um sustentáculo.

"Faltou ver o
sentido
estratégico da
universidade
dentro do país"



JU – O senhor vê risco de ocorrer uma desestruturação do estado?

Carneiro – Sem dúvida, esse para mim é o grande ponto. Trata-se, no fundo, de uma visão liberal; nem tanto fiscalista, como tem sido falado. Os ganhos não são tão expressivos. Dá uma idéia de que será feita justiça social, visão que acho bastante incorreta e que está disseminada num certo grupo do governo e do PT. Há uma certa tradição no PT de que você vai fazer justiça social tirando do assalariado que está um pouco melhor para dar para o assalariado que está pior. Não se consegue fazer justiça social modificando só a distribuição dentro dos salários. Tem que fazer com que banqueiros, grandes industriais e grandes fortunas paguem a sua conta nesse processo. Parece que seus respectivos lucros são uma constante da natureza, ninguém mexe com isso... Só nos resta mexer na distribuição dos salários. Esta é um pouco a lógica que vejo nesta discussão da reforma da previdência, além da desestruturação das carreiras do estado, que acho péssima. Quem discute isso há muitos anos e tem uma perspectiva progressista sabe que algumas distorções obviamente precisam ser corrigidas. Vejo, por exemplo, nas universidades, professores se aposentarem muito cedo. Depois, muitos acabam indo para universidades privadas. Isso está errado. Agora, acabar com a integralidade e com a paridade de vencimento, em várias carreiras, é um absurdo.

JU - Quais seriam os efeitos dessa política?

Carneiro – No futuro, corre-se o risco de não ter professor de tempo integral. A aposentadoria integral e a paridade são parte do atrativo da profissão. Acabar com isso significa que a universidade pública pode ser esvaziada. Acho que isso vai acontecer. Não estou muito preocupado com o fato de você dizer que o professor tem que trabalhar até os 60 anos etc. Isto está correto, afinal você investe num professor durante anos. O que houve foi uma falta de perspectiva, foi não ver o sentido estratégico da universidade dentro do país. Isso vale para outras carreiras, não só ciência e tecnologia. Para a magistratura, os fiscais, as Forças Armadas. Essas carreiras do estado são centrais, teriam de ser preservadas.

JU – Não há uma contradição no fato de o PT ter sido eleito com o apoio maciço do funcionalismo? O que o senhor acha desse embate?

Carneiro – Governar é arbitrar. O que acho ruim é só fazer a arbitragem contra os salários ou dentro dos salários. A minha pergunta é a seguinte: quando é que vai chegar a vez das grandes fortunas? Não estou falando em socialismo. Estou falando num processo de distribuição de renda que, onde houve no mundo, passou por esse tipo de coisa – pela tributação do lucro, da renda dos banqueiros, das grandes fortunas etc. Você não terá um país mais decente fazendo somente o Fome Zero. Tudo bem que seja uma iniciativa louvável, mas isso não é um programa estratégico de distribuição. Não se consegue melhorar a distribuição de renda só fazendo distribuição na massa de salários, até porque esta vem caindo ao longo dos últimos 20 anos como participação da renda nacional. Do ponto de vista econômico, acho que essa é a grande questão: o recuo foi tático, mas não pode ser estratégico. A insatisfação com o PT – de intelectuais, de militantes ou não-militantes – é com um certo recuo, que no fundo mais parece estratégico do que tático. Cadê o grande projeto de desenvolvimento? O Lula foi eleito para mudar a política econômica e resgatar o social.

JU – O que o senhor acha do calendário das reformas?

Carneiro – Não começaria o governo pelas reformas, porque não acho que elas sejam tão essenciais assim. Elas não têm essa dimensão, essa importância.

JU – Nem a tributária?

Carneiro – A reforma tem importância, mas deveria ser feita ao longo do tempo, “fatiada”. É muito difícil fazê-la, já que são várias as suas dimensões: a produtiva, a federativa e a distributiva. A federativa é uma confusão, há muitos interesses em jogo, é isso que estamos vendo. É dificílimo. Temo que o governo seja obrigado a fazer muitas concessões para avançar muito pouco no plano produtivo e distributivo. O governo pode acabar sacrificando a dimensão essencial da reforma, que seria a distributiva.

