Untitled Document
PORTAL UNICAMP
4
AGENDA UNICAMP
3
VERSÃO PDF
2
EDIÇÕES ANTERIORES
1
 
Untitled Document
 


Sob as asas da inovação (e do Estado)

Estudo sobre indústria aeronáutica revela também
que aviação comercial é dependente da militar


JEVERSON BARBIERI

O pesquisador Marcos José Barbieri Ferreira: “Trata-se de uma indústria que não segue os mesmos critérios de outros setores” (Foto: Antoninho Perri)Uma análise aprofundada da dinâmica da indústria aeronáutica em nível mundial e nacional aponta que a introdução de inovações tecnológicas e a forte presença do Estado são fundamentais para o desenvolvimento do setor. O estudo, realizado pelo pesquisador Marcos José Barbieri Ferreira, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp, mostra ainda que, apesar das diferenças, existe uma interrelação muito forte entre a indústria aeronáutica militar e a comercial. De acordo com Ferreira, grande parte das inovações introduzidas nas aeronaves militares é transferida para a área comercial.

Comparativamente a outros trabalhos já publicados, a tese de doutorado, que foi orientada pelo professor Fernando Sarti, diferencia-se por ter como objetivo primeiro fazer uma análise global da indústria aeronáutica – desde o seu surgimento – e da sua dinâmica de funcionamento, enfocando sempre os segmentos militar e comercial. A partir dessa análise, foi feita uma verificação de como o Brasil está inserido nesse cenário. E a principal indagação inicial, segundo o autor, era verificar como o Brasil conseguiu ser tão competitivo e conquistar destaque internacional em um setor de alta tecnologia como este.

Ainda que a tese não seja essencialmente de caráter histórico, o autor observa que é preciso voltar à década de 1930, quando ocorre a primeira grande mudança na aviação, desde o seu surgimento no início do século XX. A introdução do modelo DC-3 no mercado consolida a indústria aeronáutica. É o chamado projeto dominante, que passa a ser padrão para as outras fabricantes. Sintetiza as inovações tecnológicas da época e adquire a fidelidade do mercado. Durante as duas décadas seguintes ocorreram apenas inovações incrementais, como a mudança de dois para quatro motores e o aumento do tamanho das aeronaves.

O DC-3, lançado na década de 1930: projeto dominante passa a ser padrão para as outras fabricantes (Foto: Divulgação)Já na década de 1950, a Boeing, inspirada na aviação militar que, a partir da Segunda Guerra Mundial introduziu os modelos de propulsão a jato, promove outra ruptura equipando os aviões comerciais com este tipo de tecnologia. Uma inovação que, diferentemente da aviação militar, precisa da aprovação do mercado e necessita ser economicamente viável. Encontra-se aí a grande diferença entre os setores. Enquanto a aviação militar busca a superioridade e os custos se expandem em ritmo acelerado, a indústria aeronáutica comercial precisa que seus projetos sejam sancionados pelo mercado e, assim, a elevação dos custos é menor.

Prova disso é que em 1960 os aviões militares de caça já voavam a velocidade supersônica. No segmento comercial, o projeto entre as companhias British Aircraft Corporation (britânica) e a Aérospatiale (francesa) criou o Concorde, que fez seu primeiro vôo em 1969. Viável tecnicamente, o projeto não se consolidou e apenas 16 unidades foram construídas. A inovação do jato supersônico, capaz de fazer o trajeto Paris-Nova Iorque em apenas quatro horas, não foi aceita pelo mercado porque, além dos altos custos, tinha restrições ambientais como ruído e poluição. No caso da aviação comercial, comentou Ferreira, é necessário ter a aprovação do mercado, enquanto que no segmento militar o que um país deseja é ser superior ao outro, mesmo que tenha que alocar um crescente volume de recursos.

Segundo a pesquisa, o Concorde não foi aceito pelo mercado em razão dos altos custos e das restrições ambientais (Foto: Divulgação)O ponto central abordado pelo pesquisador em sua tese é com relação à dinâmica da inovação. Enquanto na indústria aeronáutica comercial observa-se a existência de um projeto dominante copiado pelos concorrentes, na aviação militar a proteção ao projeto é questão estratégica. Não há, portanto, projeto dominante único na área militar. O que existem, de fato, são projetos tecnicamente equivalentes, que são agrupados em uma determinada geração de aeronave. Ferreira observou que os investimentos feitos no desenvolvimento de pesquisas militares são sempre muito questionados por economistas. No entanto, é preciso observar que para a indústria aeronáutica esse tipo de pesquisa é fundamental. Principalmente pelas inovações tecnológicas que são introduzidas primeiramente nas aeronaves militares e, posteriormente, são levadas para o segmento comercial. “Além disso, a participação militar nas vendas da indústria aeronáutica ainda é bastante significativa”, disse.

