Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 269 - de 11 a 17 de outubro de 2004
Leia nessa edição
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Diário da Cátedra
Tese sobre petróleo é premiada
Disfunção erétil
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Histórias pitorescas do AEL
Nação como projeto
Vargas revisto 50 anos depois
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Em seminário na Unicamp, Gildo Brandão adverte que ‘questão nacional’ é uma coisa e ‘nacionalismo’, outra

Nação como projeto
volta ao debate


LUIZ SUGIMOTO


O cientista político Gildo Marçal Brandão, da USP: "Os intelectuais minimizaram as velhas aspirações transformadoras"No momento em que se volta a discutir no país a questão da nação, do Estado e do desenvolvimento, inclusive remetendo ao varguismo, o Centro de Estudos Brasileiros (CEB) trouxe o tema à Unicamp com o seminário “Nação, democracia e cidadania no pensamento social brasileiro”, realizado nos dias 22 e 23 de setembro. “O tema da nação, considerado anacrônico, felizmente retornou à academia. Ele nos leva a pensar sobre o que fomos, o que somos e o que pretendemos ser; se queremos permanecer juntos, se gostamos de estar aqui. Refletindo sobre esses sentimentos, Ernest Renan escreveu que a nação se torna o ‘plebiscito de todos os dias’”, diz Walquiria Leão Rego, diretora do CEB, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e coordenadora do evento.

Globalização exige novo repertório

Presente ao primeiro dia do seminário, o cientista político Gildo Marçal Brandão, do Departamento de Ciência Política da USP e coordenador científico do Núcleo de Apoio à Pesquisa sobre Democratização e Desenvolvimento (NADD-USP), preocupou-se em mostrar que a retomada da questão nacional deve ocorrer em patamar diferente do velho nacionalismo do período Vargas, cuja tendência autárquica implicava no fechamento de fronteiras para proteger o mercado interno. “Aquele nacionalismo não é mais exeqüível, mesmo que se queira. Atualmente, é preciso repensar o problema da nação e do Estado respondendo a um duplo dilema: a integração interna, com a incorporação da massa da população ao processo econômico e, ao mesmo tempo, construir um novo tipo de Estado que seja capaz de competir no mundo globalizado”, argumenta o professor.

Gildo Brandão recorda que a questão nacional já aparece no processo de transiçãoA professora Walquiria Leão Rego, diretora do CEB: "Ernest Renan escreveu que a nação se torna o ‘plebiscito’ de todos os dias" do feudalismo para o capitalismo, conectando-se ao longo do tempo com a gestação do Estado nacional, da revolução industrial, da criação de um mercado mundial. “Não dá para pensar a questão nacional fora da questão internacional, não dá para pensar uma coisa por oposição à outra. Não se pode pensar a nação dentro dos limites da nação. Até porque – como diria Antonio Candido - somos produtos da aventura européia nos trópicos, do espírito do ocidente procurando nova morada no mundo. O Brasil não é uma experiência singular, é uma experiência comum a qualquer país que se constituiu como produto da expansão européia”, insiste.

Assim, na visão do cientista político, o ponto de partida do exame da questão, hoje, passa pelo problema da globalização, com o enorme grau de exploração e de exclusão que ela provoca, através da seletividade no uso dos capitais, do controle das inovações tecnológicas, da competição entre empresas multinacionais, da imobilização nacional da força de trabalho, da imposição de uma homogeneização cultural. “Tudo isso favorece um crescimento muito enviesado das forças produtivas e potencializa novas desigualdades entre povos, regiões e classes sociais. Um amigo disse-me certa vez que a globalização é o comunismo dos capitalistas. Ele tem razão: é o internacionalismo posto em prática ao modo capitalista”, ironiza.

Brandão ressalva, no entanto, que os aspectos negativos não devem levar o Brasil a pregar, simplesmente, a reconstrução do projeto anterior de Estado nacional. “Apesar da extrema perversidade deste processo, o país melhorou muitos indicadores sociais, o que não é obra de um ou outro governo”, afirma. Ele ressalta a importância da experiência democrática dos últimos anos, conquistada pela luta, diferentemente da redemocratização de 1945, por exemplo, que foi uma decorrência quase natural da derrota do fascismo na guerra. “Esta nova experiência incorporou a maioria da população adulta ao mercado político e, note-se, conjugando duas providências que historicamente provocaram horror aos liberais, sem falar nos conservadores: a eliminação do veto ao analfabeto e a obrigatoriedade do voto. A meu ver, são dois instrumentos revolucionários no plano da política”, opina.

