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ARTIGO

James Patrick Maher

Quando parte um antigo companheiro

Agueda Bernardete Bittencourt


Ao escrever essa homenagem tenho a certeza de que a natureza humana não é apenas virtuosa nem de puro vício, mas sim como pensou Montaigne que o homem é de natureza muito pouco definida, estranhamente desigual e diversa. Dificilmente o julgaríamos de uma maneira decidida e uniforme.

 O professor James Patrick Maher veio para a Unicamp na segunda metade da década de 1970  (Fotos: Divulgação)No último dia 20 de outubro, fomos todos surpreendidos com a partida inesperada de nosso colega e amigo James Patrick Maher, o Jimmy. Agora temos que dar conta da tarefa de deixá-lo partir e arranjar o lugar que lhe cabe em nossa história e na história da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, onde ele trabalhou por 33 anos.

Jimmy era o segundo de oito filhos do casal Arthur Maher, um veterano da II Guerra que trabalhava na construção civil, e Evelyn, funcionária de uma escola em Nova York. Nasceu em 6 de fevereiro de 1949. Com seus irmãos, fez a escolarização básica no bairro onde vivia com a família, mais tarde graduou-se em História pela State University of New York (1969), cursou mestrado em Comunicação na mesma universidade (1972) e doutorado em Comunicação pela Bowling Green State University (1976).

Recém-doutorado, veio para o Brasil como professor convidado em uma Unicamp ainda em fase de construção, na segunda metade da década de 1970. Apaixonou-se pela possibilidade de contribuir no processo de estruturação de uma universidade pública. Acabou ficando aqui por mais de 30 anos. Ezequiel Teodoro da Silva relembra esses primeiros tempos em que se inventava uma universidade na cidade de Campinas:

Quando a Faculdade de Educação não era ainda tão grande, complexa e talvez nem tanto impessoal, quando ainda a Faculdade se localizava no segundo andar do Prédio do Ciclo Básico da Unicamp, por muito tempo dividi uma sala com o Jim. As imagens dessa sala no fundo do corredor são tão vívidas quanto os muitos projetos que Jim e eu desenvolvemos juntos por aqueles tempos. Ponha aí a segunda metade da década de 1970 e 1980 inteirinha.

Neste breve texto de lembrança, não vou descrever a vasta gama de projetos em que nos metemos, desde questionários para avaliar atitudes e comportamentos de leitura a cursos de treinamento a um mundão de gente diferente. O fato é que nos demos bem logo de saída, não somente pela reclusão da sala e pela proximidade das mesas, mas também por uma ânsia muito forte de fazer coisas que valessem a pena no conturbado, ainda esperançoso, universo da educação brasileira logo após a ditadura militar.

Dentre as muitas sabedorias do Jim, se colocava, com destaque, o seu vasto conhecimento de estatística e de computação. Em verdade, acho que muitos colegas a ele recorreram para analisar e entender dados de pesquisa e/ou então para se aproximar dos mistérios da informática, então nascente na época via linguagem Fortran. E mais, ao se aconchegar do Jim para conversar, receber dele um seguro sorriso abaixo dos seus olhos azuis, ouvir dele boas orientações num português meio enrolado e a demonstração de uma solidariedade nem sempre muito comum nos norte-americanos.

Da experiência em uma instituição em fase de construção, Jimmy, herdou um profundo respeito pela universidade, suas normas e práticas e, em especial, pela vida acadêmica. Estava sempre presente e disposto a discutir os temas institucionais, relativos aos cursos e orientações, suas ou de seus colegas, artigos ou livros lançados no campo da educação ou das humanidades. Penso ser a essa postura que Letícia Canêdo se refere quando afirma:

Tenho muita vontade de conseguir dizer alguma coisa sobre o privilégio de ter convivido com o Jimmy como colega na Faculdade de Educação. Tentei, mas não consegui expressar (…) a conduta digna e a elegância dele em relação aos colegas e o que de significativo ele nos legou em termos de solidariedade.

