| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 341 - 23 a 29 de outubro de 2006
Leia nesta edição
Capa
Artigo: Renato Dagnino
Cartas
40 anos: Brito Cruz
Prioridade em C&T
Agroturismo
Gripe aviária
Cognição artificial
Jazz e bossa nova
Jacob do bandolim
Crianças e diabetes
Idoso e gripe
Livros destratados
Açucar no catchup
Presuntos com Zinco
Patrimônio ferroviário
Painel da semana
Teses
Portal no JU
Livro da semana
Centro de Ensino de Linguas
Licenciatura
Cinema da boca
 

5

Pesquisadores da Unicamp organizam livro que mostra o estado da arte na área de cognição artifical

À imagem e semelhança do homem

Ricardo Gudwin, professor da FEEC e um dos editores de Artificial Cognition Systems: em busca de máquinas com a capacidade de entendimento dos humanos (Foto: Antoninho Perri) Um livro que mostra o estado da arte na área de cognição artifical, reunindo doze artigos de prestigiados pesquisadores da Europa, Estados Unidos e Brasil, em 402 páginas. Assim o professor Ricardo Ribeiro Gudwin, da Unicamp, define Artificial Cognition Systems, lançado pela Idea Group Publishing, editora americana que se distingue por títulos abordando temas da fronteira do conhecimento. Gudwin, do Departamento de Engenharia de Computação e Automação Industrial da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC), é um dos editores da obra, junto com seu aluno de doutorado Ângelo Loula e o pós-doutorando João Queiroz, pesquisador colaborador voluntário da unidade. O convite veio depois que o professor escreveu um capítulo para outro título daquela editora.

Obra traz artigos de americanos, europeus e brasileiros

Segundo Ricardo Gudwin, este novo livro traz artigos originais dos principais pesquisadores envolvidos na criação de sistemas que exibam os mesmos tipos de comportamentos cognitivos encontrados no ser humano. Tais agentes (como são denominados) devem ser capazes de realizar, em determinado ambiente, tarefas cognitivas como raciocínio (sobre passado, presente e futuro), tomada de decisões, aprendizagem, memória, emoções, consciência e comunicação por meio da linguagem, entre outros.

O professor da Unicamp afirma que a ênfase do livro está em como as representações adquirem significado em sistemas artificiais, e em como podem ser direcionadas para os fenômenos do mundo, permitindo que esses sistemas de fato tenham um entendimento do ambiente ao redor e nele interfiram. Para tanto, muitos dos autores se inspiram na semiótica ou no estudo dos processos de significação e representação, do filosofo norte-americano Charles Sanders Peirce.
Em entrevista ao Jornal da Unicamp, Gudwin fala desta proposta inovadora e capaz de mudar paradigmas nas pesquisas com inteligência artificial e sistemas inteligentes, abrindo caminho para a construção de máquinas que de alguma forma reproduzam o entendimento humano.

Jornal da Unicamp – O desenvolvimento da inteligência artificial é recente?
Ricardo Ribeiro Gudwin – Não. Desde a década de 1960, um grande número de pesquisadores se dedica à chamada inteligência artificial, que visa de alguma forma modelar o funcionamento da mente e transladá-lo para o computador.

JU – Como isso pode ser feito?
Gudwin – Na área de pesquisas de sistemas inteligentes destacam-se duas vertentes. Uma delas busca inspiração na mente humana para a geração de algoritmos que resolvam problemas de maneira inteligente. Neste caso, para chegar à chamada inteligência artificial ou inteligência computacional, utiliza-se a metáfora da mente humana somente como inspiração para a geração de algoritmos. O que importa é o desempenho destes algoritmos na resolução de problemas e não o seu uso como modelo do fenômeno da inteligência no ser humano. É uma área consolidada e de prática corrente na comunidade que trabalha com inteligência artificial. Uma segunda vertente deseja realmente encontrar um modelo que reproduza o funcionamento da mente humana do ponto de vista cognitivo, a fim de introduzi-lo em sistemas artificiais.