Gildo Marçal Brandão acrescenta que, ao contrário das experiências anteriores, na democracia pós-ditadura permitiu-se uma explosão de associativismo e abriu-se espaço para que todos os grupos políticos exercessem o governo, nos três níveis. “Isto coloca a jovem democracia brasileira diante do desafio da alternância de poder, alternância que não se dá apenas entre partidos, mas entre forças do establishment e outras forças oriundas das classes subalternas, com a incorporação ao sistema de poder de quadros e grupos políticos de alguma maneira representativos de setores historicamente mantidos à distância. Um olhar atento, portanto, perceberá que os dilemas institucionais vividos pela sociedade brasileira vêm recebendo soluções razoavelmente progressistas”, acrescenta.

Retomada – O professor da USP admite que o fato de o processo de democratização política ter sido relativamente exitoso, não garante o acerto futuro. “Mas, apesar do pessimismo de boa parte do pensamento brasileiro, que sempre lida com o pé de chumbo preso ao passado, trata-se de um terreno no qual podemos auferir forças para a retomada do processo da construção interrompida, seguindo a expressão de Celso Furtado”. Gildo Brandão defende, então, a retomada da questão do desenvolvimento, mas não do mero crescimento. “Vejo o Brasil tão frágil no contexto econômico, que nós ficamos neste dilema entre estagnação e crescimento. Meu medo é que a retomada do crescimento signifique acabar de arrebentar com várias coisas no país, à medida que o crescimento pode ser obtido a qualquer preço. Se o crescimento do bolo implica destruir a Amazônia, por exemplo, ponho um pé atrás. Ainda lembrando Furtado, digo que a questão do desenvolvimento é algo mais amplo do que a mera questão do crescimento econômico”, adverte.

Na opinião do cientista político, está deixando de ser possível alcançar o desenvolvimento sem a integração das grandes massas de excluídos. Como exemplo, observa que o tipo de tecnologia existente hoje exige alto nível educacional. “Como ter uma nação moderna sem um aparato pesado de ciência e tecnologia? Como ir crescendo sem uma mão-de-obra minimamente educada? A pressão está aí: pressão sobre o sistema educacional, pressão sobre as políticas públicas. As respostas nem são tão boas, como a bolsa família e a bolsa escola, mas é preciso dar alguma resposta à pressão dos debaixo, que se manifesta no filho de classe baixa que chega à universidade, no MST, na violência urbana. O Estado tem que responder”, finaliza

Cientistas sociais fazem
autocrítica sobre produção?

Durante os debates organizados pelo Centro de Estudos Brasileiros, houve tempo para uma autocrítica dos cientistas sociais quanto ao papel que vêm desempenhando para explicar as transformações ocorridas na sociedade brasileira nos últimos tempos. Para Gildo Marçal Brandão, da USP, os nossos pesquisadores estão desarmados para enfrentar os problemas contemporâneos, uma vez que não existe produção de grandes teorias que permitam explicar o capitalismo globalizado. “Os intelectuais minimizaram as velhas aspirações transformadoras. Conformando-se com o processo tal como está ocorrendo, sem pôr uma possibilidade de superação, acabam caindo na apologia – direta ou indireta - do status quo”, observa.

Gildo Marçal Brandão afirma que a ciência social no Brasil está ficando cada vez mais sofisticada, produzindo conhecimento sobre vários fenômenos, mas inexiste uma teoria que explique a mudança social, o que dificulta o planejamento de uma política global. “Na palestra, dei o exemplo do G-7, essa espécie de comitê dos negócios do capitalismo globalizado. Posso também não gostar do Bush, mas reconheço que sua equipe tem uma política global. Nós também temos necessidade disso. Não dá para se contentar com a fragmentação de disciplinas e conhecimentos atuais. Há uma exigência de ver o conjunto, correlacionar os fenômenos, tanto do ponto de vista intelectual como político, isto é, sobretudo para os que vêm de baixo, porque os de cima, os fortes já têm seus instrumentos, totalizam sem parar. Quando a ciência social deixa de lado esta preocupação de interpelar o conjunto, vira funcionária da ordem”, reitera o professor.

A professora Walquíria Leão Rego, da Unicamp, concorda que os cientistas sociais brasileiros deixaram de produzir grandes sínteses, mas duvida se isto ainda é possível. “Num país tão grande e diversificado como o nosso, é difícil avaliar se está havendo mais ou menos produção de conhecimento, embora muita coisa importante esteja acontecendo. Acho que o sistema universitário, tal como está organizado, individualizou demais o pesquisador, que se preocupa mais com sua carreira e seus papers, pois é assim que ele é valorizado pelo sistema. Produzir uma grande síntese requer estudos coletivos, muita troca de informações, muita discussão. Não sei se é viável, por exemplo, retomar projetos coletivos como o do grupo de Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni nos anos 1950, voltado para compreender a questão do negro, depois do desenvolvimento e subdesenvolvimento”.

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