JU – Até que ponto a política de austeridade fiscal inibe o crescimento econômico?

Carneiro – Inibe de várias formas. Mas, mais do que a política fiscal, tem uma discussão mais ampla, que é a de o estado brasileiro ter tido sempre um papel importante na indução do crescimento. Isso, na verdade, foi desarticulado ao longo dos últimos 20 anos. Nos anos 80, por conta da crise da dívida e, nos anos 90, por uma política deliberada. Sempre, no pensamento progressista, houve várias correntes de economistas que acreditavam que teria de ser retomado esse papel. Não só por meio do gasto público correto, mas também nos investimentos estatais, na orientação do crédito das grandes instituições públicas – Caixa, Banco do Brasil, BNDES. E, na verdade, não estamos vendo isso. Fica a pergunta: onde está o papel estratégico que nós tínhamos pensado para o estado brasileiro? A idéia não é estatizar, mas sim ver o estado como alavanca do crescimento. Em que instância isso está sendo implementado neste governo?

JU – Quais são as chances de o país firmar um novo acordo com o FMI sem ficar refém das exigências impostas pelo Fundo?

Carneiro –Se for firmado um acordo ruim, você terá essa política que estamos vendo nos próximos anos. Pelo menos, por mais um ano. E aí o governo Lula vai se ver numa situação bastante complicada. Dois pontos são importantes para se fazer uma política econômica diferente. Um, que detalho mais tarde, que é a idéia de você fazer uma regulação dos fluxos de capitais externos. O outro é esse acordo com o FMI. Por que é importante? Um acordo com o Fundo, por meio de vários instrumentos e de compromissos assumidos, implica aa limitação da capacidade de intervenção do estado na economia.

JU – Aonde entraria o superávit primário...

Carneiro – Sim, nele você não separa atividade empresarial de atividade pública. Se uma empresa estatal faz um investimento, significa que você está se endividando para investir. Isso é contabilizado como déficit, fazendo com que não se cumpram as metas relativas aos quesitos contidos num acordo com o FMI. Isso impede que o estado tenha um papel mais decisivo na recuperação da economia. Há também a meta de superávit primário de 4,25% do PIB que é muito elevada, em particular numa conjuntura recessiva. Então, o acordo com o Fundo desse ponto de vista limita as possibilidades de crescimento pela ótica da recuperação do papel mais ativo do estado na economia. Como a economia está muito deprimida e a situação internacional é bastante instável, você só tem horizonte de crescimento no Brasil, a médio prazo, por meio de uma recuperação mais forte do gasto do Estado. Isso bate de frente no acordo com o Fundo Monetário.

JU – Quais as chances de o Brasil seguir o exemplo da Argentina?

Carneiro – A Argentina negociou duro e obteve um acordo razoável, reduzindo as limitações sobre o gasto público. O governo brasileiro entende que o aval do Fundo é extremamente importante, sobretudo para a política econômica. Ao mesmo tempo, você tem uma situação externa muito frágil. As reservas são muito baixas, o país está muito endividado. Não renovar o acordo com FMI pode significar que você eventualmente sofra um ataque especulativo. É uma sinuca de bico...Os acordos foram feitos para resolver determinadas situações. Por exemplo, a dívida pública. Melhorou? Não, piorou. Fragilidade das contas externas? Piorou, também. Então, apesar de estar há cinco anos consecutivos fazendo o acordo, o Brasil se obriga a renová-los, e não muda nada. A situação de fragilidade permanece. O caminho seria de fato buscar um acordo em novas bases ou então não renová-lo.

JU – Quais seriam?

Carneiro – O Brasil tem peso político. Tinha que jogar com isso, não aceitar certas regras de operação do setor público. Tirar, por exemplo, as empresas públicas do cômputo do cálculo do saldo primário. É um ponto básico na renovação do acordo.

JU – Cálculos recentes apontam que o Brasil tem reservas que não ultrapassam R$ 15 bilhões. Como ficaria o país, em caso de um ataque especulativo?