Nos vinte primeiros anos da Faculdade de Educação da Unicamp havia um investimento na formação do próprio corpo docente, então ainda não doutorado. Nesse período, Jimmy participou de inúmeras bancas e era a presença segura de alguém capaz de enxergar a contribuição existente em cada um dos trabalhos apresentados. Oferecia sugestões, bibliografia e seguia comentando, ajudando o pesquisador iniciante. Não posso deixar de lembrar o quanto me beneficiei das leituras que fez de minha dissertação de mestrado e da tese de doutorado, das traduções para o inglês que sempre se dispôs a rever comigo. Assim era o nosso colega.

Por muitos anos assessorou a Comissão de Vestibular - Convest e colocou-se a serviço da pesquisa sobre candidatos e ingressantes nos vestibulares da Universidade. Com seus conhecimentos de estatística e informática, integrava os grupos que tratavam de entender a universidade, seu lugar social e seus estudantes. Sempre que convidado, estava presente.

Lembro-me também de sua participação como assessor em um estudo realizado no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação (Nepa), sobre política científica e tecnológica e financiamento público à ciência. Com sua assessoria se criaram e reformularam os questionários a serem aplicados aos pesquisadores e a equipe aprendeu técnicas de pesquisa quantitativa, cruzamento de dados e possibilidades de análises, tão úteis, que seguem servindo até o momento.

Mas de todas as atividades acadêmicas, a paixão que movia o Jimmy era a sala de aula. Enquanto muitos professores, em momentos específicos, afastavam-se da sala de aula para dedicarem-se inteiramente à pesquisa cuidando de avanços na própria carreira, ele assumia a carga docente dos colegas, respondendo, algumas vezes, por até quatro disciplinas no semestre. Nesse espaço ele era feliz ao estudar as relações entre educação e sociedade ou ao tratar de planejamento e gestão educacional no Brasil, temas que lhe eram muito caros. Passava horas também a conversar e debater com os alunos sobre a Política Educacional, especialmente o processo de formulação das diretrizes educacionais, na Constituinte de 1988 e na LDB promulgada na década de 1990, instrumentos cuja elaboração foi antecedida por debates em distintos fóruns educacionais, acompanhados por ele e dos quais tinha muito orgulho. Acreditava na importância da estruturação de um sistema democrático de planejamento e gestão da Educação, em todas as esferas.

Sua pesquisa ganha sentido no conjunto de sua obra e em sua história, de acadêmico comprometido com a instituição que ajudou a construir e da qual foi um defensor incansável. Ao consultar seu currículo na Plataforma Lattes me encontro justamente com este Jimmy desprendido e cooperativo. Vejo no que ficou registrado, a colaboração sem limites, sua marca mais forte, mantendo-se num plano particular de quem assessora, contribui e participa.

Nos últimos tempos fomos perdendo o Jimmy para uma enfermidade que se expandia e por fim não mais o abandonou. Ele foi aos poucos se afastando, silencioso e discreto como foi em toda a sua vida. Ezequiel diz como viu essa partida.

Fiz uma última visita ao Jim quando soube de um desastre de carro que ele sofrera numa avenida de Campinas. Estava, na época, abatido e mais envelhecido, mas não perdera a ternura dos olhos azuis e muito menos o bom-humor, além de, como era do seu feitio, estar extremamente atualizado sobre as notícias do Brasil e do mundo.

Pedro Goergen, o ex-diretor, a quem Jimmy tanto admirou, o reconheceu como um colega acadêmico que soube enfrentar de forma digna as dificuldades que a vida - sim, esta tragicomédia - lhe ofereceu.

As minhas lembranças me levam também a umas poucas palavras sobre o amigo de fora da academia. Jimmy era um bom camarada. Não dissimulava seu amor pela família. Não escondia o orgulho que sentia de seus três filhos, pelas escolhas que faziam, pelos caminhos que trilhavam. Muitos foram os momentos que compartilhamos nestes 30 anos, na porta dos colégios, nas festas juninas, nas formaturas e até a chegada dos nossos primeiros netos.

Ele mal partiu e já sentirmos sua falta.

Agueda Bernardete Bittencourt
é professora da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp

 
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