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Tempo e memória no idoso asilado

Estudo do IEL analisa sentidos sociais do envelhecimento

A quarta maior instituição filantrópica do Brasil, o Lar dos Velhinhos de Campinas, foi objeto de pesquisa de doutorado da assistente social Geralda Maria de Carvalho Zaidan, que analisou os sentidos sociais do envelhecimento. O principal objetivo da pesquisadora foi mostrar como a sociedade produz espaços para os idosos e como estes se movimentam socialmente. A resposta obtida foi de que, no âmbito dessa associação de pessoas, é perfeitamente possível viver e conviver com todas as faixas etárias sem nenhuma discriminação, havendo, no entanto, uma necessidade urgente de que as políticas públicas, específicas para esse público, sejam revistas.

Zaidan afirmou que no espaço comum de convivência há diferenças do ponto de vista do sujeito em relação às políticas públicas, sociais e ideológicas e, no asilo, esse funcionamento se dá da mesma forma. Trata-se de um indivíduo, segundo a pesquisadora, que se encontra excluído da mudança do padrão de família tradicional – homem, mulher, filhos. Há, segundo ela, uma diversidade de situações e pessoas, cada uma por um viés – algumas por exclusão, outras por doenças, necessidades e, ainda, por abandono. “Tive contato com todas essas realidades e, de modo geral, percebi que existe uma necessidade de transformação desse espaço porque as pessoas que estão lá têm sentimento e potencial, podem conviver com os jovens socialmente, sem problema algum”, assegurou Zaidan.

Para que isso aconteça, prosseguiu a assistente social, é fundamental a aceitação da velhice como um tempo real agindo sobre o corpo. De um modo muito específico, o que se vê hoje é a negação do envelhecimento. Cabelos são pintados, peles são esticadas e rugas são extraídas – isso é a marca do tempo no corpo, é o real do corpo físico, cronológico e social. “A sociedade tem que aceitar esse corpo real com suas limitações porque estamos em um percurso e, assim, é importante acabar com essa demarcação de fases”, afirmou Zaidan. Um exemplo, para ela, seria uma pessoa que se aposenta aos 51 anos. O processo de aposentadoria produz, para o sujeito, sentidos nos quais ele deixa de ser um cidadão pensante, de significar e produzir. Trata-se de uma relação de grande violência social diante do que ele contribuiu, produziu e ofereceu à sociedade. “Para mim, há a necessidade de se quebrar essas barreiras, e que esse corpo social fosse valorizado produtivamente enquanto tivesse condições físicas, psicológicas e sociais, ou seja, que a velhice fosse aceita, não como uma negação, mas como uma outra fase de um corpo que nasceu e vai morrer um dia. Resumindo, que a velhice seja aceita como um processo natural”, ressaltou Zaidan.

Motivação

Foi pelo contato direto com a instituição que Zaidan teve sua maior motivação para realizar a pesquisa. Proveniente de sua área de formação em Serviço Social, auxiliou sua irmã a aplicar uma técnica de biblioterapia junto aos idosos deste ambiente asilar. Encerrado esse trabalho, prosseguiu, por mais de um ano, como trabalhadora voluntária da casa e foi, a partir dessa época, que começou a observar o comportamento dos idosos que ali estavam inseridos. Isso suscitou a olhar o funcionamento das relações sociais e ideológicas da instituição no seu relacionamento com a sociedade. “Quem é esse sujeito que está dentro do asilo? Que relações sociais o produziram? O que motivou essa pessoa a estar neste lugar? Que espaço é esse que recebe essa pessoa? Essas foram minhas primeiras ideias e questionamentos”, revelou Zaidan.

A aprovação e vigência do Estatuto do Idoso fez com que a mídia começasse a dar visibilidade maior a essa camada social que, no momento atual, é de crescimento. Dados comprovados, cientificamente, demonstram que o Brasil apresenta uma baixa taxa de natalidade e uma longevidade com expectativa para 70 anos de vida para o homem e 75 para a mulher, num cenário de políticas sociais e sistema previdenciário falidos. “Há a necessidade de um novo planejamento desse sistema de seguridade social. A mídia divulgou essas questões e isso foi se agregando no corpo do meu trabalho. Porém, meu objetivo era conhecer e compreender esse espaço, saber quais relações sociais eram estabelecidas entre ‘dentro e fora’ desse ambiente; como esse sujeito, inserido neste contexto, ocupa o seu tempo e qual a expectativa de vida deles dentro desse espaço”, salientou a pesquisadora.

