Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 234 - de 20 a 26 de outubro de 2003
Leia nessa edição
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Diário de Lisboa
Cartas na mesa
Tese: plano estratégico
Saúde: acidentes de trânsito
Átomos em desordem
Hospitais Universitários
(in) segurança alimentar
Atibaia: volume de água
Saúde: mulheres idosas
Nobel: acertos e surpresas
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Teses da semana
Manufatura inteligente
Vida sobre tela
 

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Acidentes de trânsito, um
problema de saúde pública

LETÍCIA MARÍN-LEÓN

Simulação de acidente de trânsito promovida pela Unicamp no ano passado: jovens pertencem ao grupo com mais vítimas fatais

A elevada mortalidade por acidentes de trânsito (AT) representa um problema de saúde pública tanto no Brasil como em diversos países. Os jovens, especialmente do sexo masculino, são o grupo com maior envolvimento em acidentes de trânsito fatais. Os acidentes fatais são apenas a ponta do iceberg; devem ser considerados os acidentes com seqüelas e os acidentes que evoluem para recuperação total, mas apresentam longo tempo de internação precisando, às vezes, de cirurgias. Pesa, ainda, o afastamento das atividades acadêmicas e laborais. As seguradoras, conhecedoras do elevado risco de AT dos jovens, praticam tarifas superiores a veículos dirigidos por este grupo etário.

A análise de acidentes aponta o papel preponderante dos fatores humanos, sendo que as condições das vias de circulação, a visibilidade e os defeitos nos veículos contribuem em pequena proporção na ocorrência de acidentes.
Como o trânsito exige decisões rápidas, torna-se necessário considerar o estilo de conduzir, os julgamentos e a tomada de decisões, entre elas, as de ultrapassar, mudar de pista e avançar sinal. Nos jovens, a tomada de decisões é marcada pela impulsividade, ousadia e confiança excessiva em sua própria destreza. O consumo de álcool é o fator mais associado a AT, pois dificulta a tomada de decisões e entorpece as habilidades psicomotoras.

Embora o Código Nacional de Trânsito, em vigor desde 1998, constitua um marco no controle dos acidentes, o decréscimo observado no período imediatamente após sua implantação não teve a mesma intensidade nos anos subseqüentes.
Com o intuito de alertar sobre esta realidade fomos convidados a divulgar pesquisa realizada com estudantes da Unicamp no segundo semestre de 1996 e publicada no presente ano nos Cadernos de Saúde Pública (vol.19 no.2).

Com base em estudos norte-americanos e ingleses que mostram que a tendência para acidentes pode ser prognosticada a partir das infrações referidas pelo próprio motorista, foi elaborado um questionário para traçar o perfil dos comportamentos no trânsito e o antecedente de envolvimento em acidente enquanto motoristas. Definiu-se acidente como qualquer impacto do veículo no trânsito, mesmo sem ferimento de pessoas. Participaram na pesquisa 2.116 alunos da graduação com idade entre 18 e 25 anos, sendo 1.214 homens e 902 mulheres.

O perfil demográfico, socioeconômico e de exposição à direção diferiu segundo o envolvimento ou não em AT. Destacou-se a maior freqüência de acidentes entre os homens (75%). A maior proporção do grupo de “20 anos e mais” entre os acidentados explicou-se pelo maior número de anos como motorista. Os condutores com envolvimento em AT pertenciam em maior proporção a famílias com renda elevada e provinham, em maior proporção, de famílias com 3 ou mais carros. Ainda, os acidentados tinham maior acesso ao uso de carros da família; usavam carro próprio ou da família para deslocar-se à universidade. É maior o risco de AT quando a exposição ao trânsito é maior; a proporção de condutores habituais é maior entre os com antecedente de AT. A Associação Nacional de Transporte Público observa que quanto maior a renda, maior é a quantidade de Km/dia percorridos por veículos particulares. A renda elevada também pode favorecer a posse de veículos mais modernos e mais velozes, estimulando a direção em alta velocidade.

Entre os 1.638 motoristas, aqueles com história de AT apresentavam um perfil transgressor marcado - 60% dirigiam em velocidade máxima igual ou superior a 130Km/h; 57% dirigiam após beber; 50% avançavam sinal fechado; 46% tinham sido multados; 30% referiam ultrapassagens não permitidas; 27% usavam velocidade média igual ou superior a 120Km/h; 21% dirigiam pelo acostamento; 8% tinham praticado suborno e 7% rachas.

Quanto à velocidade máxima, destacou-se que 9,9% dos condutores referiram atingir velocidade de 160km/h ou mais. Utilizando a pergunta sobre “sensações referidas ao dirigir em alta velocidade”, observou-se que a freqüência de AT foi 12,3% para os que referiram “não dirigir em alta velocidade”, e no restante das categorias, 34,5%. A subcategoria que referiu “dirigir em alta velocidade por economia de tempo” teve 50% com antecedentes de AT.