Carneiro – Essa é uma questão central da economia brasileira. Enquanto não equacionar a questão das contas externas brasileiras, não há como encarar um programa de desenvolvimento sustentável. A fragilidade externa brasileira produz muita instabilidade, de várias maneiras, entre elas, as sucessivas flutuações cambiais, que têm um efeito péssimo sobre a dívida pública, sobre as dívidas das empresas em dólar e sobre a inflação. Isso é produto de entrada e saída de capitais especulativos. A economia brasileira viveu, ao longo dos últimos quatro/cinco anos, oito ciclos de expansão e contração da liquidez. Qualquer indicador das contas externas piorou nos últimos anos. É uma situação extremamente frágil e você não tem como corrigi-la no curtíssimo prazo a não ser fazendo uma regulação mais drástica.

JU – O senhor prega o controle de capitais. É também por isso?

Carneiro – O país não pode ficar excessivamente exposto aos humores dos mercados internacionais. Há uma instabilidade muito grande da taxa de câmbio, que é um preço básico da economia que obriga, recorrentemente, a praticar taxa de juros elevada. Com taxa de câmbio muito instável e taxa de juros elevada, não há crescimento econômico. Com uma situação de endividamento e a forma pela qual a economia internacional se organiza hoje, não se consegue fazer reverter essa situação sem o controle dos chamados capitais especulativos. Essa é uma outra discussão extremamente importante que o governo não tem enfrentado e que é estratégica para o país. Quando falo em controle de capitais, não estou falando em fechar o país ao capital de longo prazo e ao investimento. Não é nada disso, mas sim ser seletivo.

"O país tem peso,
não podia aceitar
certas regras
d
e operação do
setor público"

JU – Até que ponto as contas CC5 interferem no bom funcionamento da economia?

Carneiro – O problema da CC5 não é o problema ilegal, não são as remessas que vêm sendo investigadas. O que me preocupa é o problema legal da CC5. O principal problema é o fato de qualquer cidadão brasileiro, com dinheiro legal, poder enviar esse dinheiro para o exterior para investir. Se você pode escolher entre o dólar e o real, isso aumenta a pressão sobre o real. Ou seja, para manter o dinheiro aqui, é preciso pagar uma taxa de juros maior. O outro problema é que as empresas usam o CC5 para efetuar pagamentos de suas dívidas no exterior. O que acontece é que a dívida externa brasileira não tem mais prazo.

JU – Por quê?

Carneiro – A coisa funciona assim: suponha que o dono de uma empresa emita um título de dez anos lá fora. Ele registra esse título, no Banco Central, como dívida de longo prazo. Aí começam a acontecer uns problemas, seja no mercado internacional, seja aqui dentro – o dólar desvaloriza, o risco país cai lá fora etc. O que acontece? Os títulos da dívida também desabam, às vezes mais do que isso. Então, aquela dívida emitida pelo empresário no exterior está muito barata. O que o empresário faz? Compra o dólar aqui dentro, sai pela CC5 e pré-paga a dívida. A dívida que era de dez anos vira uma dívida de um ano, ano e meio...Ou seja, a dívida externa brasileira é transformada numa dívida sem prazo.

JU - O boletim do Cecon projeta um crescimento do PIB entre 0% e 0,5% neste ano. A que o senhor atribui números tão baixos, ainda mais tendo como base que a proposta do governo era de um crescimento de 4,5 % a 5% ao ano?

Carneiro –Este ano é um pouco pior do que o ano passado, que é um pouco pior que o anterior, e por aí vai.... Este ano caiu por conta da instabilidade e por outras razões. Você não tem fonte sustentável de crescimento da economia. O país é continental, as exportações não têm peso suficiente para puxar a economia. Não é um país pequeno, com grau de abertura muito grande. Aqui, o mercado interno sempre teve ao longo da história – e continua tendo – um peso muito maior do que o mercado externo. Quando você contrai o mercado interno, o crescimento é muito baixo, mesmo que as vendas externas estejam indo bem. Com a queda da renda, com a contração do gasto público e dos investimentos [pelo segundo ano consecutivo], com todas as variáveis do mercado interno em retração, você não tem de fato uma fonte sustentável de crescimento.