A partir de contatos com os documentos da instituição foi possível perceber que, desde o primeiro Estatuto, houve várias reformulações desses documentos. Do ponto de vista linguístico, Zaidan tinha como objetivo mostrar o funcionamento discursivo dos sentidos produzidos nesses documentos, e analisar, do ponto de vista social, ideológico e linguístico, que sujeitos eram esses e como era construída suas relações.

Além dos documentos, a assistente social entrevistou 10 idosos para saber, a partir do ponto de vista deles, o significado de asilo. A partir dessa visão, a meta foi conhecer quem eram os sujeitos que ali habitam. A pesquisadora permaneceu quase um ano visitando o asilo para realizar sua pesquisa. Fez uma análise da evolução desde a confecção do primeiro ‘Estatutos’, uma vez que Campinas, em 1822, integrava a rota do café no país e, nessa época, havia uma grande demanda de migrantes que vieram em busca de melhoria de qualidade de vida. Deixavam os perímetros rurais e vinham para o perímetro urbano, porém, chegando à cidade não encontravam uma demanda que os absorvesse.

Foi nesse momento que surgiram as doenças e os grandes produtores, aliados à classe média alta política do centro de Campinas, não queriam conviver com essas pessoas. “O número de pedintes era muito grande e aí surgiu a ideia de um grupo de pessoas que organizasse esse espaço social. O coronel Bento Bicudo, um dos grandes produtores de café da época, cedeu a chácara onde atualmente está situado o Lar dos Velhinhos de Campinas”.

Paralelamente a isso, a febre amarela atingiu a cidade e o asilo surgiu para atender aos imigrantes, necessitados e carentes do centro urbano de Campinas. Como a demanda era grande, foi necessário que se estabelecessem normas e parâmetros para que somente os cidadãos campineiros é que tivessem esse amparo”, afirma Zaidan.

A análise linguística realizada pela pesquisadora apontou contradições em relação aos nomes adotados pela instituição ao longo do tempo. O primeiro termo ‘República’ foi dado em função do que ocorria na época, cuja sociedade soprava os ares da República. Em relação à primeira nomeação ‘Asilo de Mendigos’, Zaidan questiona as relações sociais e políticas que existiam para designar um imigrante que veio em busca de trabalho e que a sociedade não conseguiu absorvê-lo, deixando à margem do sistema e, consequentemente, considerado mendigo. “Ele tinha, em princípio, condições físicas de estar inserido dentro daquele polo social como os outros”, disse.

A segunda renomeação, ‘Asilo de Inválidos’, levou a pesquisadora a pensar se eram inválidos do trabalho ou da convivência. “Por que alguém atribuiu esse adjetivo que, após fixado o rótulo, tornava a pessoa sem valia?”, indagou Zaidan. A terceira e última renomeação, ‘Lar dos Velhinhos de Campinas’, surge, nesse sentido, para resignificar um lar. Ademais, ‘Velhinhos’ também contribui para dar outro sentido às pessoas que estão naquele local. “Na relação social, política e ideológica da linguagem, esse nome tem um movimento de sentidos também”, menciona a pesquisadora.

Movimento dos nomes

A assistente social realizou uma investigação linguística, do ponto de vista da análise do discurso e da semântica, para compreender o processo de produção dos sentidos na sociedade e na história. E não somente os sentidos prontos, institucionalizados, para mostrar o movimento dos nomes, visto que na teoria, a prática de leitura visa “desnaturalizar” os sentidos, pois os discursos, embora façam efeitos como óbvios, são construções linguístico-históricas que fazem a mediação entre o homem e sua realidade natural e social. Externas a essa questão, outras foram surgindo como, por exemplo, eram designadas as pessoas com mais de 60 anos. “Aí o sentido e o significado do nome foi um ponto muito forte no meu trabalho, porque além destas renomeações da instituição asilar houve também uma movimentação de significados para designar uma pessoa com mais de 60 anos”, observou ela.

