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Lipoaspiração associada
à lipoenxertia aumenta
possibilidade de embolia
Tese revela risco de mobilização
de gordura sistêmica de um
local do corpo para
órgãos vitais

ISABEL GARDENAL

A associação das técnicas de lipoaspiração e de lipoenxertia – que consiste na retirada da gordura de uma região (por meio de um pequeno orifício na pele) para injetá-la em outra – apresenta uma maior incidência de embolia gordurosa para os pulmões, caso ocorra, podendo ser até causa de morte após estes procedimentos. Apesar de complicações como essas não estarem devidamente registradas nos órgãos competentes de saúde, na tese de doutorado do cirurgião plástico Fernando Fabrício Franco, defendida na Faculdade de Ciências Médicas (FCM), ficou claro que essa associação cirúrgica mostra risco de mobilização de gordura sistêmica de um local do corpo também para outros órgãos essenciais como o fígado, os rins e o cérebro. Ainda que raro (ocorre em menos de 0,1% dos indivíduos submetidos à lipoaspiração), este evento pode comprometer a recuperação após a cirurgia ou acidente por trauma. A investigação, realizada entre os anos de 2008 e 2010, indicou em experimentos animais que a incidência dobrou no pós-operatório de até 48 horas, saltando nos casos apenas lipoaspirados de 30% para 60% nos lipoaspirados e lipoenxertados, descoberta que foi publicada há pouco na revista Annals of Plastic Surgery, de alto impacto na área de cirurgia plástica. Essa é a primeira pesquisa brasileira a considerar tais implicações.

De acordo com o orientador da tese e docente do Departamento de Cirurgia da FCM, Álfio Tincani, a grande preocupação é que essas cirurgias na maioria das vezes são voltadas à estética e mesmo assim são sujeitas a complicações que acabam subnotificadas. Essas podem se mostrar menos graves, como irregularidades de contorno, alterações de sensibilidade e de coloração da pele, e equimoses (infiltração de sangue na malha dos tecidos com dois a três centímetros de diâmetro); ou, sendo mais graves, são capazes de evidenciar intoxicações anestésicas, perfurações de vísceras, arritmias cardíacas, tromboembolismo pulmonar, culminando até em óbito. Há igualmente a Síndrome da Embolia Gordurosa, uma complicação multissistêmica advinda da mobilização da gordura na corrente sanguínea, que também pode levar à morte em poucas horas no pós-cirúrgico. Assim sendo, o objetivo do especialista foi avaliar se de fato ocorria mobilização de gordura após a lipoaspiração (para remoção do tecido adiposo das regiões do abdome e flancos), associada ou não à lipoenxertia.

Associação

A lipoaspiração no Brasil é o segundo procedimento mais comum da especialidade de cirurgia plástica, com mais de 90 mil cirurgias por ano, vindo atrás da mamoplastia de aumento (próteses de mama). Este número, no entanto, não corresponde totalmente à realidade, por somente constar das estatísticas os membros da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) que responderam a um questionário enviado entre 2007 e 2008, dele excluindo-se as instituições de ensino em cirurgia plástica e os procedimentos realizados por não cirurgiões plásticos. O Brasil, depois dos Estados Unidos (EUA), lidera o ranking das lipoaspirações globalmente. “Não se sabe, portanto, a população submetida à lipoaspiração e a quantidade de gordura necessária para acarretar complicações graves como a Síndrome da Embolia Gordurosa. Agora, existe a chance de acontecer um leve desconforto respiratório, que melhora em pouco tempo”, contextualiza Álfio Tincani.

A lipoaspiração pode vir ainda associada à abdominoplastia, para melhora do contorno corporal; e à mamoplastia redutora, bem como nos casos de refinamento em reconstrução mamária. A gordura retirada de uma lipoaspiração pode ser empregada para aumento dos glúteos e cirurgias reparadoras como em sequelas por traumas, entre outras indicações. Os procedimentos de lipoaspiração associada ou não à lipoenxertia cresceram muito após a década de 1970 com a ajuda de especialistas italianos e franceses, sem falar na melhora da sua qualidade e dos resultados satisfatórios para médicos e pacientes, reconhece o docente.

Entretanto, ele relata que hoje a lipoaspiração tende muito a ser feita ambulatorialmente, tanto é que o paciente se submete à cirurgia de manhã e recebe alta à tarde. Horas depois, pode ser surpreendido por um mal-estar, que varia de 24 a 48 horas. “E a indisposição pode ser fatal, como já relatado em revistas e jornais, sem ter uma explicação clara da sua relação com a embolia gordurosa, nos casos onde não foram feitas autopsias.”