Incertezas
As inovações radicais, responsáveis por promover a descontinuidade da trajetória tecnológica, geram muitas incertezas. Algumas inovações têm um custo tão elevado que nem sequer são transferidas da área militar para a comercial. Atualmente, de acordo com Ferreira, a indústria aeronáutica está passando por um momento de ruptura muito grande. Na área militar, o projeto de um caça de quinta geração, o F22 Raptor, consumiu US$ 29 bilhões só de custo de desenvolvimento.

Fabricado pela norte-americana Lockheed Martin, este novo avião de caça incorpora tecnologias inovadoras, como a stealth (invisivibilidade) e a supercruiser (velocidades supersônicas sem pós-combustão) e tem preço estimado em US$ 400 milhões cada unidade. O governo norte-americano pretendia adquirir 750 aeronaves, no entanto, comprou apenas 184. “A linha de produção está praticamente desativada. O nível de inovação incorporado por esta aeronave é altíssimo. Em contrapartida, o elevado custo inviabilizou a continuidade do programa”, comentou.

O F22 Raptor, caça de quinta geração: investimento de US$ 29 bilhões apenas para o desenvolvimento da aeronave (Foto: Divulgação)Na área comercial a grande inovação não é visível, mas certamente provocará uma mudança na maneira de fazer um avião. Trata-se da utilização de materiais compostos, entre os quais a fibra de carbono. Utilizado em pequena escala desde a década de 1980 (cerca de 4%), a presença desse material vem crescendo aos poucos. No mais recente projeto da aviação, o A380 tem em sua estrutura pouco mais de 20% de material composto.

Previsto para voar em 2010, o Boeing 787 terá mais de 50% das suas estruturas feitas em material composto, entre as quais as asas e as seções de fuselagem. Ferreira explica que desde a década de 1930 a estrutura de um avião é feita de placa de alumínio e rebites. Alterar para materiais compostos significa mudar significativamente o peso do avião, deixando-o mais leve. Além disso, o material composto permite que haja um aprimoramento no design, aumentando o desempenho da aeronave. Outro ponto positivo é que, não sendo mais de alumínio, o tipo de pressurização pode ser alterado, o nível de umidade poderá ser maior e, consequentemente, essas mudanças darão ao passageiro uma viagem mais confortável. “Seguramente outras empresas irão aprimorar essa inovação, mas o projeto dominante já está dado pela Boeing”, assegurou.

Por sua vez, esse elevado dinamismo inovador está resultando em uma maior concentração da indústria aeronáutica. Segundo Ferreira, somente as grandes empresas podem fazer frente aos crescentes custos e incertezas inerentes ao processo de inovação. A construção de vantagens competitivas no setor aeronáutico passa, necessariamente, pelo tamanho da empresa. Em decorrência disso, um número cada vez menor de empresas, que são cada vez maiores e que abrangem todo mercado mundial, chamadas global players, passou a comandar esta indústria.


Pesquisador aponta ‘relação simbiótica’

Ferreira classifica como “relação simbiótica” o envolvimento entre Estado e grandes empresas. Para o pesquisador, o papel do Estado na dinâmica tecnológica da inovação e nas mudanças estruturais desse setor industrial é fundamental. Não é possível, de acordo com ele, determinar os limites de interesse entre os atores envolvidos no processo, uma vez que eles são interdependentes. “Trata-se de uma indústria de alta tecnologia bastante peculiar que não segue os mesmos critérios de outros setores industriais”.

Segundo o autor, o Estado tem uma importância crescente nesse cenário, não só pelo apoio ao desenvolvimento tecnológico, mas também na participação dos processos de reestruturação. Para Ferreira, a ação do Estado é de extrema importância para fortalecer as empresas líderes, nem que para isso seja preciso realizar mudanças estruturais. Isso significa na prática fundir as empresas e transformá-la em um grande conglomerado que tenha inserção internacional.

Um exemplo muito claro dessa influência citado pelo pesquisador está na recente visita do presidente francês Nicolas Sarkozy ao Brasil, justamente quando o País negocia a compra de caças. Uma das interessadas na venda desse tipo de avião ao Brasil é a francesa Dassault, empresa privada que fabrica o GIE Rafale. Numa espécie de contrapartida, Sarkozy anunciou durante a visita a intenção de adquirir uma dezena de unidades da aeronave de transporte militar KC-390, um projeto de US$ 1,3 bi, bancado pela Força Aérea Brasileira (FAB) e desenvolvido pela Embraer. Em tempos de crise econômica, afirmou Ferreira, os projetos militares alavancam a indústria aeronáutica.

Com relação ao capítulo Brasil, Ferreira concluiu que, apesar de a Embraer ser um caso singular de sucesso e ter importantes vantagens competitivas, isso ainda não é suficiente para alçar novos vôos. É necessário, segundo ele, que a empresa seja mais inovadora e mais integrada nas alianças estratégicas internacionais, além de ter mais apoio do Estado. “Não se trata de mudar a linha, mas de aprofundar o que já está sendo feito”, avalia.

 

 
Untitled Document
 
Untitled Document
Jornal da Unicamp - Universidade Estadual de Campinas / ASCOM - Assessoria de Comunicação e Imprensa
e-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP