| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 305 - 10 a 17 de outubro de 2005
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Professor da Faculdade de Engenharia Química
desenvolve coletor para famílias de baixa renda

Quando o sol nasce para todos


CARMO GALLO NETTO



O professor Júlio Roberto Bartoli (primeiro plano), o coletor e a equipe de pesquisadores: função social (Foto: Antoninho Perri) De toda a energia elétrica gerada no Brasil, estima-se que cerca de 8,5% são consumidos em chuveiros elétricos. Calcula-se que 50% da conta de luz paga por famílias de baixa renda deva-se à energia dissipada no banho. Preocupado em reduzir os gastos mensais com energia de classes menos favorecidas, o professor Júlio Roberto Bartoli, da Faculdade de Engenharia Química (FEQ) da Unicamp, desenvolveu um coletor solar de baixo custo, fabricado com materiais baratos, disponíveis no mercado e, mais importante, que pudesse se inserir na linha do “faça você mesmo”, dispensando mão-de-obra especializada.

Produto é feito com material de baixo custo

Segundo avaliação do pesquisador, os custos se reduzem a 10% dos coletores solares convencionais, se pagam em poucos meses, diferentemente daqueles, de custo dez vezes maior e somente amortizados em cinco ou sete anos, conforme sejam de alumínio ou cobre, e por isso acessíveis apenas a famílias de maior poder aquisitivo. O equipamento sairia por cerca de 100 dólares.

De família oriunda da região da Ístria (próxima a Trieste), território da Itália tomado pela então Iugoslávia na 2ª. Guerra, Bartoli nasceu na Argentina, de onde veio para o Brasil muito pequeno. As preocupações sociais do professor, que é naturalizado brasileiro, manifestaram-se há vários anos e centraram-se inicialmente no estudo de coletores solares para utilização de pequenos agricultores na secagem de frutas e grãos e que dependem dos secadores convencionais utilizados pelos grandes produtores.

Nessa época foi solicitado a participar de um projeto apresentado à Fapesp, cujo foco era desenvolver coletores exclusivamente de vidro para aquecimento de água. Pediu que incluíssem no projeto também coletores de plástico, que faziam parte do seu campo de interesse, o que acabou sendo providencial porque, constatada a inviabilidade do emprego do vidro, e com os prazos quase vencidos, os estudos do grupo concentraram-se com sucesso na utilização do plástico.

O professor esclarece que o projeto foi inicialmente desenvolvido junto a uma incubadora (Cietec-SP). A empresa incubada depois virou ONG (Sociedade do Sol) e tem disseminado o uso desse coletor pelo Brasil através de seu site, no que vê limitações porque sabe das dificuldades de acesso à internet por parte das populações mais necessitadas. Por isso, Bartoli considera que a difusão tem que encontrar outros canais que a tornem mais ampla e democrática.

O docente lembra também que existem outros aquecedores solares desenvolvidos com o mesmo objetivo, mas considera que as vantagens do seu sejam a simplicidade, o que permite que qualquer pessoa o construa, e o custo, porque utiliza nos coletores forro alveolar (forrinho PVC ou divisórias PVC) de largo uso, reservatório de água convencional, que pode ser revestido de material térmico, e tubos e conexões marrons de PVC disseminados no mercado.

“Dependendo dos ventos, da estação do ano, da insolação e da região do país, a temperatura pode chegar de 20 a 25 graus acima da temperatura ambiente. Um chuveiro simples provido de um potenciômetro que regula a temperatura de forma linear permite acréscimos na temperatura quando necessário”, ensina o docente.

Segundo ele, uma caixa de 500 litros acoplada a duas placas padrões de 60x125 cm de forrinho permite banho tranqüilo para uma família de quatro pessoas em temperaturas entre 45 a 50 graus em dias ensolarados, mesmo sem caixa isolada. O isolamento melhora a eficiência do sistema e pode ser realizado com serragem, carpetes velhos, jornal, placas de isopor, plástico bolha ou outros materiais sugeridos pela criatividade do construtor.

Bartoli, cujas pesquisas são desenvolvidas no Departamento de Tecnologia de Polímeros da FEQ, explica que o coletor convencional atinge temperaturas que chegam aos 70 graus porque o vidro com que é recoberto garante o efeito estufa e protege o sistema da ação dos ventos, melhorando a eficiência.

No coletor desenvolvido por ele, o efeito estufa não pode ser utilizado porque, próximo aos 70 graus, o PVC se deforma: “Estamos desenvolvendo outros materiais poliméricos, até reciclados, que permitem melhor resistência ao calor, elevando a chamada temperatura de deflexão ao calor, que pode passar de 70 para 240 graus. Para isso trabalhamos com polímeros semi-cristalinos, enquanto o PVC é um polímero quase amorfo. Com estes novos materiais poderemos utilizar, aí sim, uma placa transparente que garanta o efeito estufa e a proteção dos ventos. Pretendemos também que essa placa seja de material polimérico em substituição ao vidro, de modo a fazer um coletor totalmente de plástico, que queremos mais leve, mais barato e que possa ser construído pelo próprio usuário”.