Nos experimentos com ratos Wistar, nos quais foram analisados os seus órgãos após lipoaspiração e lipoenxertia, notou-se a presença de gordura à microscopia nos pulmões. Porém, não se sabe a repercussão que essa poderá acarretar nesses animais e em humanos, já que se trata de um evento não habitual. “Agora, tem potencial de ocorrer na associação com diversos tipos de cirurgias, não exclusivamente na lipoaspiração com ou sem lipoenxertias”, contribui o pesquisador. O pior, salienta, é a ausência de um tratamento específico para a mobilização de gordura. Existem apenas medidas de suporte. E, quando ela é maciça então, pode levar ao óbito antes mesmo que se firme o diagnóstico ou que se desenvolva a Síndrome da Embolia Gordurosa.

Precauções

“O que se enfatiza, nesse caso, são precauções quanto ao tempo cirúrgico, uma vez que a lipoaspiração prolongada pode induzir a um maior índice de mobilização de gordura”, informa Fernando Franco. Preconiza-se atualmente que a lipoaspiração seja feita num prazo máximo de cinco horas em ambiente apropriado e com aparelhagem e monitorização adequadas. Outra precaução consiste em evitar esse procedimento associado a outros (na revisão de literatura os casos de embolia gordurosa grave estavam associados com outras cirurgias estéticas), por haver um maior risco de sangramentos, anemias agudas e mais complicações.

“Como quaisquer cirurgias são sujeitas a riscos, sobretudo se o paciente é idoso e com Índice de Massa Corporal (IMC) elevado, seria recomendável que exames pré-operatórios mais completos fossem encorajados, além de uma avaliação cardiológica”, afirma o cirurgião plástico. Mas, por se tratar apenas de uma cirurgia estética, muitas vezes isso não é observado.

A Síndrome da Embolia Gordurosa, contudo, não aparece só em cirurgias plásticas. Também ocorre após cirurgias ortopédicas e em outras decorrentes de acidentes por trauma com múltiplas fraturas em que haja mobilização de gordura medular óssea. O que não é possível sustentar é que a mobilização de gordura causa as mesmas repercussões em humanos e em animais. Pela falta de estudos clínicos e experimentais na área inclusive, não se verifica uma investigação que permita quantificar hoje o volume de gordura responsável por causar esse dano ao organismo.

O pesquisador e o orientador da tese lançam aqui um alerta aos cirurgiões plásticos e à comunidade sobre o risco de mobilização de gordura. O ideal, opina Álfio Tincani, é documentar os casos, publicá-los em revistas científicas ou relatá-los em eventos da área. “Muitas notícias de morte por lipoaspiração que saem na mídia dificilmente indicam a causa, que poderia ser a embolia gordurosa”, completa o cirurgião plástico. A sua sugestão é fazer uma autopsia para reconhecer a Causa mortis.

Outras causas mais comuns de complicações em lipoaspiração são a trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar, esse resultante de êmbolos provenientes dos vasos dos membros inferiores. “Por isso a profilaxia contra a TVP deve ser sempre considerada e, as medidas profiláticas, utilizadas consoante cada caso. Enfatizamos isso porque a apresentação clínica inicial é similar à da embolia gordurosa para os pulmões, dificultando o diagnóstico diferencial, porém os tratamentos são variados”, esclarece o cirurgião plástico. “Mas não pretendemos causar pânico na população, muito menos levar à desistência da lipoaspiração, já que, sem dúvida, ela tem tido ótimos resultados”.

Por outro lado, acentua ele, não se deve banalizar o papel da gordura no corpo humano. Ela assume importantes funções, seja para armazenamento de energia, isolamento térmico, proteção ou regulação de fatores hormonais. Há muitos pontos ainda por serem elucidados sobre a embolia gordurosa, além do que foi publicado no artigo da revista Annals of Plastic Surgery. Há apenas outras três publicações do gênero no mundo, originárias dos EUA, o que demonstra o quão o assunto foi pouco explorado.

O trabalho de Fernando Franco, relata o seu orientador, é relevante por dizer primeiro que, se houver indicação, a lipoaspiração e a lipoenxertia devem ser feitas, desde que com parcimônia, levando-se em conta os problemas que poderão sobrevir. “Afinal, não se trata de cirurgias inócuas e muito menos simples”, acentua. Esse estudo, que obteve apoio da Disciplina de Cirurgia Plástica e do grupo do Núcleo de Medicina e Cirurgia Experimental da FCM, agora prossegue com alunos de iniciação científica, que farão uma investigação ampla a fim de detectar o volume de gordura na lipoaspiração, contando gotículas na circulação sanguínea. Este novo passo iniciará no mês que vem.

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■ Publicações

Artigo
Franco, F.F.; Tincani, A.J.; Meirelles, L.R., Kharmandayan, P.; Guidi, MC. Occurrence of fat embolism after liposuction surgery with or without lipografting: an experimental study. Ann. Plast. Surg., 67 (2):101-5, 2011.
Tese: “Incidência de embolia gordurosa pós-cirurgia de lipoaspiração com ou sem lipoenxertia – estudo em animais”
Autor: Fernando Fabrício Franco
Orientador: Álfio Tincani
Unidade: Faculdade de Ciências Médicas (FCM)

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