Motoristas de ambos os sexos com história de AT apresentaram opiniões e julgamentos que os diferenciaram significativamente dos motoristas sem envolvimento. As opiniões dos primeiros foram: ser “contrário à legislação de trânsito mais rigorosa” (41,6% versus 12,1%) e acreditar que “motorista bom deve ser agressivo” (25,7% versus 18,2%).

Quando comparados aos motoristas “favoráveis à legislação mais rígida”, os motoristas “não-favoráveis” apresentaram freqüência mais elevada de alguns comportamentos transgressores - velocidade média elevada (37,8% versus 29,8%); velocidade máxima elevada (61,7% versus 46,7%); dirigir na contramão (6,7% versus 3,1%); dirigir pelo acostamento (17,2% versus 11,9%); participar de rachas (8,1% versus 4%); ter sido multado (38,8% versus 26,3%) e dirigir logo após beber (50% versus 37,2%). Dados norte-americanos também observam que os condutores com elevado índice de transgressões mostram pouco interesse pelas normas.

Observou-se que os condutores que consideraram que o bom motorista deve ser agressivo, apresentaram um certo perfil de comportamentos de risco no trânsito (velocidade média e máxima elevadas, dirigem pelo acostamento, subornam e dirigem logo após beber) e acidentam-se mais. Esses motoristas podem corresponder ao perfil descrito como aqueles que “buscam sensações fortes”.

Fatores externos - Houve maior proporção de acidentados entre os que atribuem os AT a “fatores externos ao motorista” (problemas de engenharia de trânsito, excesso de veículos, pedestres) do que entre os que atribuem os AT a “fatores dependentes do motorista” (43% versus 29,2%). Ao julgar os acidentes em geral, os estudantes tenderam a responsabilizar mais o condutor, mas, ao avaliar as circunstâncias que os envolveram em AT, mencionaram circunstâncias alheias à sua responsabilidade. Esse perfil remete-nos às teorias de adolescência que apontam, entre outras características, a oscilação de humor e o desejo de quebrar normas.
Os homens referiram maior proporção de transgressões que as mulheres, sendo a razão entre as proporções de 4,9 para rachas; 2,5 para dirigir após beber; 2,4 para suborno; 2,3 para velocidade de 130km/h ou superior; 2,1 para dirigir no acostamento; 1,9 para multas; 1,7 para ultrapassagens proibidas; 1,1 para avançar sinal fechado.

Entre os 491 estudantes com antecedentes de AT, 65,2% referiram um acidente, 20,8% referiram dois AT e 14%, três ou mais. Entre os 369 condutores do sexo masculino com história de AT, observou-se que quanto maior a freqüência de AT, maior é o perfil transgressor.

Entre nós, há maior desrespeito ao limite de velocidade que em universitários de 18 a 30 anos no Reino Unido. As diferenças dão indícios para que a comunidade e as autoridades observem melhor a questão do respeito à legislação. Os resultados revelam a importância dos comportamentos de risco no envolvimento em acidentes.
Em resposta à pergunta sobre os fatores que contribuíram para que se envolvessem em acidentes, foram poucos os que assumiram terem sido responsáveis pela ocorrência de AT (distração, referida por 22,4% dos condutores; imprudência (5,3%); dirigir alcoolizado (3,5%); dirigir em alta velocidade (2,9%) e desrespeito à sinalização (1%).

Com relação ao uso de álcool, o Centro de Controle de Doenças nos EUA observa sua presença em 15% dos acidentes sem lesão. Na presente pesquisa, menos de 4% reconheceram este hábito entre as circunstâncias que explicaram seu envolvimento em acidentes, mas os condutores de ambos os sexos que dirigem após beber apresentam risco 184% maior de envolvimento em AT do que os sem esse comportamento. Esse hábito é muito mais freqüente entre nós do que no Reino Unido. A relativa baixa prevalência naquele país pode ser decorrente de medidas repressivas ou de hábitos e valores peculiares àquela cultura. Entre nós acredita-se que esse hábito esteja diminuindo, em decorrência da nova legislação de trânsito que inclui entre as infrações graves dirigir sob o efeito do álcool, e das propagandas antiálcool mais recentes, veiculando repercussões sociais dos AT relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas. A censura social se contraporia à disponibilidade de bebidas alcoólicas e, dessa forma, diminuiria o hábito de dirigir após beber.

Mesmo que, após esta pesquisa, diversas condições tenham melhorado, como a fiscalização eletrônica, julgam-se necessárias intervenções educativas entre universitários, especialmente do sexo masculino, de classe socioeconômica elevada e que consomem álcool, com ênfase aos reincidentes de três ou mais AT, pelo seu maior perfil transgressor.

Assim, especial atenção deve ser dada à família e pela família ao jovem, na busca de ações que apontem formas socialmente compatíveis e mais criativas de procurar “grandes sensações”, devendo ser trabalhada a mudança de atitudes (crenças e valores instalados), bem como a modificação de comportamentos, paralelamente às medidas legais punitivas que, por si só, não modificam comportamentos nem promovem mudanças atitudinais.


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