Trabalho sobre o coletor atual foi apresentado em junho de 2004 na Conferência Internacional da ICS-UNIDO, órgão da ONU responsável pela implementação de “Recursos Renováveis e Energia Renovável: Um Desafio Global”, realizado em Trieste, Itália, e que desenvolve estudos principalmente com vistas a países em desenvolvimento.

Próximos passos – Bartoli revela que, quando começou a desenvolver o coletor, não se interessou em patenteá-lo, pois achava a idéia muito simples e que, no seu entender, consistia em juntar “cano com forro”. Ao descobrir que o sistema estava sendo comercializado e receoso de que futuramente um fabricante pudesse patenteá-lo, resolveu encaminhar pedido de patente à Inova, agência encarregada do registro e comercialização de patentes de produtos desenvolvidos na Unicamp. “Corríamos o risco de perder o domínio sobre uma idéia nossa, que, embora simples, talvez levasse anos para surgir na cabeça de outra pessoa”, diz ele.

Renato César Pereira, um dos principais colaboradores do professor Bartoli, desenvolve projeto de doutorado com o objetivo de fazer um estudo sistemático do conjunto e desenvolver novos materiais, pois “sabemos construir, mas nos faltam elementos que caracterizem um estudo com base nas normas e exigências técnicas”, afirma ele.

Bartoli esclarece que seu colega de departamento, professor João Sinésio C. Campos, está orientando estudo sobre a eficiência térmica desses coletores, desenvolvido pelo mestrando Marco Ntzel. “Temos que medir o fluxo de água que está correndo dentro das placas e, para isso, colocamos uma bomba para mantê-lo constante, um rotâmetro, um hidrômetro para determinar o volume de água acumulada e um solarímetro para medir a incidência solar, de maneira a ter elementos que atendam às normas da ABNT para a certificação da eficiência térmica para energia solar”.

À espera da conta de luz

A Propeq, empresa júnior da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp, através da Diretoria de Projetos Sociais, que tem como diretor Valdir Antonio de Assis Júnior, montou protótipo em escala reduzida do sistema solar para demonstração em escolas de ensino fundamental e médio. Além disso, a empresa júnior procura selecionar entidades de cunho social com o objetivo de intermediar a instalação desses coletores solares em cooperação com o grupo do professor Bartoli e empresas que se disponham a colaborar com o fornecimento dos materiais necessários – forros da Confibra, tubos e conexões da Tigre.

Foi o que aconteceu com a Casa de Repouso Bom Pastor, sediada no distrito de Barão Geraldo. A entidade abriga e ampara pessoas carentes, provenientes de outras cidades e outros estados, portadoras de câncer, que são encaminhadas para tratamento oncológico nos hospitais de Campinas. O equipamento foi montado há pouco mais de um mês, o que leva o grupo de professores e alunos envolvidos no projeto a aguardar com ansiedade a próxima conta de energia elétrica para verificar qual foi a redução conseguida.

Como funciona

Os coletores solares utilizam uma placa de forro de PVC que mede 60x125 cm e tem canais longitudinais. Ao longo de dois tubos de PVC marrão, com cerca de 70 cm, são abertas fendas na largura e espessura da placa de modo a encaixá-los e colá-los em suas duas extremidades. Os coletores, de plástico branco, são revestidos por tinta preta fosca na parte exposta ao sol, para aumentar a absorção solar e diminuir a reflexão. Está montado o coletor, que apoiado sobre o telhado acompanha-lhe a inclinação, recomendando-se dez graus acima da latitude local. A água, vinda de um reservatório (caixa d’água), entra na temperatura ambiente no cano da extremidade inferior do coletor. Aquecida pelo sol, adquire densidade menor e sobe pelos seus canais internos, chega ao tubo superior e dele é conduzida à parte superior do mesmo reservatório. Na parte superior do reservatório acumula-se a água quente e na inferior, a água fria. A água quente para o chuveiro vem desse reservatório. Como esta se encontra sempre na sua parte superior, utiliza-se um sistema chamado pescador, constituído por um tubo flexível em que foi presa uma bóia que permite a passagem da água sempre que acionado o registro do chuveiro.

À medida que a água é consumida no chuveiro, o reservatório é reabastecido através de uma bóia, como em qualquer caixa d’água residencial, a menos de uma pequena diferença: um tubo que sai junto à bóia leva a água fria para o fundo do reservatório, evitando o resfriamento da água quente, ou mais quente, da parte superior.

Todo o sistema, reservatório e placas, funciona como um sifão em que a mobilidade da água é garantida e mantida pelo aquecimento da energia solar, uma vez que a água aquecida, de densidade menor, tende a subir e a água mais fria tende a descer, garantindo um sistema contínuo e constante, apenas interrompido pela ausência do sol. À noite o fluxo tenderia a se inverter e a água mais quente passaria do reservatório para os coletores, o que é evitado com a utilização de uma válvula de retenção.

A- água quente; B- transição água quente-fria; C- redutor de turbulência (tubo perfurado); D- água fria; E- “pescador” de água quente (tubo com bóia); F- placas do coletor solar (em PVC); G- registros; H- chuveiro (opção com potenciômetro); I- bóia de entrada de água no reservatório. (Arte: Samuel Mello)

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