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Estudo abre frente para produção
de hormônios tireoidianos sintéticos

Novos ligantes poderiam ser usados no controle da obesidade e do colesterol

JEVERSON BARBIERI

Da esq. para a dir., Ricardo Aparicio, Leandro Martínez e Munir Skaf, coordenador da pesquisa: investigações tiveram início em 2002 (Foto: Antoninho Perri) Um trabalho de modelagem computacional por dinâmica molecular, conduzido no Instituto de Química (IQ) da Unicamp pelo pós-doutorando Leandro Martínez, desvendou o motivo pelo qual o Triac, um hormônio da tireóide, liga-se preferencialmente a uma proteína presente no fígado, que está associada ao controle do metabolismo de gorduras e colesterol. O estudo explica, de modo inovador e inusitado, o mecanismo de seletividade de um hormônio por diferentes variedades de proteínas que se ligam a ele no organismo. Coordenada no IQ pelo professor Munir Skaf, a pesquisa abre uma importante frente de estudos para a compreensão das bases moleculares de seletividade de hormônios em receptores nucleares e para o desenvolvimento de novos ligantes (hormônios tireoidianos sintéticos), objetivando aplicações farmacêuticas, entre as quais a do controle do colesterol e da obesidade.

As pesquisas tiveram início em 2002, quando Martínez ainda fazia sua iniciação científica no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), sob a orientação do professor Polikarpov, especialista em cristalografia de proteínas. Martínez percebeu que seria interessante estudar as proteínas de interesse do grupo, os receptores de hormônios, utilizando técnicas computacionais, chamadas de simulação por dinâmica molecular. Esta técnica estuda os movimentos de cada átomo das proteínas e dos hormônios e tem a capacidade de mostrar detalhes dessa dinâmica, importantes para a função. O mestrado e o doutorado também foram direcionados no sentido de alavancar ainda mais as pesquisas utilizando essas técnicas. No pós-doutorado, Martínez optou por pesquisar duas variedades destas proteínas: os receptores alfa e a beta do hormônio tireoidiano – que possuem pequenas diferenças, mas funções distintas no organismo.

A proteína alfa é abundante nos tecidos cardíacos e está envolvida na regulação da frequência cardíaca. A proteína beta é encontrada em maior abundância no fígado e está associada ao metabolismo de gorduras e colesterol. Martínez explicou que o interesse da indústria farmacêutica é conseguir desenvolver um ligante capaz de ativar com mais intensidade a variedade beta – um ligante beta-seletivo –, uma vez que com sua utilização seria possível emagrecer e baixar o colesterol, por exemplo, sem causar danos ao coração decorrentes da administração de hormônios tireoidianos naturais.

Já existe um ligante natural pouco abundante, chamado Triac, utilizado farmaceuticamente por ter menos efeitos colaterais que o hormônio tireoidiano principal. E esse foi o ponto de partida para a pesquisa, que buscou entender como o ligante natural se associava às proteínas alfa e beta. Os estudos funcionais mostravam que o Triac era ligeiramente beta-seletivo, mas estruturas cristalográficas obtidas pelo professor Ricardo Aparicio, também do IQ da Unicamp, durante pós-doutorado no grupo do professor Polikarpov, mostravam que o ligante natural se associava mais fortemente à proteína alfa e, dessa maneira, criou-se um paradoxo.

Para explicar melhor, Martínez recorreu a uma analogia utilizando, como exemplos, a chave e a fechadura. Em geral, disse ele, quando existe uma molécula que se liga melhor a uma proteína do que a outra, a determinação da estrutura cristalográfica resolve o problema. Basta olhar para a estrutura proteica e os seus contatos com a molécula. “Se você tem uma chave que abre duas portas, mas ela é melhor para abrir uma delas, em geral é porque cada buraquinho da fechadura tem um dente correspondente na chave. Portanto, a chave abre melhor uma delas porque o encaixe é perfeito. Geralmente é o que mostra uma estrutura cristalográfica”, afirmou.

Aparicio detalhou que a cristalografia é uma técnica poderosa utilizada para determinar a estrutura tridimensional das moléculas, como se fosse uma “fotografia” que dá informações detalhadas sobre as posições dos átomos. Apesar dessa informação ser muito valiosa, ainda é uma visão estática, não sendo possível saber, de fato, o que pode acontecer em solução. “Quando olhávamos para a “fotografia” da estrutura do Triac ligado ao receptor, era possível enxergar que ele estava mais bem ancorado no sítio ativo da isoforma alfa. No entanto, em solução, por outras técnicas, era possível observar a preferência do Triac pela isoforma beta”, disse.

Martínez disse que no trabalho computacional, outros componentes de um sistema real puderam ser acrescidos. Foi colocada água em volta dessa estrutura para ver como o solvente interagia com a proteína. A partir desse momento eles deixaram de olhar uma imagem estática e conseguiram ver um filme, observando como a água interage com a proteína e de como o ligante se movimenta. “Foi dessa maneira que conseguimos resolver o paradoxo”, afirmou.

