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A ‘Embrapa da indústria’ vai funcionar?

Por: Renato Dagnino

No início de agosto, junto com o lançamento do Plano Brasil Maior e a adição da “Inovação” ao nome do Ministério de C&T, anunciou-se, como uma medida suplementar para alavancar a P&D industrial, a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Industrial (Embrapi).

A ideia é, como sintetiza um secretário do MCTI, “enfrentar o desafio de transferir conhecimento da academia para o setor produtivo”. Citando “como exceção o setor do agronegócio, que serve de exemplo para outros segmentos industriais”, ele afirma que “apesar do marco legal estimular o setor industrial”, e dos recursos disponíveis estarem se multiplicando, a empresa segue pouco disposta a realizar P&D.

O objetivo da Embrapi seria, então “agilizar e facilitar o processo inovativo, que é interrompido entre a produção e a fase negocial”, aproveitando “a boa experiência da Embrapa, que servirá de exemplo”. Assim, depois de várias tentativas pouco exitosas de superar essa interrupção, que vão desde o fomento aos institutos públicos nos anos de 1970 até as incubadoras, parques e polos, a ideia é agora emular no âmbito da pesquisa industrial a experiência da Embrapa.

Os estudiosos da política de C&T latino-americana há muito tempo nos legaram três ensinamentos que podem ajudar a responder a pergunta-título deste texto.

O primeiro é o de que em áreas onde não existia o conhecimento necessário para a implementação de um projeto político de algum setor importante da elite dominante, fomos capazes de armar a “cadeia de inovação” que vai da “pesquisa pública básica” até o sucesso econômico (Instituto Agronômico, Embrapa, Cenpes-Petrobras, etc.), político-estratégico (CTA-ITA-Embraer, CPqD, etc.) ou social (Instituto Oswaldo Cruz, etc.). De fato, é por isso que em toda a América Latina, é apenas em segmentos com essas características – especificidades locais e importância para algum projeto político – que tem sido possível emular a experiência dos países de capitalismo avançado.

O segundo ensinamento pode ser sintetizado com um aforismo criado há mais de três décadas por um latino-americano ilustre (aquele do “triângulo de Sabato”): “em qualquer lugar e tempo, existirão três bons negócios com tecnologia: roubar, copiar e comprar...; e nenhuma empresa ou país irá desenvolver tecnologia se puder realizar um dos outros três”.

O terceiro pode ser entendido como um corolário para o caso brasileiro. Aqui, mais do que em outros países que foram relegados à periferia do capitalismo, como Índia, Peru, China, onde o conhecimento autóctone não foi arrasado pelo eurocêntrico, nossa ancestral dependência cultural, o baixo preço da força de trabalho e o elevado grau de oligopólio, tornam ainda mais intensa e estrutural a aversão natural da empresa a realizar P&D.

Ou seja, não é porque sejam atrasadas, ou porque não exista “cultura” ou “ambiente de inovação”, e sim porque são agentes econômicos racionais, que as empresas “brasileiras” não fazem P&D. Quem duvida, deve observar a elevada taxa de lucro (que é o critério mais apropriado para avaliar o seu desempenho) que obtêm “nossos” excelentes empresários.

Assim, o fato de que os segmentos onde logramos êxito estejam em geral situados em áreas como saúde humana, vegetal e animal, e recursos naturais, e não na industrial, apenas confirma esses ensinamentos.

Voltando ao caso da Embrapa, e explorando o plano político da política de C&T, rememoro duas manifestações significativas que esses ensinamentos explicam.

A primeira foi a mobilização de militantes do PT agrupados no seu Setorial de C&T quando da elaboração da plataforma do atual governo, para alterar a localização da Embrapa. Por estar o Ministério da Agricultura historicamente comprometido com o agronegócio, eles consideravam que só no MCT seria possível retomar a bandeira contra-hegemônica da Agricultura Familiar que haviam levantado com algum sucesso no início do governo Lula.

A outra, que corrobora o sentido da anterior, remonta àquela conjuntura, quando ocorreram tímidas ações do presidente da Embrapa para desenvolver tecnologia para a Agricultura Familiar. Irados e uníssonos protestos na mídia (... sabe-se lá o que ocorreu nos gabinetes!) dos porta-vozes do agronegócio “moderno” e do latifúndio “atrasado” provocaram a sua demissão.

O fato de aquela mobilização ter sido frustrada, provavelmente em prol da governabilidade, ao mesmo tempo que evidencia o acerto daqueles ensinamentos, sugere um outro: quando uma instituição desenvolve pesquisa aderente aos interesses de alguma elite, ela não apenas a usa e valoriza como impede sua reorientação.

A questão, para responder nossa pergunta-título, é saber se a elite industrial “brasileira”, que ao contrário daquela do agronegócio, vem sendo afetada há duas décadas por um processo de desindustrialização e desnacionalização e, mais recentemente, pela “ameaça chinesa”, irá responder como esperam os fazedores da PCT. Não parece plausível pensar que ela passe a tentar afirmar sua competitividade via inovação em P&D e não na importação de tecnologia desincorporada e, principalmente, como vem fazendo de modo contumaz, na compra de tecnologia embutida em máquinas e equipamentos.

Indo mais além (ou aquém) de questões “ideológicas”, cabe lembrar as inúmeras evidências de que ela, apesar do significativo aumento dos benefícios que vem recebendo do governo, que vão desde a subvenção econômica até a alocação gratuita de pesquisadores, passando pela renúncia fiscal, não tem alterado sua pouca propensão a realizar P&D.

E que durante o período neoliberal os fazedores de política também esperaram que as empresas industriais, acicatadas pela abertura comercial, iriam se tornar competitivas via transferência dos resultados da pesquisa universitária e da realização de P&D intramuros. E que, como ficou patente, elas simplesmente venderam seus ativos ao capital estrangeiro para explorar outros negócios e provocaram um desemprego que até agora amargamos.

Antes de criar inovações organizacionais, como a criação de uma “Embrapa da indústria”, na expectativa de que possam alterar o comportamento racional de excelentes empresários, é necessário que os fazedores de política compreendam o que diferencia o comportamento das elites que se relacionam com a C&T. E, mais ainda, que percebam que há outros agentes econômico-produtivos em nossa sociedade, que não as empresas privadas, que necessitam e merecem urgentemente a sua ação.

Renato Dagnino é professor do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT), do Instituto de Geociências (IG) da Unicamp



 
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