JU – Que tipo de profissionais situam-se na primeira vertente?
Gudwin – Engenheiros que procuram sistemas computacionais mais eficientes, para os quais o importante é chegar a uma máquina que execute bem as tarefas que lhe são atribuídas, independentemente de quão afastada da mente humana. É o que fazem os grupos que trabalham com redes neurais, que tentam reproduzir computacionalmente a forma dos neurônios trabalharem, de forma a reproduzir algumas capacidades cognitivas da mente humana, como de aprendizagem e de adaptação a uma informação. É uma tecnologia normalmente voltada para o desempenho: à criação de controladores industriais, de elevadores inteligentes. Persegue um produto mais inteligente do que os existentes no mercado para utilização na indústria, no comércio, no entretenimento.

ReproduçãoJU – E a segunda vertente, que objetiva a cognição artificial?
Gudwin – Procura entender como o ser humano toma decisões, com o intuito de criar um modelo o mais próximo possível da mente humana. É sobejamente sabido que os algoritmos utilizados na modelagem da inteligência artificial estão longe de permitir essa aproximação. Eles não possibilitam que uma máquina tenha a mesma capacidade de entendimento do ser humano. Um sistema de cognição perfeito teria capacidade de fazer associações de palavras e elementos do mundo real, captados através de sensores – e isso o distinguiria. Trata-se de um sistema que não processa palavras simplesmente, mas as associa com informações sensoriais e as correlaciona. Para isso os algoritmos atuais não são suficientes: precisaríamos de algoritmos baseados em cognição artificial.

JU – Poderia exemplificar a diferença de respostas nesses dois sistemas?
Gudwin – Observe a frase: “o navio russo entrava no porto o navio português”. Ela é de difícil compreensão, pois não se consegue entender de imediato o seu sentido. Este se revela claro quando se descobre que o verbo em questão é “entravar” e não “entrar”. A partir daí, o receptor já não visualiza o navio russo “entrando no porto”, mas “entravando a passagem do navio português”, e exclama: “Ah, agora entendi!”. Quando se cria um sistema de cognição artificial se pretende exatamente isso: que ele seja capaz de transformar um texto em uma imagem mental equivalente à elaborada por um ser humano. Ao realizar essa operação, o sistema revela capacidade de entendimento. Mas o caminho deve ser de mão dupla: a imagem que possibilitou o entendimento deve gerar, em um novo texto, a resposta.

JU – Então é este o objetivo?
Gudwin – É a nossa ambição. Quando se fala de cognição artificial, o que se pretende é a criação de máquinas que exibam entendimento real, não máquinas que simplesmente associam coisas como as produzidas pela inteligência artificial, como se tem hoje. Queremos máquinas capazes de entender da mesma forma que os seres humanos.

JU – Em que pé estamos diante de tais perspectivas?
Gudwin – A busca por essas máquinas é ainda muito incipiente. É muito pequeno o número de pesquisadores trabalhando com isso no mundo, e não se estruturou ainda uma comunidade que dialoga entre si, embora isso esteja começando a acontecer. Em conseqüência, a produção cientifica encontra-se pulverizada, com publicações nos mais diferentes veículos, o que leva os pares, muitas vezes, a não conhecê-las. Uma das motivações para a publicação do livro foi a de colocar, juntas, pessoas que eventualmente nem se conheciam, que trabalham em áreas tematicamente afins, mas cada qual desenvolvendo seu trabalho científico de maneira quase isolada.