Usando esse “filme” da proteína e hormônio em movimento, cálculos quantitativos de todas as interações do hormônio puderam ser feitos. “Conseguimos fazer cálculos que outras técnicas não permitem”, assegurou Martínez. Ele calculou, por exemplo, qual a força da interação do ligante com as proteínas alfa e beta. A partir da trajetória da simulação de dinâmica molecular, o resultado concordava com a estrutura cristalográfica, de que a maior força estava na ligação com a proteína alfa. “O paradoxo prosseguia”, admitiu.

Novo cálculo
Ele partiu, então, para um novo cálculo desse ligante com todo o ambiente (proteína, água, íons) nas isoformas alfa e beta. Na presença de todos os componentes, a diferença de interação desaparecia, atenuando a contradição observada na estrutura cristalográfica. A inclusão da água no cálculo fazia a diferença desaparecer. Portanto, a água que estava em volta da proteína tinha um papel compensador dessa diferença de interação paradoxal que aparecia na estrutura cristalográfica. “Foi possível observar nesse filme detalhes das interações e a estrutura alfa tinha o ligante fortemente associado à proteína. Já na estrutura beta, o ligante não estava tão fortemente associado à proteína, mas dentro desse sítio de ligação entrava água, que interagia com o ligante lá dentro”, atestou o pós-doutorando.

Voltando à analogia, Skaf esclareceu que a fechadura da isoforma beta era um pouco maior e estava repleta de lubrificante. Portanto, a eficiência dessa chave nessa fechadura é maior por conta do solvente. Em contrapartida, a fechadura da isoforma alfa, que possuía um encaixe perfeito, não tinha lubrificante, e isso foi determinante. “Em termos um pouco mais precisos, a afinidade da proteína do ligante é uma medida da energia livre e tem duas componentes: uma entálpica (das interações) e outra entrópica (dos movimentos). A interação com a estrutura beta é mais favorável devido à maior mobilidade do ligante dentro da proteína”, explicou o coordenador da pesquisa.

Aparicio ressaltou ainda que quando se determina a estrutura de uma proteína por cristalografia, tudo o que estiver conectado nessa proteína dentro do cristal pode aparecer ligado a ela, em particular, água. “É muito comum aparecerem moléculas de água em estruturas cristalográficas porque normalmente as proteínas são cristalizadas em meio aquoso. E, não raro, a água desempenha um papel importante no mecanismo de ação de enzimas, por exemplo. Ainda assim, numa primeira análise, muitas vezes damos mais atenção às ligações entre os átomos da proteína e os átomos do ligante. Ademais, nem sempre todas as águas são vistas por cristalografia”, observou o professor do IQ, que ressaltou que apenas olhando para as “fotografias”, jamais teria sido possível solucionar o paradoxo. Para ele, era necessário fazer o filme.

Martínez comentou que, após a simulação computacional, eles voltaram para a estrutura cristalográfica e notaram que ela já sugeria a explicação final, porque a cavidade de ligação da estrutura beta era maior e poderia permitir a entrada de água. Skaf ressaltou a importância do trabalho do pós-doutorando dizendo que ele ainda descobriu a razão molecular desta diferença. Trata-se de um determinado aminoácido que tinha cadeias laterais de tamanhos diferentes. Isso sugeriu um experimento bastante interessante: a troca desse aminoácido da cavidade da variedade beta para a alfa deveria reverter a seletividade do ligante. A hipótese foi confirmada experimentalmente.

Essa é uma técnica chamada de mutagênese sítio-dirigida. Não é um experimento computacional. De acordo com Aparicio, alterações de DNA feitas in vitro permitiram estudar as proteínas mutantes sugeridas por Leandro. “A hipótese foi confirmada, e nossas hipóteses só têm valor se forem comprovadas experimentalmente. E é essa nossa função, explicar o mundo real. E nós temos uma ferramenta poderosa para explicar esses fenômenos”, garantiu Skaf.

Este trabalho, realizado em parceria com o Instituto de Física da USP de São Carlos, com a Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB) e com o Methodist Hospital de Houston, no Texas (EUA), é parte integrante do Projeto Temático “Biofísica estrutural dos receptores e proteínas relacionadas”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e coordenado pelo professor Igor Polikarpov, da USP/São Carlos, e teve como pivô dos trabalhos experimentais o ex-aluno de doutorado de Polikarpov e atual professor da UFABC Alessandro Nascimento.

 

PNAS destaca pesquisa

Dada a relevância da pesquisa, o trabalho foi publicado na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), um dos principais periódicos de divulgação científica. O objetivo, de acordo com os autores, é atingir um público maior. O fenômeno é novo para essa área específica, garante Skaf, mas o que está por trás dessa causa entrópica é muito comum e abundante. Os pesquisadores consideram que o aspecto mais inovador do trabalho é de interesse geral porque se consegue mostrar no caso de uma proteína específica um fenômeno que “sugere toda uma nova maneira de pensar o desenvolvimento de novas moléculas, não só para essa proteína em particular, e uma nova maneira de olhar para a estrutura cristalográfica. Portanto, sugere também uma nova maneira de pensar o desenvolvimento de novos fármacos a partir de uma estrutura cristalográfica”.

 

 

Link do trabalho:
Martínez et al., Gaining ligand selectivity in thyroid hormone receptors via entropy.
PNAS, 2009.
http://www.pnas.org/content/early/2009/11/18/0911024106.abstract


 
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