JU – Onde entraria a queda na taxa básica de juros neste cenário?

Carneiro – Diria que ajuda, mas não resolve. A redução dos juros precisa ser substantiva. Hoje está em 20%, o que é muito alto, além do mais existem patamares rígidos para essa taxa cair. No fundo, a taxa de juros no país não é determinada internamente, mas sim pelo mercado internacional. O patamar definido pelo mercado internacional para a taxa de juros no Brasil é de 18%, com inflação de 6%, ou seja, uma taxa real de 11% ou 12%. O que é altíssimo. Não dá para crescer. Mesmo que a taxa caia para um patamar de 18%, ainda vai ser muito alta. Num primeiro momento, a redução da taxa afeta o consumo. Dada a queda de renda da população nos últimos anos, as pessoas estão cada vez menos dispostas a se endividar. Você consome e se endivida para consumir quando sua renda está crescendo, essa é a lógica.

JU – O quadro de desemprego agrava isso?

Carneiro – Entra o quadro de desemprego, mas, mais do que isso, a queda da renda. O desemprego aumentou um pouco, é crescente, alto, mas de uma certa forma vem se mantendo assim há alguns anos. É uma piora progressiva do desemprego ao longo da década, que tem a ver com o baixo crescimento da economia. O que houve nos últimos dois anos foi uma queda muito significativa do rendimento das pessoas, acentuando o padrão observado desde 1998. E isso tem a ver não com o emprego, mas com a aceleração da inflação, por conta da desvalorização cambial.

JU – Em boletim recém-lançado, o Cecon registra que o Brasil enfrenta uma "recessão dos pobres ". O senhor poderia explicar?

Carneiro – Houve uma contração da renda nos últimos anos, mas com uma característica importante: ela é maior nesses setores de renda mais baixa. O aumento do custo de vida tem sido maior para a população assalariada. Por duas razões: pela desvalorização cambial, que tem um impacto muito grande no item alimentação, e pelas chamadas tarifas de preço administrado, que eram de estatais e agora não são mais. São os únicos preços da economia indexados pelo dólar. Isso pesa no consumo da população pobre – energia elétrica, transporte público, telefone. Esses preços aumentaram mais do que os outros nos últimos anos. Então o custo de vida da população mais pobre cresceu mais do que o dos mais ricos. A contração de renda desses segmentos, independentemente do que aconteceu com os salários, causa a recessão dos pobres. Quanto mais baixa a renda, mais afetada essa parcela da população. No caso, foi o segmento de 0 a 2 salários mínimos.

JU – O que o governo vem fazendo para atenuar esse quadro?

Carneiro – O governo percebeu algumas coisas que vai ter que resolver. Percebeu, por exemplo, que há uma pressão crescente, seja dentro do PT, dentro do governo, seja na base parlamentar. Depois, há um problema bastante objetivo que são as eleições do ano que vem. Certamente será registrada, nos últimos três meses do ano, uma pequena melhora em relação ao primeiro semestre. Mas, em relação ao ano passado, será uma piora. Isso não resolve o problema do governo. Como ele vai enfrentar uma eleição, no ano que vem? Por onde vai vir a recuperação. Se esse quadro permanece, o governo está sujeito a enfrentar uma derrota feia. Pesarão o desemprego e a estagnação. Objetivamente, o governo está começando a se mover.

JU – Inclusive nas negociações com o FMI?

Carneiro – Sem dúvida. Eles discutem como flexibilizar esse acordo. Há uma preocupação no sentido de liberar o estado para gastar mais, para fazer obras que tenham conteúdo social. Mas será que vai conseguir?

JU – O senhor acha que o governo precisa assumir riscos?

Carneiro – Se o PT tentar uma coisa mais ousada e for derrotado, isso é ruim. Mas é um risco político. O outro é se acomodar, não tentar nada e ser derrotado moralmente por não fazer seu programa. Vai ficar 30 anos fora do poder. Aliás, não é só o PT, mas a esquerda toda. Os casos da Espanha e da França são paradigmáticos.

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