JU – São pesquisadores de á-reas diferentes?
Gudwin – A área de ciência cognitiva é eminentemente interdisciplinar. Não está na área das exatas, das humanas ou das biológicas, mas se correlaciona com as três. Os estudos de Locke, Kant e de vários filósofos modernos analisam a mente do ponto de vista da filosofia: quais as origens do conhecimento, quais categorias do conhecimento existem, o que pode ser conhecido, etc. Na ciência da computação e na engenharia de computação constroem-se robôs e sistemas artificiais. Nas ciências biológicas, trabalha-se com neurologia, estuda-se o cérebro buscando explicações de como ele se conecta com a questão da mente, por exemplo. Falta juntar essas pessoas que estão em atividades correlatas. Sou engenheiro eletricista, mas preciso entender um pouco de filosofia, o que me leva a Aristóteles, Kant, Peirce; leituras difíceis para alguém com minha formação, mas necessárias. O mesmo vale para os pesquisadores de outras áreas, cada um deve entender as áreas dos demais para possibilitar o diálogo e o entendimento.

JU – Que critérios orientaram a construção do livro?
Gudwin – O nosso grupo surgiu com a crítica das razões que levaram à estagnação do desenvolvimento da inteligência artificial, o que eu já havia citado em tese de doutorado defendida em 1996. A estagnação resulta do modelo de signo que vem sendo adotado implicitamente, imperfeito e com problemas concretos do ponto de vista estrutural. Ao me deparar com a semiótica de Charles Sanders Peirce, identifiquei a possibilidade de desenvolver, com base nela, uma nova teoria de sistemas inteligentes – que estamos chamando de cognição artificial. A premissa para o livro foi esta: o desenvolvimento de um sistema cuja infra-estrutura teórica é a semiótica de Peirce, na perspectiva de que ela abra caminho para a aplicação prática na forma de algoritmos computacionais.

JU – E a proposta para o livro se concretizou?
Gudwin – Muitos dos trabalhos recebidos corroboram esta hipótese, mas há os que a tangenciam e atacam o problema da cognição artificial por outros meios e métodos. Ao selecionar os artigos procuramos a maior isenção possível, a fim de conseguir um panorama representativo da área. Esta seria a diferença entre o foco inicial e o trabalho concluso.

JU – Qual a importância de estudar sistemas de cognição artificial, hoje?
Gudwin – Vou fazer uma comparação que pode nos auxiliar a compreender a importância do estudo. Muitas pessoas já ouviram falar no Darpa, um órgão do Departamento de Defesa dos EUA que fez os primeiros investimentos em pesquisas que culminaram com o que hoje é a Internet. O mesmo Darpa abriu, recentemente, uma série de editais fomentando estudos em tecnologia cognitiva, exatamente o que estamos chamando aqui de cognição artificial. Esse pessoal não é bobo. Se eles estão investindo pesado nisso, é porque existe uma grande possibilidade de que essas idéias venham a emergir em novas tecnologias.

JU – Qual a abrangência deste novo livro?
Gudwin – Primeiro, é um dos primeiros livros que procuram dar uma visão geral da área de cognição artificial. Embora existam publicações que tratam o tema de forma segmentada, esta oferece uma visão panorâmica do que se anda fazendo na área. Segundo, o livro apresenta caráter interdisciplinar, atendendo a uma comunidade bastante heterogênea e tentando promover o diálogo nesta comunidade. Terceiro, e mais importante: se as premissas de que partimos são de fato corretas – e tudo indica que estão, embora uma definição só seja possível depois que os primeiros sistemas começarem a aparecer de fato –, as idéias propostas no livro podem promover uma mudança paradigmática na maneira em que se aborda a inteligência artificial ou os sistemas inteligentes.

JU – Por que paradigmática?
Gudwin – Porque envolve um novo paradigma para os sistemas inteligentes. Depois que essa teoria estiver transformada em tecnologia, vamos construir novos sistemas inteligentes que terão a capacidade do entendimento, ao contrário do que ocorre hoje. Poderemos conversar com uma máquina, já que ela será capaz de entender o que está sendo dito. Parece ficção cientifica, mas é o futuro que nos espera e que começamos a traçar agora.


SALA DE IMPRENSA - © 1994-2006 Universidade Estadual de Campinas / Assessoria de Imprensa
E-mail: imprensa@unicamp.br - Cidade Universitária "Zeferino Vaz" Barão Geraldo - Campinas - SP