Antigamente, um ancião era considerado uma pessoa de sabedoria e respeito, enquanto a mulher era sempre submissa, sem significação no sentido social e político. O termo velho tem um sentido negativo, como algo sem valor a ser descartado. O idoso, através da aprovação do seu “Estatuto do Idoso”, passa a ter um reconhecimento o que provocou e provoca uma guinada social muito grande. Para eles, as demandas políticas estabeleceram prioridades em bancos, assentos de ônibus e estacionamentos, criando-se, na sociedade, espaços para essa faixa etária. Esses elementos mostram um reconhecimento das diferenças de idades. Criam-se fases para a vida humana e a sociedade vem reinventando esse modo de o sujeito significar na sociedade e se significar diante das idades”, apontou Zaidan.

O aumento da população nessa faixa etária e a questão da longevidade, onde se pode viver mais e com qualidade, provoca uma indagação bastante interessante, segundo a autora do trabalho: o que existia e existe de políticas públicas para essa camada da população? Segundo ela, são pessoas que tem aposentadoria estável e apareceram no mercado capitalista com um outro nome: terceira idade. Em 1980 houve uma explosão desse nicho de mercado e a sociedade não tinha nada a oferecer de bens de consumo a essas pessoas, porque a sociedade capitalista foca na produção e nos bens de consumo imediatos, que são dados pela produção de jovens. Portanto, essa camada vem sendo resignificada como ‘terceira idade’ e ‘melhor idade’. Terceira idade, pelo foco da estabilização financeira dada pela aposentadoria, e melhor idade pelo mercado capitalista que está focando nesse sujeito com bens de consumo, programas de viagens. “É o mercado em si atuando sobre eles”, disse Zaidan. Houve um período, segundo a pesquisadora, em que se falava no ‘novo velho’ porque era uma nova camada de pessoas descobertas. Meu trabalho mostra esse funcionamento da contraposição do que é novo e velho”, afirmou Zaidan.

De um ano para cá, segundo ela, circula na mídia um outro nome para essa camada que seria ‘jovem há mais tempo’, na tentativa de se prolongar a fase produtiva para esse sujeito. Porém, o nome não dá conta dos sentidos produzidos. “Haverá necessidade de novas reformulações políticas na sociedade, porque uma pessoa que iniciou seus trabalhos bem jovem, estará se aposentando por volta dos 50 anos, e isso não demarca a sua impossibilidade de atuar socialmente porque, na sociedade atual, é uma pessoa que tem discernimento e pode produzir muito, ainda. Portanto, essa velocidade com que a sociedade capitalista produz sentidos para o homem deverá ser reformulada, dada essa camada que está crescendo. O que será feito com esse grande número de pessoas ociosas circulando por aí? Como será avaliada a inserção e a exclusão desse sujeito no asilo? Isso provoca um processo de exclusão, proveniente de outra exclusão”, constatou Zaidan.

A assistente social crê que haverá, obrigatoriamente, a necessidade da aceitação do envelhecimento como um processo físico, social e biológico, dado no tempo e cronológico. Sobre as práticas sociais e filantrópicas, o Lar dos Velhinhos de Campinas é, de acordo com ela, um modelo na sociedade atual para os lares particulares, porém, de uma maneira capitalista. Há, segundo Zaidan, uma banalização e uma mercantilização de outras casas de repouso. É fundamental que haja uma redescoberta dos valores humanos. Os laços afetivos estão mais relativizados e desprendidos. Os valores agregados aos sentimentos resignificados não possuem uma busca de um convívio entre as diferenças, por isso, então, aquilo que incomoda é mais fácil descartar. Para mim haveria a necessidade de um investimento das relações afetivas, uma reavaliação dos laços afetivos. “O que será de nós daqui a 20 anos com mais de 15 milhões de idosos? Haverá mini-condomínios fechados de pessoas velhas, e cada espaço com suas práticas sociais e politicas? “Acho que as políticas públicas têm que ser revistas de um modo geral para atender essa população, que continua sendo um corpo social e político”, concluiu a autora

 

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Publicação
Tese de doutorado “Quando o relógio para: tempo, lembrança e memória no discurso do idoso asilado”

Autora:
Geralda Maria de Carvalho Zaidan

Orientadora:
Mônica Graciela Zoppi Fontana

Unidade:
Instituto de Estudos da Linguagem (IEL)
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